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3.2 JORNAL O GLOBO

3.2.1 O Globo e a ditadura militar

Em 1º de setembro de 2013, O Globo publicou na edição impressa o texto “Apoio editorial ao golpe de 64 foi um erro”, no qual afirmava:

O GLOBO não tem dúvidas de que o apoio a 1964 pareceu aos que dirigiam o jornal e viveram aquele momento a atitude certa, visando ao bem do país. À luz da História, contudo, não há por que não reconhecer, hoje, explicitamente, que o apoio foi um erro, assim como equivocadas foram outras decisões editoriais do período que decorreram desse desacerto original. A democracia é um valor absoluto. E, quando em risco, ela só pode ser salva por si mesma (APOIO EDITORIAL..., 2013b, p. 15).

Por meio do editorial polêmico, chegava ao grande público uma verdade nada secreta, que relacionava o jornal O Globo e as Organizações Globo ao regime militar brasileiro. Para muitos, o artigo de mea culpa do veículo era no máximo uma "meia culpa", pois não lembrava os benefícios e as vantagens que o grupo teve ao apoiar o governo autoritário. Também, como ressalta Silva (2014), o Grupo carregou a declaração de atenuantes, lembrando que outros veículos e parte da população também apoiou o golpe.

Assim como outras empresas de comunicação, O Globo apoiou o golpe midiático-civil-militar desde muito antes de 1964, ao participar da Rede da Democracia, trabalhando junto ao IPES e ao IBAD, como detalhado anteriormente. Na semana do golpe, suas páginas expressavam o extremismo reacionário e pediam a saída de Goulart. "Reage o congresso à comunização do Brasil" e "A influência comunista no Brasil preocupa o Washington" eram dois dos títulos que compunham a edição do dia 31 de março, véspera da chegada de Mourão em Guanabara, ao lado do editorial "A nação unida às forças armadas" (O GLOBO, 1964 apud LARANGEIRA, 2014, p. 135). Nos dias seguintes, ainda comemorava: "Descomunização total do Brasil" (em 4 de abril); "Os chefes militares apresentam um ato institucional para que o país possa ser descomunizado" (em 7 de abril); "Ato institucional garante armas para a democracia" (em 10 de abril); e "A Revolução legitima o poder pela força e o apoio do povo" (em 11 de abril) (O GLOBO, 1964 apud LARANGEIRA, 2014, p. 192-193).

Com tiragem acima de 280 mil exemplares, entre as maiores do Brasil, O Globo tinha grande influência em 1964. A rádio Globo também tinha apelo: era a quarta mais ouvida na cidade. Como podemos notar, a principal preocupação brandida pelo jornal era o perigo comunista, por isso comemorava no dia 2 de abril: "Salvos da comunização que celeremente se preparava, os brasileiros devem agradecer aos bravos militares, que os protegeram de seus inimigos" (O GLOBO, 1964 apud SILVA, 2014, p. 133).

Ao fim da ditadura, anos antes do "Erramos" de 2013, em editorial de balanço de 20 anos do regime militar assinado por Roberto Marinho, em 7 de outubro de 1984, o jornal afirmava: "Participamos da Revolução de 1964 identificados com os anseios nacionais de preservação das instituições democráticas, ameaçadas pelas radicalizações ideológicas, greves, desordem social e corrupção generalizada" (O GLOBO, 1984 apud SILVA, 2014, p. 39). Mesmo após todos os horrores, que àquela

altura já eram conhecidos, o golpe ainda era chamado de revolução pelo maior empresário da comunicação na América Latina. Precisamos olhar de onde fala quem fala e, nesse caso, Roberto Marinho fala na posição de quem se beneficiou muito nos 21 anos de ditadura de segurança nacional. Como mencionado anteriormente, o relacionamento com os militares, bem como a associação com o grupo estadunidense Time-Life, legalizada por um presidente militar, foram os principais responsáveis pela rápida ascensão da TV Globo, crescimento que fez da Organização o que ela é hoje.

O primeiro acordo entre a TV Globo Ltda e a Time-Life, de Nova Iorque, denominado Contrato Principal, foi assinado em 24 de julho de 1962. Este previa a participação acionária da empresa estadunidense na TV Globo e garantia-lhe 30% do capital. O negócio violava o Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4.117 de 1962) e o Regulamento dos Serviços de Radiodifusão (Decreto 52.795 de 1963), que versavam, respectivamente, sobre a proibição de propriedade ou sociedade de estrangeiro em concessões nacionais e de convênio, acordo ou ajuste com empresas e pessoas, relacionados à utilização das frequências, sem autorização do Conselho Nacional de Telecomunicações. Em outro contrato, da mesma data, com a mesma empresa sob razão social diferente, a Globo incluía a companhia estrangeira na administração da TV Globo, recebendo mais 3% da receita bruta do canal, a partir de um acordo de Assistência Técnica (HERZ, 2009).

A partir de 1964, o negócio entre as organizações começou a ser denunciado, gerando grande polêmica e obrigando o Legislativo a instaurar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para a investigação, em 23 de outubro de 1965. O relatório da CPI responsabilizando a Globo foi aprovado por unanimidade pelos deputados federais em agosto de 1966, e o recurso do grupo foi indeferido em fevereiro de 1967. A essa altura, mais de US$ 6 milhões já haviam sido investidos pelo grupo midiático estadunidense no brasileiro. Apesar disso, das inconsistências no depoimento de Roberto Marinho e das provas e circunstâncias que pesavam contra a empresa, a TV Globo recebeu um novo parecer, desta vez favorável, em outubro do mesmo ano. A legalização veio pelas mãos do presidente Costa e Silva um ano mais tarde, em setembro de 1968, próximo ao AI-5, com a validação do contrato entre os grupos de Marinho e dos estrangeiros (HERZ, 2009; SILVA, 2014; LARANGEIRA, 2014).

Em 13 de dezembro de 1968, quando os militares resolveram rasgar a Constituição Nacional criada por eles mesmos um ano antes, o Grupo Globo, diferente de outras empresas que finalmente mudaram de lado, permaneceu firme, veiculando apenas informações e falas oficiais. No título “Presidente: sempre que necessário serão feitas revoluções na revolução”, publicado no dia 18 de dezembro, cinco dias após o anúncio do ato, e resgatado por Larangeira (2014, p. 160), fica claro o posicionamento do jornal.

4 NARRATIVAS DO VIVIDO E DO IMAGINÁRIO NA IMPRENSA

Catarina Helena Abi Eçab, presente!

Nesta pesquisa, partimos da proposta de Juremir Machado da Silva (2010) de pensar as narrativas do vivido como metodologia para descrever a atuação das tecnologias na produção de imaginários. Os procedimentos metodológicos intentam descrever, relatar, levantar diferentes pontos de vista e ambiguidades, fazer falar, relacionar, construir perfis, entre outros movimentos, a partir de três passos: estranhamento do outro; entranhamento no outro; e retorno a si mesmo. Trata-se de observar um fenômeno compreensivamente, de acordo com a sociologia compreensiva, sistematizada por Max Weber e adaptada por Maffesoli (2010). A tarefa do pesquisador, que assume papel de narrador do vivido e do imaginário, é “[...] mostrar a presença do imaginário no concreto, do concreto no imaginário, identificar a força imaginal [...] assaltar o passado para conquistar o presente” (SILVA, 2003, p. 86). Com isso, busca-se desvelar o encoberto, compreender o outro, perceber o subentendido e as estratégias da narrativa, dentre outras questões latentes no objeto.

Pensamos o jornalismo a partir da perspectiva da Narratologia (ou Teoria da Narrativa) de Luiz Gonzaga Motta (2005; 2013), que estuda os sistemas narrativos no seio das sociedades, podendo ser eles factuais ou ficcionais, e compreende o enunciado como processo de comunicação narrativa (ato da enunciação). O texto é entendido como vínculo, é mediador entre traços e valores de uma sociedade e a interpretação desses pelo sujeito leitor. O enunciado ganha sentido na troca entre os interlocutores, em um processo de cocriação, por isso está em constante construção. Pela análise do enunciado é possível perceber os efeitos de sentido que a narração sugere, a fim de compreender as relações entre o narrador e a audiência por meio das intenções e estratégias relevadas pela narrativa. Nosso objetivo é des(en)cobrir as camadas de real e de imaginário estabelecidas nas narrativas jornalísticas de O Globo.

Para darmos seguimento, faz-se necessário destrinchar os caminhos pelos quais percorremos, apresentando a fundamentação teórica escolhida e o trajeto que constitui nosso método de pesquisa. Compreendemos que tanto o referencial teórico quanto a metodologia não são neutros, partem de uma escolha do pesquisador que

determinará os resultados do trabalho. O referencial teórico é uma lente tomada de empréstimo pelo pesquisador, que ajuda a ver o objeto pesquisado, mas não substitui o olhar próprio do pesquisador. Já a metodologia, nada mais é do que a descrição de como o encoberto foi descoberto (SILVA, 2010). Olhamos para a narrativa a fim de reconstituir os acontecimentos políticos de 1968 a partir da visão do veículo noticioso. Desvelamos a narrativa para encontrar o imaginário do período.

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