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O governo e o direito legítimo sobre a vida e a morte

CAPÍTULO III – O FUNDAMENTO BÍBLICO DO CONCEITO DE GUERRA JUSTA

3.3. O governo e o direito legítimo sobre a vida e a morte

“Se alguém derramar o sangue do homem, pelo homem se derramará o seu”.20 A morte dos assassinos ordenada pelas leis e executada pelos juízes “está fundamentada nesta sentença divina”. Deus “ameaça e denuncia vingança contra o assassino, e arma o magistrado com a espada para ser o vingador da matança, para que o sangue dos homens não seja derramado com impunidade” (CALVIN, 1979, p. 295).

Porém, a Bíblia diz igualmente “não matarás”.21 Contudo, o significado desta sentença divina não exclui o direito legítimo de matar do Estado garantido pela sentença divina anterior. “É verdade que a Lei de Deus proíbe matar”. Exatamente por isso, para que “os homicidas não fiquem sem castigo, Deus, supremo legislador, põe a espada na mão dos seus ministros, para que a usem contra os homicidas” (CALVINO, 1999, p.1176). “Os pecados proibidos no sexto mandamento são: o tirar a nossa vida ou a de outrem, exceto no caso de justiça pública, guerra legítima, ou defesa necessária” (BEEKE, 2002, p.157).

A Confissão de fé escocesa afirma que os que foram postos em autoridade “fazem às vezes de Deus, e em seus concílios o próprio Deus se assenta e julga”. Os “juízes e príncipes a quem Deus entregou a espada para o louvor e defesa dos bons e para justo castigo e vingança de todos os malfeitores” (HALL, p.482).

“Governar bem uma nação é um dote muitíssimo excelente para levar a terra ao desenvolvimento” (CALVINO, 2002b, p.70). Para este fim as autoridades foram bem armadas por Deus com a espada. Os Estado detém o direito legítimo do uso efetivo da força para garantir a ordem e a segurança no seu território reprimindo a maldade. “Entretanto, se fizeres o mal, teme; porque não é sem motivo que ele traz a espada; pois é ministro de Deus, vingador, para castigar o que pratica o mal” (Rm 13.4). A espada simboliza a justiça da punição ao criminoso, a defesa contra os inimigos pela guerra e a garantia da ordem pública contra quaisquer rebeliões.

20 Livro de Gênesis, capítulo 9, versículo 6. 21

A principal característica do governo é o direito sobre a vida e a morte. Segundo o testemunho apostólico o magistrado traz a espada e esta espada tem um triplo significado. É a espada da justiça para distribuir a punição física ao criminoso. É a espada da guerra para defender a honra, os direitos e os interesses do Estado contra seus inimigos. É a espada da ordem para frustrar em seu próprio país toda rebelião violenta (KUYPER, 2002, p.100).

Não é uma ideologia ou uma simples possibilidade, a força do Estado deve se encarnar entre os homens. “A autoridade não é uma idéia, ou uma tarefa que nos foi dada, mas uma realidade, algo que existe” (BONHOEFFER, 2005, p.188). “Os magistrados são armados com a espada não como vâ exibição, mas a fim de castigar os malfeitores” (CALVINO,1997a, p.453). A segurança da sociedade será ameaçada prejudicada ou, até mesmo impossibilitada, a menos que as autoridades restrinjam o atrevimento dos criminosos.

Todos os instrumentos de controle social são valiosos. Porém, o uso efetivo da força contra os que se opõem a lei empreendido pelo Estado é indispensável para a construção do Estado democrático de direito. “A democracia só será capaz de se defender se aumentar suas capacidades para reduzir a injustiça e a violência” (TOURAINE, 1996, p.88).

De acordo com os princípios políticos de Calvino, sem a espada, ou seja, o combate ao crime pelo força, a pena de morte e a guerra, a democracia não pode aumentar tais capacidades. Os mecanismos coercitivos do Estado precisam ser eficazes pois do contrário “o mundo inteiro se encherá de ladrões e assassinos. Portanto, a forma correta de conservar a paz, consiste em que a cada pessoa seja dado o que é propriamente seu, e que a violência dos poderosos seja refreada” (CALVINO,1998a, p.57).

Os que governam são constituídos protetores e mantenedores da tranquilidade, da honestidade, da inocência e da modéstia pública, e devem ocupar-se em manter o bem-estar geral e a paz comum. Pois bem, como eles não podem desincumbir-se desses deveres senão defendendo os bons das injúrias dos maus, e ajudando e socorrendo os oprimidos, por essa causa são revestidos de poder, para reprimir e punir rigorosamente os malfeitores, por cuja maldade é perturbada a paz pública (CALVINO, 2006a, p.153).

O mesmo princípio se aplica ao plano internacional. A paz mundial é diretamente influenciada pela proporção da repressão ao crime. O uso efetivo da força é necessário. A segurança, a ordem, a vida e a paz são garantidos pela guerra. Quando as autoridades não reprimem o mal “agem infielmente para com os homens comprometendo seu bem-estar” (CALVINO, 2002a, p.560).

A impunidade decorre da ação limitada do poder repressivo dos Estados. Não declarar guerra pode causar mais males do que se pretende evitar não guerreando. Seria desejável evitar qualquer mal social. A diplomacia se exercita nesse sentido. Porém, na impossibilidade do desejável, a opção que causa menos danos é a melhor. Os conflitos bélicos geram muitos prejuízos. Contudo, de nada vale permitir a desordem para evitar a guerra porque “uma guerra não se evita, somente se posterga com desvantagem para si mesmo”. (MAQUIAVEL, 2004, p.15).

Mas, o aspecto mais importante é que as autoridades foram instituidas por Deus e por ele armadas com a espada detendo o direito legítimo de usá-la para o bem da sociedade. O Senhor confiou-lhes o uso da espada para “punir o culpado com a morte”. Subsequentemente, reprimir o mal pela força da guerra e da pena capital é, para o magistrado, obediência a Deus. O caminho oposto implica implica em “alta traição contra Deus” (CALVINO, 2002a, p.560).

O magistrado não faz outra coisa senão “obedecer a Deus no exercício de sua vingança”. Portanto, aqueles que consideram que é crime “derramar o sangue do culpado, outra coisa não fazem senão contender com Deus mesmo”. Os povos devem louvar a Deus quando seus governantes defendem pela guerra a integridade de suas nações contra as injúrias dos perversos porque “é pela divina benevolência que elas são defendidas pela espada”. (CALVINO, 1997a, pp.453,454).