• Nenhum resultado encontrado

O futuro da natureza humana – implicações da eugenia liberal

No documento Alberto Marques de Sousa (páginas 56-59)

2. FUNDAMENTOS DA EUGENIA EM HABERMAS

2.6. O futuro da natureza humana – implicações da eugenia liberal

Para entendermos a problemática das implicações da prática da eugenia liberal, devemos inicialmente enfocar a ética do discurso de Habermas. O discurso filosófico proposto pelo filósofo alemão adquire sentido quando consideramos a linguagem como meio para solucionar os dilemas éticos encontrados nas fronteiras do conhecimento, desbravadas pela eugenia. Habermas usa o agir comunicativo para expressar sua preocupação com a autonomia do sujeito frente às pesquisas genéticas. Segundo o filósofo, a manipulação genética de embriões pode mudar a estrutura dos seres humanos, o que produz consequências para o fundamento normativo das relações entre os humanos. Deste modo, o Diagnóstico Genético Pré- Implantação (DGPI) pode alterar a estrutura genética de indivíduos que não podem tomar decisões autonomamente, pois são embriões, afetando a lógica do agir comunicativo, pois muda a natureza dos humanos. Para Habermas a eugenia liberal produz uma crise dentro da estrutura normativa implicando uma substituição de princípios fundamentais que se encontram no núcleo do liberalismo moderno.

Habermas está preocupado com patrimônio genético humano que funda a concepção de agir comunicativo que está em risco graça à ação instrumental que usa a técnica para disponibilizar livremente a genética. Há, segundo Habermas, uma persistência da noção de técnica que perpassa praticamente todo século XX, e que coloca em risco a liberdade de fato, visto que a expressão eugenia liberal, como já mencionamos anteriormente, é uma contradição em termos, pois a finalidade da eugenia é controlar, e não libertar. Neste aspecto, Habermas faz uma diferença entre ação substancial que é a técnica e a ação subjetiva que é a prática. A primeira fundamenta a ideia de melhoramento genético e produz um controle social. Já a segunda, preocupa-se com a relação entre os indivíduos e preza pela liberdade. Este argumento habermasiano encontra substrato na ideia de que existe uma       

58

Soweit ich sehe, will Habermas auf diese Weise den Unterschied zwischen der für die Naturwissenschaften charakteristischen Denkweise und dem hermeneutischen Denken als Resultat einer geistesgeschichtlichen Entwicklung erweisen, die in den Dualismus des nachmetaphysischen Denkens führt, den er heute vertritt (ALBERT, 2009, p. 110).

delimitação e uma diferença entre o reino humano do sentido e o terreno instrumental da ação técnica. Dito de outro modo, o reino do humano e o reino do não humano.

Os eugenistas liberais procuram eliminar as ambiguidades do discurso dizendo que não haverá diferença entre humano e não humano, pois a eugenia procura reconstruir toda uma espécie, inclusive os valores. Habermas entende que é preciso contra argumentar, no que tange à genética, pois a ética do discurso está em risco. Contudo, a crítica de Habermas pode ser entendida por muitos como uma reação desesperada frente ao avanço frenético da genética de reprodução. Habermas recorre a uma ética da espécie que está fundada sob o conceito de boa vida, em contrapartida do conceito de Adorno de vida danificada.59 Embora

Habermas tenha criticado uma ética a priori por muito tempo, agora ancora sua mínima moralia60 na suposição a priori de uma ética da espécie. Para Habermas, a conduta eugênica apresenta algumas ameaças substanciais: a biossegurança, pois não sabemos ao certo o que a manipulação biológica de alimentos, plantas e seres podem produzir; a ameaça da amoralidade, na qual os indivíduos perdem o senso normativo e a maior de todas as ameaças, o controle total dos indivíduos. O futuro da natureza humana depende, segundo Habermas, do engajamento dos filósofos contemporâneos na discussão acerca da superação do autoentendimento secularizado da razão moderna. Habermas acredita que podemos superar esse dilema da eugenia contemporânea se debatermos a regulamentação e o alcance das práticas no ramo da genética reprodutiva. Sua preocupação primordial é manter o auto entendimento como seres humanos autônomos que temos hoje. Habermas está preocupado com a regulação e os futuros constrangimentos políticos provenientes do avanço na engenharia genética. Segundo ele, a manipulação genética dos embriões coloca em cheque valores situado no núcleo da racionalidade comunicativa moderna, tais como igualdade e liberdade. Sua preocupação provém       

59

Adorno entende por vida danifica aquela, fruto de um mundo completamente administrado. No seu entender, a racionalização é a expressão e a causa das patologias da sociedade moderna. Em “a dialética da razão”, Adorno e Horkheimer entendem que a “há muito a Aufklärung no sentido mais amplo de pensamento em progresso, teve por meta liberar os homens do medo e os tornar soberanos. Mas, a Terra, totalmente esclarecida, resplandece sobre os signos de calamidades triunfantes por todos os lados”. Logo a vida degenerada aparece em toda a parte. A barbárie moderna resulta na própria dinâmica da razão, do processo histórico de sua autodestruição, de seu desvelamento como des-razão, como dominação, da natureza e dos outros, e como repressão de si mesma (CAILLÈ; LAZZERI; SENELLART, 2004, p. 674-675).

da possibilidade do Diagnóstico Genético Pré-Implantação e das pesquisas com células-tronco que podem privar os indivíduos de uma autocompreensão ética e de uma autorreflexão. Uma prole gerada através de um diagnóstico genético prévio retira a autonomia destes indivíduos e produz um controle sobre o destino e o corpo, privando-os da liberdade. A conduta genética tolheria a capacidade do homem de construir como si próprio, ou como diria Kierkegaard (1961) “ser-capaz-de-ser-si- próprio”.

O único modo, segundo Habermas, de não cairmos no controle genético total é preservar o patrimônio biológico humano livre da manipulação genética. Isso pode ocorrer se considerarmos a eugenia como um projeto limitado. Mas se acharmos que ela pode resolver todos os nossos problemas, a igualdade e a liberdade serão extintas. Não podemos, segundo Habermas, abrir mão do patrimônio genético não manipulado, pois ele se encontra fundado em elementos biológicos da identidade pessoal, coisa que não pode ser usada livremente para fins de controle. O que está em jogo, segundo o Habermas, é se retirarmos a substância do patrimônio genético que nos torna humanos e atribuirmos uma essência às técnicas modernas. Ele aponta para o risco da disponibilidade genética à técnica, pois a genética se interpela e utiliza da estrutura humana molecular para produzir avanços. O pensamento técnico leva o homem contemporâneo a dispor livremente do patrimônio genético sem saber os resultados.

O perigo assume uma faceta e é denominado como tecnociência contemporânea e a sua tendência atual é denominada de eugenia liberal. Podemos perceber que a manipulação molecular proposta pela genética nunca esteve e não está sobre o controle do homem, pois lidamos com questões de fronteiras que não dominamos completamente. Por isso, Habermas, de acordo com a tradição contemporânea normativa, procura estabelecer os limites da eugenia positiva, e o primeiro é a impossibilidade de suprimir a natureza humana fundada na autocompreensão de si mesma.

No documento Alberto Marques de Sousa (páginas 56-59)

Documentos relacionados