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6 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

6.5 O gênero do enunciador

Uma categoria extralinguística analisada por nós diz respeito ao gênero do enunciador dos trechos deonticamente modalizados. No capítulo 5, temos uma seção dedicada à discussão sobre os valores sociais e morais que nortearam a sociedade vitoriana. A análise por nós empreendida toma os modalizadores na perspectiva das escolhas feitas pelo escritor da

peça, Oscar Wilde, para a construção dos personagens que se inserem na sociedade da época vitoriana. Assim, ao analisarmos os modalizadores deônticos usados nos enunciados dos personagens, investigamos os efeitos produzidos e podemos analisar se eles correspondem às características discutidas no capítulo citado.

Um dos aspectos apontados por nós, quanto ao período vitoriano, foi a divisão, bastante delimitada, dos papéis exercidos pelas mulheres e pelos homens. Enquanto eles tinham a autoridade reconhecida e inquestionável, elas deveriam se manter de modo passivo, dedicadas ao lar, à família e à criação dos filhos, além de concordarem com as decisões tomadas por eles. Portanto, a categoria aqui em questão nos permite analisar a produção de enunciados, de ambos os gêneros, em termos quantitativos e daí partirmos para uma análise qualitativa.

A tabela que apresentamos abaixo indica a quantidade de enunciados produzidos por personagens do gênero feminino e por personagens do gênero masculino, assim como seus respectivos valores percentuais, correspondente à análise de todos os atos, ou seja, 299 ocorrências.

Tabela 18 – Gênero dos personagens

Feminino Masculino Total

No. de ocorrências 196 103 299

Porcentagem 65,6% 34,4% 100%

Fonte: Elaborada pela autora

Acreditávamos, a priori, que os personagens do gênero feminino se apresentariam, ao longo da peça, de modo pouco expressivo, isto é, instaurando uma baixa quantidade de valores deônticos, ou talvez não os instaurando, devido ao papel passivo designado às mulheres vitorianas. Contrariamente, a partir dos dados da tabela 16, acima, pudemos observar que elas foram responsáveis por 65,6% dos enunciados deonticamente modalizados, ao passo que os personagens do gênero masculino modalizaram apenas 34,4% das ocorrências totais, uma porcentagem inferior à metade dos casos analisados.

Isso significa que as personagens do gênero feminino enunciaram mais da metade das ocorrências analisadas, ou seja, elas se comprometeram, em maior ou menor grau, com algum valor deôntico. Por isso, julgamos importante estabelecermos uma relação entre o gênero do personagem, feminino ou masculino, e os valores deônticos instaurados. Por meio da tabela abaixo, expomos o número de ocorrências de cada um desses valores em relação a cada gênero.

Tabela 19 – Relação entre gêneros e valores deônticos

Obrigação Permissão Proibição Habilidade Volição Total

Feminino 120 31 21 12 12 196

Masculino 54 27 08 08 06 103

Total 174 58 29 20 18 299

Fonte: Elaborada pela autora

Como podemos observar, com relação aos valores estritamente deônticos (obrigação, permissão e proibição), os enunciados das personagens do gênero feminino foram mais recorrentes, com 120 ocorrências nos casos de obrigação e 21 nos de proibição, ou quase tão recorrentes, com 31 ocorrências nos casos de permissão, quanto os enunciados dos homens. Cabe salientarmos, ainda, quanto aos subtipos de permissão, que as personagens do gênero feminino instauraram concessões de autorização em 26 casos e pedidos de permissão em apenas 5 ocorrências. Por outro lado, os personagens do gênero masculino concederam autorização em 14 casos e pediram permissão em 13.

Esse resultado não era esperado por nós, visto que o enredo da peça se passa na era vitoriana, época marcada pela divisão dos papéis das mulheres e dos homens, como já mencionado. Assim, uma de nossas hipóteses iniciais previa que os enunciados dos personagens do gênero masculino codificariam mais valores de obrigação e proibição, enquanto as mulheres codificariam mais pedidos de permissão, reconhecendo a autoridade masculina. No entanto, de acordo com a análise e interpretação dos dados, isso não se verificou, sendo nossa hipótese refutada.

Do ponto de vista desses valores instaurados, podemos concluir que, na peça analisada, os modalizadores deônticos, usados nos enunciados de ambos os gêneros, serviram à expressão da autoridade da patroa sobre o empregado, com Lady Windermere e Parker; da preservação e propagação dos valores morais da sociedade em que se inserem os personagens, nos papéis de Duchess of Berwick e Agatha; e à expressão da autoridade do marido no âmbito familiar, no papel de Lord Windermere. Esses efeitos causados por meio do uso dos modalizadores deônticos vão ao encontro das características da sociedade vitoriana. Por outro lado, esses mesmos modalizadores também estão nos enunciados de Lady Windermere quando a personagem se opõe a cumprir as ordens de seu esposo; de Lady Plymdale, que permite seu esposo frequentar a casa de Mrs. Erlynne; e da própria Mrs. Erlynne, que revela sua habilidade em manobrar os homens em uma época em que as mulheres deveriam ser submissas. Desse

modo, não podemos afirmar que os modalizadores deônticos na peça Lady Windermere’s fan se prestam apenas à expressão de valores tipicamente vitorianos.

6.6 Síntese

Neste capítulo, empreendemos uma análise da modalidade deôntica na peça Lady

Windermere’s fan, de acordo com os pressupostos funcionalistas, significando que, dentre

outras coisas, todos os enunciados foram analisados com relação à todas as categorias apresentadas no capítulo 5 e retomadas no capítulo 6 para fins analíticos. Dessa forma, a divisão aqui estabelecida apenas se deu por questões metodológicas, para que pudéssemos apresentar a análise do ponto de vista de cada categoria. Ao adotarmos a orientação funcionalista, prezamos pela integração dos aspectos semânticos, sintáticos e pragmáticos.

Ao analisarmos os meios de expressão pelos quais a modalidade deôntica foi instaurada, na seção 6.1, constatamos que a categoria ‘Verbo auxiliar’, na qual os auxiliares modais estão inclusos, foi a de maior produtividade, contabilizando 152 ocorrências dentre 299 casos totais. Ao relacionarmos essa categoria com os tipos de fonte, verificamos que dentre as 152 ocorrências de ‘Verbo auxiliar’, 119 foram utilizados com a fonte do tipo ‘Enunciador’, 17 com a fonte ‘Não-especificado’, 13 com a fonte ‘Enunciatário’, 2 com a fonte ‘Instituição’ e apenas 1 com a fonte ‘Indivíduo’. Além disso, incluímos a expressão ‘to have the right/ a right/ no right (+ to + infinitive)’ (ter o direito/ não direito (de +infinitivo) em nossa análise, na

categoria ‘Expressões modalizadoras’, pois observamos a recorrência dessa expressão, durante a análise dos dados, para a instauração do valor deôntico de permissão ou proibição.

Em seguida, tratamos dos valores deônticos instaurados nos enunciados: obrigação, permissão, proibição. Com base em Palmer (1986), optamos por considerar os valores de volição e habilidade, quando estiverem a serviço da expressão da modalidade deôntica. Abordamos, ainda, os subtipos de obrigação, interna e externa, e, no caso de permissão, discorremos quando se tratava de um pedido de permissão para agir ou uma autorização concedida. O valor mais recorrente foi o de obrigação, registrado em 58% dos casos e seguido pelos valores de permissão, em 19%, e proibição, em 10%. Os valores de habilidade e volição, apresentaram menor frequência; 7 e 6%, respectivamente. Quanto aos subtipos de obrigação, constatamos que das 174 ocorrências de obrigação, 139 correspondem à obrigação do tipo interna, ao passo que apenas 35 casos são do tipo externa. Este resultado não era esperado por nós, pois acreditávamos que as obrigações externas se dariam em maior frequência, indicando obrigações impostas pela sociedade vitoriana, o que não se confirmou.

Na terceira seção desse capítulo, tratamos dos tipos de fonte deôntica que se prestaram a instaurar valores deônticos em nosso corpus. Constatamos que, o os três tipos de fonte mais recorrentes foram ‘Enunciador’, com 234 ocorrências, seguido do tipo ‘Enunciatário’, com 31 ocorrências; e ‘Não especificado’, com 20 registros. Dada a alta frequência a fonte ‘Enunciador’, contamos com o apoio teórico de Verstraete (2004) para justificar a alta desejabilidade de ações em alguns exemplos, pois, de acordo com o autor, quando enunciador e fonte deôntica coincidem, há maior comprometimento do falante com o valor deôntico. Observamos, ainda, que a obrigação do tipo interna foi o valor mais instaurado pela fonte ‘Enunciador’. Chegamos à conclusão, ao final da seção de que apenas o personagem

Parker instaurou somente um tipo de valor deôntico: pedidos de permissão. Acreditávamos que, além dele, os enunciados de Mrs. Erlynne também teriam tal característica.

Na sequência, tratamos do alvo e da inclusão da fonte no alvo deôntico. Constatamos que o tipo de alvo mais recorrente foi ‘Enunciatário’, correspondendo a 53% dos casos. O tipo ‘Enunciador’ correspondeu à 29% e o tipo ‘Enunciador e enunciatário’ corresponde a apenas 2% das ocorrências totais. Quanto à inclusão da fonte no alvo deôntico, esta se confirmou em apenas 24% dos casos. Em 68% das ocorrências, a grande maioria, não houve inclusão e, em 8% dos registros, a categoria de inclusão não era aplicável ao caso analisado.

Na penúltima seção, discorremos sobre o gênero do enunciador. Trata-se de uma categoria extralinguística. Sua inclusão na análise se justificou porque, por meio da sua relação com a categoria linguística de modalidade deôntica, pudemos investigar se os efeitos produzidos correspondem às características vitorianas discutidas no capítulo 4. Com base nos dados resultantes de nossa análise, verificamos que, contrariamente ao que acreditávamos, i) os enunciados das personagens do gênero feminino foram mais frequentes do que os enunciados do gênero masculino; e ii) as personagens do gênero feminino não instauraram apenas pedidos de permissão.