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CAPÍTULO II: AS CONFIGURAÇÕES DA RELAÇÃO ESTADO-SOCIEDADE

2.1. Neoliberalismo

2.1.4. O governo Lula: a continuidade do modelo neoliberal no Brasil

A intenção de pontuarmos o governo Lula, remete à necessidade de identificarmos aspectos significativos existentes ao longo dos últimos sete anos que sustentam a face dura de um modelo de Estado pautado na consolidação do neoliberalismo no Brasil.

Para tanto, partimos de uma análise específica, mas que endossará as considerações que faremos mais a frente acerca do objeto desse estudo. Priorizaremos aspectos que demarquem a intervenção deste governo no tocante aos investimentos públicos para garantir e efetivar os direitos sociais.

Para tanto, não podemos nos privar de registrar que Luis Inácio Lula da Silva chega à presidência a partir do estabelecimento de alianças com as forças conservadoras, mas que também tinha o apoio entusiasta dos movimentos sociais e da classe trabalhadora.

Logo no início do seu primeiro mandato o governo Lula frustrou uma parcela significativa da sociedade civil organizada, a exemplo dos movimentos sociais, pois optou por uma política econômica ortodoxa, com vistas a estabilizar a economia e restaurar a sua credibilidade, ameaçada no mercado financeiro internacional, dando continuidade àquela assumida pelo governo de Fernando Henrique Cardoso (1994- 2002), em consonância com as metas acordadas com o FMI. Diante disto, o governo Lula logo recebeu diversas qualificações, dentre as quais a de melhor administrador do modelo neoliberal, pois conseguiu construir a “humanização” do neoliberalismo e da globalização, aquilo que Bresser Pereira quis ser: a “terceira via” ou social-liberal.

De acordo com Sader (2009, p.71-83) as ambigüidades do governo são inúmeras, pois o governo Lula não rompeu com a hegemonia do capital financeiro em sua modalidade especulativa, mas ao contrário, deu-lhe continuidade e consolidou sua independência, tendo o Banco Central como expressão política e institucional dessa hegemonia. Mas, por outro lado, não podemos também desconsiderar que Lula freou o programa de privatização de empresas estatais, assim como o processo de enfraquecimento do aparato estatal, as políticas sociais guiaram-se por critérios de assistência social, a exemplo do Programa Bolsa Família, programas de microcrédito, aumento do poder aquisitivo do salário mínimo, elevação dos empregos formais.

Assim sendo, Sader (2009, p. 84-5) ao dar continuidade ao seu pensamento destaca que o resultado das políticas implementadas no governo Lula “é um híbrido, de difícil caracterização onde ‘nunca os ricos ganharam tanto, nunca os pobres melhoraram tanto seu nível de vida”.

Por sua vez, Gomes (2009, p. 465) sendo mais enfática e crítica, demarca que o governo Lula (do Partido dos Trabalhadores – PT) se conduziu em dar continuidade à “contra-reforma” iniciada por seu antecessor, fortalecendo a abertura comercial, a desregulamentação do mercado de trabalho e do setor financeiro, a redução dos direitos sociais, a desindexação dos salários, o pagamento da dívida e

outra série de medidas que negaram a história política que marcou a origem do Partido dos Trabalhadores – PT.

Deste prisma, consideramos importante destacar que Lula já no seu primeiro mandato fez opção pelo agronegócio e abandonou a reforma agrária, demarcando já em 2004 o seu apoio bilionário aos grandes empresários que comandam esse ramo de atividade do capitalismo no país. Tal apoio foi caracterizado pelos ínfimos investimento para agricultura familiar na ordem de 7 bilhões em relação aos 37 bilhões destinados ao agronegócio. De acordo com Stedile63, “os fazendeiros do agronegócio produzem 100 bilhões de reais por ano. Mas tomam emprestados todos os anos 90 bilhões de reais nos bancos. Por sua vez, o agronegócio produz apenas para exportação e dá emprego para apenas 15% da população economicamente ativa (PEA), os outros 85% trabalham na agricultura familiar que produz 85% dos alimentos que vão para a mesa do povo brasileiro.”.

Para Paiva (apud Freitas64, 2007), a definição do percentual de recursos financeiros federais, previstos na Constituição de 1988, para o SUS, permanece descumprida pela política econômica. Na comparação internacional, nossos atuais 3,2% do PIB, destinados à saúde, representam porcentagem menor do que as da Bolívia, Colômbia, África do Sul, Rússia, Venezuela, Uruguai, Argentina (cerca de 5.12%), Cuba (6,25%), EUA (6,2%), Japão, Inglaterra, Austrália, Portugal, Itália, Canadá, França e Alemanha (8,1%).

Essas e tantas outras ações políticas de apoio ao grande Capital, contribuíram para que o governo Lula do Partido dos Trabalhadores - PT - enquanto partido de “esquerda” – transformasse-se num partido neoconservador, cuja tese defendida estabeleceu que não há alternativa à política econômica neoliberal.

Desta forma, situando o governo enquanto neoliberal de continuidade,

compreendemos que no tocante aos investimentos para garantir e efetivar os

direitos sociais, estes continuam insuficientes, pois, como já exposto, as políticas sociais públicas são consideradas um dos maiores entraves à própria expansão do neoliberalismo.

63 João Pedro Stedile é membro da coordenação nacional do MST e da Via Campesina Brasil e publicou esses dados em artigo: Uma CPMI Contra A Reforma Agrária, publicada na Revista Caros Amigos, n.153 de dezembro de 2009.

64 Freitas, R.de C. Martinelli. O governo Lula e a proteção social no Brasil: desafios e perspectivas. In: revista Katálysis, V. 10 n.1 Florianópolis. Jan/jun-2007.

Assim sendo, não tão distante da perspectiva implementada no governo FHC, o governo Lula vem dando continuidade a políticas sociais precarizadas e focalizadas, articuladas com a iniciativa privada, caracterizadas por uma seguridade social privatizada, de transferência para o chamado “terceiro setor”.

Para Gomes (2009, p. 474), no Brasil, a questão se torna ainda mais complexa, em função de o país carregar a herança de um sistema de proteção caracterizado por um alto grau de centralização, com definição de prioridade e diretrizes ditadas pelo clientelismo, mediante superposição de programas e serviços com parcelas significativas dos serviços, sendo prestadas já pelo setor privado – lucrativo ou filantrópico – onde o nível de renda ou inserção no mercado de trabalho acaba por se transformar, na realidade, no principal critério de acesso a serviços e benefícios.

Assim sendo, concluímos focando que ao analisarmos o modelo de Proteção à Vítima e Testemunha no país, percebemos que a estrutura se mantém tal qual a preconizado no governo FHC, direcionando à continuidade de políticas sociais públicas focadas na perspectiva privatista, terceirizada e filantrópica onde os beneficiários da ação são destituídos da capacidade de reivindicação dos seus direitos, pois estão inseridas na lógica das políticas de exceção e focalizadas, sem, portanto, conferir grau de responsabilidade Estatal, estando, por sua vez, no eixo da benemerência e não num Sistema de Proteção Social Pública.

2.2. As tendências teórico-políticas da sociedade civil no contexto