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O governador Câmara Coutinho e a moeda.

No documento Moeda no Brasil no final do século XVII (páginas 160-184)

CAPÍTULO 3 – A MOEDA PROVINCIAL

3.1 O governador Câmara Coutinho e a moeda.

A forma pela qual a lei da moeda de 1688 contribuiu com a evasão monetária da América para a Europa fica mais clara pela comparação do valor em réis que a prata passou a ter em Portugal com a dita lei. Se alguém entregasse um marco de prata na Casa da Moeda de Lisboa, sacaria, em moedas novas, o valor de 6$000. Um negociante que recebesse de seus negócios na América um marco de prata, em moeda antiga ou estrangeira teria em suas mãos 64 oitavas (um marco); correndo cada oitava a 100 réis, teria em mãos o valor de 6$400 réis em moeda de conta. Veja-se que há uma vantagem

5 João A. Hansen. A sátira e o engenho: Gregório de Matos e a Bahia do século XVII. 2ª ed. São Paulo:

Ateliê; Campinas: Editora Unicamp, 2004. pp. 190, 191, 213 e 214.

6 Gregório de Matos. Obras Completas. II, Salvador: Ed. Janaina, 1968, p. 438. Apud. J. A. Hansen. op.

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de 400 réis por marco de prata amoedado em boas patacas castelhanas. Na prática, um marco de prata amoedado em patacas tinha um poder de compra 400 réis maior do que um marco de prata amoedado em moedas portuguesas. Nitidamente, a lei procurava atrair prata para Portugal, principalmente, moedas dos domínios de Castela7. Tal medida, entretanto, agravou a escassez de moeda no Brasil, intensificando a preferência pela liquidez dos agentes comerciais metropolitanos.

A escassez e a evasão de moedas, agravadas com a reforma, produziram uma crise monetária. Nestes momentos parece que, com a falta de dinheiro, não é possível o atendimento das necessidades de valores de uso e de valorização do capital mercantil. A relação entre a circulação de mercadorias e moedas alcançara já um grau de importância muito alto, a ponto de desencadear mecanismos ideológicos: “embora o movimento do dinheiro seja [...] apenas a expressão da circulação de mercadorias, a circulação de mercadorias aparece, ao contrário, apenas como resultado do movimento do dinheiro”8. A crise comercial tornava-se uma crise monetária.

Em meados de 1690, Antônio Vieira protestou contra a resistência das autoridades coloniais em aceitar a nova lei da moeda, com a qual o padre, a princípio, concordava: “O ouro e a prata gastam-se com o tempo, só o desinteresse é metal que não cerceia, e antes lhe cresce o preço, como ao da nossa moeda”9. Defendia, assim, que as moedas corressem pelo peso. Porém um ano depois, o clérigo jesuíta se via obrigado a compreender os efeitos negativos sobre a colônia da aplicação da lei da moeda que o governador procurava implementar.

“No Rio de Janeiro se abaixou a moeda com tal diminuição que, em um dia, computado o que se possuía com o que se perdeu, quem tinha nove se achou somente com cinco; e o pior é que esse pouco que ficou ainda assim se embarca para Portugal, porque dizem tem lá mais conta” 10.

7 V. M. Godinho. “Portugal and her Empire (1680-1720)” In: The New Cambridge Modern History. Vol.

6. Cambridge: 1971. p. 514. Neste artigo, Godinho cita um documento do Conde da Ericeira, que foi utilizado neste estudo: Papel do Conde Luiz de Menezes sobre se levantar a moeda. Lisboa, 2 de julho de 1688. BNL. Fundo Geral, Códice 748, fl. 266. O trecho do documento destacado no artigo sobre os efeitos da desvalorização monetária: “animando-se com a esperança de que por este meio se há de facilitar entrarem patacas e dobrões de Castela, sem os quais parece impossível subsistir o trato comum deste reino”.

8 Karl Marx. O capital: crítica da economia política. Volume I, 3ª. ed., São Paulo: Nova Cultural, 1988. p.

100.

9 Cartas, III, p. 608. Carta de 14 de julho de 1690 de Vieira a Pedro de Melo.

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Com o dinheiro correndo a peso e o açúcar desvalorizado, a evasão foi intensificada11. Na Bahia, em meados de 1691, Câmara Coutinho esperou pela véspera da saída da frota para aplicar a lei12, pois se o dinheiro cerceado fosse reduzido a 100 réis por oitava de prata13, seria necessário pagar muito mais para obter os produtos europeus. Esta situação foi apresentada por Vieira, em carta de 29 de junho de 1691.

“Para se fazer a mesma baixa nesta Baía se espera pela partida da frota, e entretanto não se pode crer a confusão que há em tudo, não se contentando os que vendem as drogas do Reino com o mais que vale a moeda presente, e perdendo os que vendem as do Brasil o que há de valor de menos. Dizem os mais práticos da praça que perderá esta na baixa mais de quinhentos mil cruzados”14.

Poucos dias depois, o padre escreveu ao marquês das Minas uma carta sobre o que estava passando o Rio de Janeiro e o que ocorria na Bahia, emendando uma reclamação sobre falta de moeda miúda para trocos. “No Rio de Janeiro com a baixa da moeda se fizeram exéquias ao dinheiro, com perda de quase a metade, e aqui dizem se lhe farão depois de partida a frota. Já nos contentaremos com o cobre, porque é terrível pensão haver de ir comprar uma alface com meia pataca”15.

Pela escassez de moedas, o governador do Rio de Janeiro já sofria com a falta de quem fizesse lances para arrematação dos contratos, pois, ao que parece, publicara a lei com mais antecedência que na Bahia, desfalcando os moradores daquela capitania de suas moedas e fazendo muitos declinarem do intuito de arrematar os contratos16. Mesmo

11 Carta de primeiro de julho de 1791 do governador-geral Câmara Coutinho ao conde de Val de Reis.

Biblioteca da Ajuda, Cod. 51-V-42, fl. 6. “A lei da baixa da moeda pareceu-me não lha dar senão depois da frota carregada para não embaraçar as vendas e pagamentos porque do contrário se seguiria uma confusão, como foi no Rio de Janeiro que dando-se antes execução a lei, nem o açúcar teve venda. A frota empatou-se, o contrato faltou quem o rematasse e o dinheiro foi para o reino a peso, com que ficou o Rio de Janeiro com muita perda”. Em carta de 5 de julho de 1691 ao conde de Castelo Melhor, o padre Vieira escreve um relato semelhante, Cartas, III, pp. 646 e 647.

12 Documentos Históricos. Vol. XXXIII. pp. 354-356.

13 Cleber Baptista Gonçalves. Casa da Moeda do Brasil. Rio de Janeiro: Casa da Moeda, 1989., p. 144. O

pequeno enunciado escrito por José Ribeiro Rangel em 18 de novembro de 1694 nos dá uma ideia do nível de cerceamento de muitas moedas que corriam no Brasil: “E correndo hoje uma moeda por 240 réis que não chega a pesar duas oitavas de prata e muitas não passão uma oitava e meia”. Lembre-se que uma moeda de prata que corresse a 240 réis deveria apresentar peso de 2,4 oitavas.

14 Cartas, III, pp. 629 e 630. Carta de 29 de junho de 1691 de Vieira a Diogo Marchão Temudo. 15 Idem, p. 635. Carta de primeiro de julho de 1691 ao marquês das Minas.

16 Carta de 10 de julho de 1691 do governador-geral Câmara Coutinho ao secretário de Estado Mendo de

Foios Pereira. Biblioteca da Ajuda, Cod. 51-V-42, fl. 6v. “E assim se experimentou no Rio de Janeiro, que nem se venderam os açúcares, a frota esteve embaraçada (de que não tenho ainda notícia se carregou), o contrato está sem contratador e finalmente Luís Cesar me escreve que de dar cumprimento logo a ordem de SM que lhe mandou se tem visto em grande aperto, pelas faltas que considera naquela capitania. Mas a mim me pareceu conveniente fazê-lo agora, e assim ... o avisei ao governador de Pernambuco”.

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com a insatisfação da população atingida, o governador Luiz Cesar de Menezes impunha a obediência à lei.

Havia naquela capitania, por parte dos mercadores, a esperança da aprovação de um levantamento local dos reales de a ocho cerceados, que, naquela praça, podiam voltar a correr a 800 réis, como pediu ao rei uma representação da Câmara do Rio de Janeiro em 1690. A expectativa provocou entesouramento de boa parte do dinheiro que ainda não tinha sido levado para a Europa ou para a Bahia17.

O esforço do governador-geral em aplicar a lei provocava seus efeitos não só no comércio mas também nos contratos. Mesmo tendo esperado a véspera da saída da frota e, com isso, preservado ao máximo o meio circulante na Bahia, os contratos estavam ameaçados pela organização de alguns poucos homens de negócio que podiam concorrer nas arrematações. Os possíveis contratadores, no primeiro semestre de 1691, expressaram o interesse de “que SM tome alguma resolução sobre que se torne levantar o dinheiro ou algum meio que eles apontam nos embargos que remetem, querem mostrar que a dita baixa prejudica aos contratos e por esta razão se uniram para não haver lançadores”18.

Em 1691, apesar das dificuldades, Câmara Coutinho conseguiu proceder a arrematação dos contratos dos dízimos, com os quais teria arrecado quatro mil cruzados a mais do que em 1690, fato que foi possível pelo adiamento da publicação e efetiva aplicação da lei19. O governador-geral também conseguiu a obediência da Câmara de Salvador, cujos oficiais, pelo relato da ata de 21 de julho, refizeram as contas do dinheiro que havia no cofre da instituição, pesando as moedas de prata e corrigindo seu valor segundo a razão de cem réis por oitava. As perdas do Senado da cidade foram de pouco mais de 17,5%, como se lê no documento abaixo.

17 Carta Régia ao governador Luiz Cesar de Menezes a cerca da observância da lei sobre a moeda. Lisboa,

18 de outubro de 1690. Transcrita em Balthazar da S. Lisbôa. op. cit. pp. 81-84. “...miserável estado por não terem dinheiro, que os mercadores tinham em si recolhido para lograrem o crescimento que houvesse”. Na página 13, Lisbôa relata que era, na década de 1680, comum o envio de dinheiro para a Bahia em troca de tabaco, o qual era usado na aquisição de escravos em Angola.

18 Biblioteca da Ajuda, Cod. 51-V-42, fl. 6.

19 Carta de primeiro de julho de 1791 do governador-geral Câmara Coutinho ao conde de Val de Reis.

Biblioteca da Ajuda. Outro documento sobre o mesmo tema: Carta de 10 de julho de 1691 do governador- geral Câmara Coutinho ao secretário de Estado Mendo de Foios Pereira. Cod. 51-V-42, fl. 6v. “Não me pareceu publicar a baixa da moeda senão depois da frota carregada e os contratos arrematados, porque de outra maneira, não teriam os açúcares reputação, a frota não carregaria, os contratos ficariam por rematar, com que isto teria uma perda mui considerável, assim para o serviço de SM e perda de sua real fazenda, como para o bem comum deste Estado”.

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“se abriu o dito cofre e nele se acharam os trezentos e trinta e dois mil e sete réis e quinhentos e sete moedas, a saber noventa e dois de oitocentos réis, dezenove de quatrocentos réis, sessenta e um de setecentos réis, três de trezentos e sessenta das de trezentos e vinte, quatro de duzentos réis, uma de duzentos e quarenta e trezentas e dezessete de seis contos e quarenta réis que pagadas uma por uma na forma da ordem do senhor governador se achou serem vinte e duas moedas de [...] e meia, trinta e duas de sete oitavas, cinquenta e duas de seis oitavas e meia, cento e trinta de cinco oitavas, setenta e três de quatro oitavas e meia, vinte e uma de três oitavas e meia, uma de três oitavas, nove de duas oitavas e meia, uma de quatro oitavas, quatro de duas oitavas e uma moedas de duzentos e quarenta que todas fizeram o mesmo número de quinhentos e sete moedas que estavam no cofre e eram antes da baixa trezentos e trinta e dois mil e seis réis e hoje pela nova lei de tostão a oitava duzentos e setenta e sete mil, novecentos e quarenta [...] ouve abatimento nos ditos trezentos e trinta e dois mil réis cinquenta e oito mil cento e sessenta réis”20.

Sem poder escapar à “baixa da moeda”, os baianos lamentavam a grande “saca” de dinheiro em 1691, já esperando outra pior em 1692, quando todo o período de negócios com a frota se daria com a “baixa da moeda” em vigor. Em carta da Câmara de Salvador21, foi proposto um novo tipo de levantamento: não das moedas em si, mas das oitavas. Para evitar “uma notória ruína nesta república [...] nos pareceu que o remédio pronto que pode haver para este negócio vem a ser ordenar VM que neste Estado do Brasil cresça na moeda a dez ou vinte por cento a oitava de prata [...] porque não tenha conta aos mercadores leva-la ou remete-la a Portugal”. Possivelmente, acreditavam que desta forma, mais adequada à reforma de 1688, haveria alguma chance de elevar o valor extrínseco das moedas que corriam no Brasil.

No ano seguinte, 1692, com a lei publicada e sendo cumprida nas principais partes do Brasil, o quadro era desalentador para a economia colonial22: os mercadores metropolitanos mandavam levar o dinheiro e comprar pouco açúcar e outros gêneros coloniais. O padre Vieira, que cinco anos antes desprezava a opinião daqueles que

20 Termo de vereação em que se declara a perda que houve no dinheiro que meteu no cofre o procurador

João da Costa Guimarães. Bahia, 21 de julho de 1691. Atas da Câmara: 1684-1700. vol. VI. Salvador: Prefeitura do Município de Salvador, 1950. pp. 165 e 166. Na ata de 9 de abril de 1694, páginas 251 e 252, o dinheiro no cofre da Câmara continuava a ser contado por oitavas de prata, de acordo com a “nova lei” de 4 de agosto de 1688.

21 “Carta dos oficiais da Câmara da Bahia para S. Majestade sobre a ruina que se segue ao Brasil com a

publicação da lei que anda levantar a moeda”. Bahia, 11 de julho de 1691. AHU. BA. Série Luísa da Fonseca. cx. 29 doc. 3639.

22 Valem como ilustração alguns versos de Gregório de Matos. Obras Completas. I, Salvador: Ed.

Janaina, 1968, p. 438. Apud. J. A. Hansen. op. cit, p. 142. “O açúcar já se acabou?...Baixou

E o dinheiro se extinguiu?...Subiu Logo já convalesceu?...Morreu. À Bahia aconteceu

O que a um doente acontece cai na cama, o mal lhe cresce, Baixou, Subiu e Morreu”.

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defendiam produção de moeda provincial, passou a apoiar justamente esta solução. Em carta a Roque da Costa Barreto, assinada em primeiro de julho de 1692, o jesuíta advogava o envio de moeda provincial para o Brasil e, diante da grave situação, esperava a chegada do dinheiro na próxima frota23.

Em carta ao duque de Cadaval24, Vieira previa o fim do comércio colonial entre Portugal e Brasil, caso a situação não fosse remediada. As frotas tinham diminuído sensivelmente a compra de açúcar e seu único interesse seria apenas levar dinheiro, que, por sua vez, estava a se extinguir.

“A ruína mais sensível e quase extrema que este Estado padece, e sobre que se pede pronto remédio a S. M., é a total extinção da moeda, que sempre temeram os interessados mais zelosos, e prognosticaram os prudentes, e o tem mostrado finalmente a experiência, de que podem ser testemunhas oculares quantos vão embarcados nesta frota, a que falta pouco para ser a deste ano a última, sendo causa as mesmas frotas [...]”.

Na sequência da carta, o padre apontou outras causas para a extinção da moeda. Esta seria mandada a Portugal também para “o gasto dos negócios políticos, apelações, demandas, pretensões de ofícios eclesiásticos e seculares, dotes de freiras, mudança para Portugal de mercadores depois de enriquecidos, e ministros que sempre levam mais do que trouxeram”. Estas modalidades de remessas de dinheiro eram comparadas a “sangrias” que desfalcavam o Brasil de suas moedas. A escassez de moedas já afetava o crédito, que, segundo Vieira, também se extinguia, pois “não havendo, pela causa sobredita, como antes da alteração da moeda, quem passe letras”.

O crédito, no grande comércio, restringia-se na medida em que o dinheiro se tornava mais escasso. Tornou-se mais difícil desencadear transações comerciais com instrumentos de crédito. A realização de lucros em dinheiro estava de antemão comprometida pela crise monetária, que tornava previsível a frustração de rotações de valorização do capital mercantil25. A despeito da imperfeição do crédito no Brasil colonial, não se pode desprezar o potencial destrutivo de sua crescente restrição num cenário em que a escassez monetária parecia atingir seu limite26.

A produção colonial estaria em alarmante decadência. Portanto, António Vieira, na citada carta ao duque de Cadaval, tornou a advogar a moeda provincial como

23 Cartas, III, pp. 651 e 652. Carta de primeiro de julho de 1692 de Vieira a Roque da Costa Barreto. 24 Idem, pp. 653 e 654. Carta de primeiro de julho de 1692 de Vieira ao duque do Cadaval.

25 Karl Marx, op. cit., p. 114. 26 Idem. pp. 115 e 116.

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remédio, “que se não for pronto, e vier resoluto por S. M. na primeira ocasião, ainda que depois se queira remediar não haverá com quê, acabadas as últimas relíquias do pouco, a que nesta mesma frota se não perdoa”.

Em meados de 1692, Antônio Vieira escreveu várias cartas nas quais tocou no assunto da falta de moeda e suas consequências. Sempre denunciando as “sangrias” e os mercadores, que “hoje são armadas de inimigos e piratas que vêm saquear o Brasil” 27. Anunciava que a produção e o comércio de açúcar e outros produtos coloniais tendiam a acabar28. Prevenia que na corte poderia haver ministros interessados nas ditas sangrias de dinheiro. Atacou os impostos sobre os gêneros coloniais pois tornavam mais alto o custo do comércio destes produtos, dificultando ainda mais a sua saída.

Além da grave redução do valor extrínseco do meio circulante dos moradores do Brasil, a utilização do dinheiro a partir de seu peso guardava outro inconveniente29, descrito abaixo por um contemporâneo: tendo as moedas que correr

“pelo valor do peso, de que se seguia muito embaraço, pois havendo em muitas delas pelo cerceamento menos peso dos setecentos e cinquenta, era preciso para se receberem, trazerem-se balanças em que se pesassem, gastando-se muito espaço de tempo para se contar pouca quantia de dinheiro”30.

A não publicação da temida lei antes da véspera da partida da frota, em 1691, indica que Câmara Coutinho percebeu alguns inconvenientes da “baixa da moeda”, denunciados pelos moradores da colônia, sobretudo, no que diz respeito à saúde financeira do Estado. Porém, ainda não tinha compreendido toda a profundidade dos danos que a efetiva publicação da reforma monetária de 1688 provocaria na economia colonial. Em carta de 12 de julho de 1691, o governador-geral vangloriava-se por ter feito “ficar a moeda correndo por seu justo valor”, exatamente como o rei mostrou esperar na carta régia de 19 de março de 1690, a qual recebera quando ainda governava Pernambuco. Alegou que agira com prudência para evitar “embaraços e perturbações que podiam suceder naturalmente”. Deste modo, tudo ocorreu como foi ordenado, “com

27 Cartas, III, pp. 657 e 658. Carta de 5 de julho de 1692 de Vieira ao marquês das Minas.

28 Idem. p. 663. Carta de 8 de julho de 1692 de Vieira a Cristóvão de Almada. “A causa desta mudança foi

haver muitos anos que os mercadores achavam mais conta em levar o dinheiro, que não paga fretes nem direitos, que as drogas carregadas com tantos; o que tem deixado esta praça, noutro tempo tão opulenta, totalmente exausta de moeda, com que não há quem compre ou venda, nem com quê”.

29 Avelino de Freitas de Meneses. op. cit. p. 359. Os comerciantes tendiam a rejeitar o numerário falso e

exigir a “pesagem prévia, perturbadora da actividade comercial”.

30 Sebastião da Rocha Pita. História da América Portuguesa. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp,

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toda a suavidade e considerando todas as circunstâncias desta matéria”. A publicação foi feita

“na véspera da partida da frota; porque desta maneira, não perdia o açúcar a reputação para se vender aos homens de negócio, não se embaraçava o dinheiro para o comércio e pagamentos e finalmente os contratos da fazenda de V. M. tivessem contratadores que o rematassem; porque não havendo seria uma grande confusão nesta cidade, assim para os filhos da folha, como para o pagamento dos soldados. Com que consegui tudo o que desejava, carregando a frota sem embargo, rematando os contratos sem duvida” 31.

Em alguns meses, com a crise mais intensa, o governador-geral escreveu o documento abaixo apresentado, mostrando que estudara a questão. Trata-se de uma carta enviada ao rei e assinada em 4 de julho de 169232, na qual foram explicados os problemas monetários e seus efeitos para a arrecadação da Fazenda Real, para o comércio e para a produção de exportação no Brasil. É um documento que reúne e sistematiza as demandas coloniais e as necessidades do império português na América. Não propõe medida inédita ou inovadora, mas organiza as demandas, algumas antigas, e

No documento Moeda no Brasil no final do século XVII (páginas 160-184)