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O gerenciamento dos gestos de leitura no discurso didático

5 OS ACONTECIMENTOS DISCURSIVOS DO FEMINISMO NA

5.1 PARA EXPLICAR O FEMINISIMO À SOCIEDADE PATRIARCAL

5.1.1 O gerenciamento dos gestos de leitura no discurso didático

Na seção anterior, analisamos as discursividades que circulam nas postagens do ciberativismo feminista direcionadas à sociedade patriarcal. Nesta seção, recortamos sequências discursivas dos textos dos blogues para analisar os modos de dizer sobre o feminismo, a partir de posições-sujeito de aproximação com o sujeito-leitor. Consideramos nas análises o tom didático de explicação do movimento feminista para os leitores e o modo de gerenciamento dos gestos de leitura sobre as definições de feminista.

Analisamos os modos de o sujeito contemporâneo se posicionar na atualidade em um ambiente digital, que transforma os modos de dizer. Selecionamos materialidades significativas de publicações no blogue que delimitam o espaço de dizer da função-autor e da função-leitor. A seguir, fizemos um quadro das sequências discursivas que evidenciam a função-autor no jogo de aproximação com o sujeito-leitor.

Quadro 4 – Sequências discursivas que recortam dizeres de aproximação

SD65: [...] Conheço muitas mulheres que são feministas, mas que não se declaram

feministas. Porque a palavra ganhou um estigma com o passar dos anos. Porém, a grande maioria das mulheres que conheço são feministas, basta você fazer fazer um checklist na

lista elaborada pela Cynthia. E este é um espaço de Blogueiras Feministas, o que

significa que o Feminismo está aí querendo valer o nosso suor. [...] (grifo nosso, BF – Feminismo? Pra quê?, 2011 – ANEXO E)

SD66: Então, o que proponho a você hoje é sentar e ler um pouco sobre feminismo.

Esqueça os estereótipos de que feminista é o bicho-papão que quer enfiar um salto alto na

sua goela. Abra o olho e conheça um movimento social que perpassa diversas relações como Maternidade e Feminismo, História e Feminismo, Violência e Feminismo, entre outros. (grifo nosso, BF – Feminismo? Pra quê?, 2011– ANEXO E)

SD67: Aqui no blog você tem muitos posts sobre o assunto, além do blogroll aí do lado

esquerdo. Na rede você encontra diversos textos acadêmicos e informações que podem enriquecer seus conhecimentos acerca do Feminismo. Aqui vão algumas dicas do que

SD69: Então quer dizer agora que todas as mulheres são obrigadas a serem feministas?

Não, não são. [...] Ainda que eu cultive esperanças de que todas as pessoas tenham a consciência de que o Feminismo é necessário para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária e, que acima de tudo é preciso militar, isso não quer dizer que todas as mulheres são obrigadas a serem feministas. Isto porque, para mim, as pessoas devem ser livres para serem o que quiserem, como quiserem e quando quiserem. [...] O problema é que sendo do gênero feminino, a sua liberdade é limitada e suprimida, seja pelos valores culturais machistas que ―justificam‖ o estupro, o abuso, as cantadas indecentes, a passada de mão no ônibus ou metrô lotado; seja pela rua escura que te amedronta e te inibe de ocupar o espaço público, pelo(a) chefe que sabe que você precisa do emprego e te assedia moral/sexualmente ou pela violência doméstica. A sua liberdade é sufocada simplesmente pelo fato de você pertencer ao gênero feminino, ao ―sexo frágil‖, de ser mãe solteira, de não arrumar um marido, de se vestir como uma biscate, de ―não se dar o devido respeito‖, de estar acima do peso, de ter celulite… [...] Por estes e tantos outros motivos é que eu acho que sem o Feminismo você não é livre, ainda que não concorde comigo. (grifo nosso, BF - Quem tem medo do feminismo? 2013 – ANEXO S)

SD70: Ouvimos tantas coisas sobre o que é Feminismo, não é mesmo? Que tal desvendar

certos mitos? Será que tudo que você ouve ou lê é verdade? (grifo nosso, BF – Cinco mitos sobre o feminismo, 2011 – ANEXO T)

Na análise do nosso corpus, algo que nos chamou bastante a atenção foi o modo de se dizer sobre o feminismo ao leitor-internauta não-feminista. Um modo didático, de intimidade, pauta os recortes selecionados. O primeiro recurso é a utilização da primeira pessoa do singular (eu) para determinar um modo de aproximação. Nas sequências discursivas abaixo, analisamos como isso funciona.

SD 65: Conheço muitas mulheres que são feministas, mas que não se declaram feministas. (ANEXO E)

SD66: Então, o que proponho a você hoje é sentar e ler um pouco sobre feminismo. (ANEXO E)

SD69: Ainda que eu cultive esperanças de que todas as pessoas tenham a consciência de que o Feminismo é necessário para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária e, que acima de tudo é preciso militar, isso não quer dizer que todas as mulheres são obrigadas a serem feministas. Isto porque, para mim, as pessoas devem ser livres para serem o que quiserem, como quiserem e quando quiserem. (ANEXO S)

A primeira pessoa do singular ―eu‖, representada tanto enquanto sujeito oculto (conheço, proponho), quanto pronome pessoal do caso oblíquo (para mim) revela uma função-autor presente aí quando o ―eu‖ produz um efeito de sentido de unidade do sujeito, o que produz um efeito de intimidade com o outro. Orlandi (2005) chama a atenção para a relação do discurso, disperso, com o texto, lugar de unidade. Nesse lugar de unidade é que o sujeito se constitui, com sua completude imaginária, enquanto autor.

O que temos, em termos de real do discurso, é a descontinuidade, a dispersão, a incompletude, a falta, o equívoco, a contradição, constitutivas tanto do sujeito como do sentido. De outro lado, a nível das representações, temos a unidade, a completude, a coerência, o claro e distinto, a não contradição, na instância do imaginário. É por essa articulação necessária e sempre presente entre o real e o imaginário que o discurso funciona. É também dessa natureza a distinção (relação necessária) entre discurso e texto, sujeito e autor. (ORLANDI, 2005, p. 74)

Analisamos que condições de produção marcam a autoria em seu texto. Segundo Orlandi (2001, p. 75), na função-autor, ―o sujeito falante está mais afetado pelo contato com o social e suas coerções, sendo visíveis nelas, os procedimentos disciplinares‖. A relação metonímica que o eu representa nesta autoria revela um eu feminista, que fala em nome das feministas à sociedade patriarcal representada por você (o que proponho a você...). Todas as sequências discursivas do quadro anterior remontam a um interlocutor que não se identifica com o feminismo, o sujeito não-feminista, este representado por você, como está destacado em negrito em todas as SDs. Em alguns casos, o você não se refere a qualquer pessoa, mas especifica a mulher não feminista. A SD69 representa bem essas delimitações:

SD69: A sua liberdade é sufocada simplesmente pelo fato de você pertencer ao gênero feminino, ao “sexo frágil”, de ser mãe solteira, de não arrumar um marido, de se vestir como uma biscate, de “não se dar o devido respeito”, de estar acima do peso, de ter celulite… [...] Por estes e tantos outros motivos é que eu acho que sem o Feminismo você não é livre, ainda que não concorde comigo. (ANEXO S)

O eu feminista reporta-se para você mulher não feminista: eu acho que sem o Feminismo você não é tão livre (SD69). O sujeito posiciona-se discursivamente a partir de pré-construídos sobre os papéis sociais da mulher: A sua liberdade é sufocada simplesmente pelo fato de você pertencer ao gênero feminino, ao “sexo frágil”, de ser mãe solteira, de não arrumar um marido, de se vestir como uma biscate, de “não se dar o devido respeito”, de estar acima do peso, de ter celulite….

(SD69). Tais pré-construídos fazem parte da Formação discursiva patriarcal que permite dizeres que determinam o que é ser mulher. O sujeito discursivo, ao ir de encontro a tais discursos, constrói a imagem do sujeito-leitor feminino como aquele que rejeita esses papéis sociais e, portanto, deve se reconhecer feminista. Há aí um discurso de aliança, que convoca o seu outro para identificação com a FD feminista.

Mônica Zoppi-Fontana (2017, p.17) chama a atenção: ―o poder de convocação das redes sociais e de outras plataformas tem se mostrado como um novo espaço de construção de coletivo de identificação‖. O digital interfere no discursivo, quando há links que direcionam o leitor a outros textos, o que produz outro efeito de sentidos, como observamos nas SD65 e SD 66:

SD65: Porém, a grande maioria das mulheres que conheço são

feministas, basta você fazer fazer um checklist na lista elaborada pela Cynthia. E este é um espaço de Blogueiras Feministas, o que significa que o Feminismo está aí querendo valer o nosso suor. (ANEXO E)

SD66: Então, o que proponho a você hoje é sentar e ler um pouco sobre feminismo. Esqueça os estereótipos de que feminista é o bicho-papão que quer enfiar um salto alto na sua goela. Abra o olho

e conheça um movimento social que perpassa diversas relações

como Maternidade e Feminismo, História e Feminismo, Violência e Feminismo, entre outros. (ANEXO E)

Há aí links que direcionam para uma lista, nos quais o sujeito-leitor pode clicar e fazer um checklist. Tal posicionamento, possibilitado pelo tecnológico, produz efeitos de sentido de legitimação, pois há um modo de se reconhecer feminista, que está elencado na lista de dizeres autorizados por sujeitos feministas. Os sentidos do discurso são produzidos nessa reunião de outros discursos e no recorte de discursividades. A rede é o suporte para a desnaturalização. O modo imperativo também é marcado (basta você fazer um checklist; proponho a você hoje é sentar e

ler um pouco sobre feminismo. Esqueça; abra o olho e conheça), o que produz um efeito de sentidos não de ordem, mas de conselho. O sujeito discurso posiciona-se de modo a considerar que a leitura de textos e o conhecimento do feminismo produz uma conscientização e quebra de estereótipos. Maingueneau (2008), no entanto, alerta para o fato de que o discurso não é capaz de convencer o outro que não está identificado com a FD do sujeito discursivo. O que acontece aqui é que o sujeito- leitor a quem se direciona o sujeito-discursivo pode já estar identificado com certos saberes da FD feminista e o modo de dizer no ciberespaço contribui para uma tomada de posição feminista.

Esse modo de dizer como uma conversa afeta a memória de que feminista é histérica, não sabe dialogar e desloca trajetos de memória para feminista sociável. Isso é possibilitado pelo ciberespaço, que permite um lugar que dialogue com o seu outro num ambiente disperso. Tais discursos não têm uma possibilidade de circulação livre em outros ambientes, porque há um contra-ataque dos discursos antagônicos. O que acontece no ciberespaço é uma possibilidade de alcançar o seu outro, pela dispersão do discurso na web, quando há uma circulação em diferentes plataformas.

Dentre a rede de discursos que fazem parte do interdiscurso, a memória discursiva permite, interdita e transforma dizeres históricos. A memória discursiva possibilita que a FD faça circular os já-ditos e o ciberespaço permite o deslocamento de trajetos de memória. Nesta seção, analisamos como a memória se inscreve no ciberespaço produzindo subjetividades e as novas formas de inscrição do sujeito autor feminista na Internet, concordando com Orlandi (2005) que o autor ―é a representação de uma unidade e delimita-se na prática social como uma função específica do sujeito‖ (ORLANDI, 2005, p. 73). Verificamos que há um modo de se dizer sobre o feminismo no ambiente do blogue, e a aproximação com o leitor- internauta produz um efeito de sentido de intimidade, de amizade e de interesse de desconstrução de estereótipos. Esse modo de dizer é possibilitado pelo gênero discursivo blogue, que permite que haja um efeito de sentido de diálogo, rompendo com o imaginário da sociedade de que feminista é histérica e raivosa.

A interpretação não é única. É recortada por esquecimento e silenciamento (LAGAZZI, 2011). Analisamos, nessa seção, um modo de dizer de feministas que é direcionado para a sociedade patriarcal. Se nesta Subseção, os dizeres sobre o feminismo e sobre feminista produzem um efeito de sentido de homogeneidade, ao

falar sobre feminismo no singular, na próxima subseção, selecionamos as postagens direcionadas aos próprios sujeitos feministas para analisar como os discursos são heterogêneos e como funciona a tensão na FD feminista.

5.2 DE FEMINISTA PARA FEMINISTA: O CIBERESPAÇO E A REIVINDICAÇÃO

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