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O gestor de facto no ordenamento jurídico e na jurisprudência portuguesas

IV – A DICOTOMIA ENTRE A GERÊNCIA DE DIREITO E A GERÊNCIA DE FACTO

12. O gestor de facto no ordenamento jurídico e na jurisprudência portuguesas

Ao contrário da tendência observada nos restantes países europeus, à exceção de França que, como já vimos 128, seguiu uma evolução semelhante à nossa, o legislador, em Portugal, antecipou-se à doutrina e à jurisprudência. Porém, ao contrário de França, onde as normas legais proliferam, são poucas e recentes as normas do ordenamento jurídico portugês nas quais está expressamente prevista a figura do gestor de facto.

Foi no âmbito do direito tributário, mais concretamente com art.º 13º do Cód. Proc. Tributário, na redação dada pela Lei 52/96, de 27 de Dezembro, que surgiu a primeira norma a consagrar expressamente esta figura em Portugal, a que se seguiram o art.º 24º da LGT; os art.ºs 49º, 82º, n.º 2 e 186º, n.º 2 do CIRE; e o art.º 227º, n.º 3, o art.ºs 227º-A, n.º 2, o art.º 228º, n.º 2 e o art.º 229º, n.º 2 do Cód. Penal.

A partir da consagração legal da figura do gestor de facto, os Tribunais portugueses têm sido chamados a pronunciar-se, com alguma frequência, sobre a mesma. Da análise da jurisprudência, constata-se que que os Tribunais têm procurado os requisitos definidores daquela figura na atividade desenvolvida na sociedade, baseando-se, portanto, num critério funcional. No entanto, as decisões proferidas têm-se apresentado, a maior parte das vezes, pouco criteriosas e, fruto disso, muitas das vezes, contraditórias na identificação desses requisitos.

Por exemplo, pronunciando-se quanto à intensidade e regularidade com que os atos devem ser praticados pelo suposto gestor de facto, o Ac. do Tribunal Central Administrativo Norte de 21/04/05 , concluiu ser “irrelevante” (...) que tivesse praticado muitos ou poucos actos”, e no

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Por exemplo, a chambre commerciale não hesitou, numa sua decisão, em aplicar o artigo L. 266 do

Livre des procédures fiscales, no qual o gerente de facto não é visado, e a responsabilizar

solidariamente um indivíduo que não era gerente de direito.

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Dessa situação, dá-nos conta Laurent Leveneur (1990), Situations de fait et droit privé, Bibliothéque de droit privé, tome 212, LGDJ, pp. 81 e 82, o qual conclui dizendo que “Il reste, cependant, à la chambre commerciale du chemin à parcourir dans cette voie de l´assimilation...”.

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mesmo sentido, também o Ac. do Tribunal Central Administrativo Sul, de 09/02/99, relator Jorge Lino Ribeiro Alves Sousa, já tinha decidido que “a gerência de facto ocorre quando alguém – ainda que de modo esporádico e apenas em relação a um único pelouro da empresa – exterioriza de algum modo a representação da vontade social por meio de actos substantivos e materiais, vinculando a sociedade perante terceiros”. Mas essa posição é contrariada, nomeadamente, pelo Ac. do Tribunal Central Administrativo Norte, de 02/02/12, relator Irene Isabel Gomes das Neves, o qual decidiu no sentido da indispensabilidade, para que exista gestão de facto, “...que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, não podendo a mesma ser atestada pela prática de actos isolados praticados”.

Quanto à qualidade dos atos praticados, são de muitos e variados tipos. Assim, a mero título de exemplo, o Ac. do Supremo Tribunal Administrativo, de 13/03/96 , relator Benjamim Rodrigues, pronunciou-se no sentido de que inculca a ideia de gestão de facto “...a prática de actos relativos à administração da sociedade: dirigir o pessoal, cumprir os contratos celebrados, cobrar e pagar créditos, etc, isto é, desenvolvendo a atividade da empresa”. Por sua vez, o Ac. do Supremo Tribunal Administrativo, de 31/07/97, define gestor de facto como “...o que é órgão actuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo pacto e exteriorizando a vontade social perante empregados e estranhos, quer obrigando a empresa quer realizando negócios, enfim, exercendo a mera gerência que se consubstancia no uso efectivo dos poderes de administração e representação da sociedade”. E, por último, para o Ac. do Tribunal Central Administrativo Sul, de 16/06/09, relator Pereira Gameiro, “as intervenções em escrituras públicas de compra e venda em representação de sociedade na qualidade de sócio-gerente sem o ser de direito consubstanciam actos de efectiva gerência”. Já quanto à independência com que os atos de gerência devem ser tomados, os Tribunais mostram-se poucos exigentes. Por exemplo, o Ac. do Tribunal Central Administrativo Sul, de 27/03/01, relator J. Gonçalves, decidiu que “...a gerência de facto pode ser exercida através de procurador. O gerente representado por procurador é gerente de facto e, nesse sentido, é responsável pela dívida...”.

Mais unânime, tem sido o entendimento da necessidade da prática de atos de representação. Nesse sentido, decidiu recentemente o Ac. do Tribunal Central Administrativo Sul, de 27/11/12, relator Joaquim Condesso, fundamentando-se nos art.ºs 259º e 260º do Cód. Soc. Com., que “...parece dever entender-se que serão típicos actos de gerência aqueles que se

A Responsabilidade Civil e Tributária dos Gestores e a Dicotomia...

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consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros, aqueles através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objecto social”; e também mais recentemente o Ac. do Tribunal Central Administrativo Sul de 07/05/13, relator Jorge Cortês, segundo o qual “...no que respeita à gerência efectiva, o que avulta não é a relação jurídico-civil entre a oponente e a sociedade, mas antes entre ela e a vida da sociedade, ou seja, o execício de representação da empresa face a terceiros (credores, trabalhadores, fisco, fornecedores, entidades bancárias) de acordo com objecto social e mediante os quais o ente colectivo fique vinculado”. Mas também, o Ac. do Tribunal Central Administrativo Sul de 09/01/99; e o Ac. do Tribunal Central Administrativo Sul de 16/06/09, relator Pereira Gameiro, entre outros 129.

Face à pouca consistência que a figura do gestor de facto apresenta na jurisprudência portuguesa, plasmada nos Acordãos que acabámos de citar, impõe-se descobrir que requisitos são aptos a qualificar um determinado indivíduo como gestor de facto.