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1 O INSTITUTO DE PESQUISA E ESTUDOS SOCIAIS

1.1 O governo parlamentarista de João Goulart

O Bloco Multinacional-Associado tomou força estimulado pela política desenvolvimentista de JK, e no início dos anos 1960 encontrava-se como o grupo dominante na política nacional. Essa legitimidade deu margem para o surgimento de novos agentes políticos na esfera brasileira, um aparelho modernizante-liberal composto por civis e militares, corporificando, segundo Dreifuss, uma intelligentsia empresarial, intelectuais orgânicos do novo bloco em formação, compostos por: ―a) diretores de corporações multinacionais e diretores e proprietários de interesses associados, muitos deles com qualificação profissional; b) administradores de empresas privadas, técnicos e

executivos estatais que faziam parte da tecnoburocracia; c) oficiais militares.‖ (DREIFUSS, 1981, p.71)

Esse grupo político se engendrou no governo de Jânio Quadros, a partir do apoio fundamental de militares ideólogos e fundadores da Escola Superior de Guerra, como o Coronel Golbery do Couto e Silva, Chefe de Gabinete da Secretaria Geral do Conselho de Segurança Nacional, pelos auxiliares Tenente Heitor de Aquino Ferreira, Tenente- Coronel Mário Andrazza e Tenente-Coronel João Baptista Figueiredo, sobrinho do presidente do Banco do Brasil e filho do general Euclides de Figueiredo; Tenente-Coronel Walter Pires de Carvalho e Albuquerque, do Serviço Federal de Informações e Contra-Informações – SFICI; General Cordeiro de Farias que presidiu o Estado-Maior das Forças Armadas; Coronel Ernesto Geisel, chefe do Serviço de Informação do Exército e comandante da guarnição chave sediada em Brasília; General Orlando Geisel Chefe de Gabinete e Chefe do Estado- Maior do Ministro da Guerra, Marechal Odílio Denys; General Idálio Sardenberg, presidente da Petrobrás; e do General Ademar de Queiroz, comandante da guarnição da Vila Militar do Rio de Janeiro; General Hugo Panesco Alvim tornou-se assistente da ESG; General João Punaro Bley tornou-se diretor do Serviço Social do Exército; General Sizeno Sarmento foi indicado Comandante da Policia de São Paulo; o General Inácio Rolim diretor do Clube Militar; General Pedro Geraldo de Almeida, Chefe da Casa Militar do Presidente; Brigadeiro Ismar Brasil, do IBAD, comandante do Estado Maior da Aeronáutica; Brigadeiro Clóvis Travassos, ideólogo geopolítico da ESG, diretor da Aviação Civil; e o General Décio Palmeira Escobar, também do IBAD, designado para o Departamento de Provisão do Exército. ―Jânio Quadros coroou seu apoio militar com os líderes de direita das Forças Armadas‖. (DREIFUSS, 1981, p.127)

Com a direita no poder, a preocupação era a estabilidade de um governo empresarial estável, modernizante e contrário à participação popular. Porém, Jânio não se mostrou tão hábil em gerir os interesses de seus aliados, fracassando em corresponder às crescentes expectativas da classe média e da elite burocrática, dificultando a realização das reformas exigidas pela comunidade industrial. Em agosto de 1961, após sete meses de um governo promissor, mas decepcionante na prática, Jânio Quadros renunciou, na esperança de conseguir um retorno pelas mãos do povo e dos empresários e militares aliados, enquanto seu vice- presidente, João Goulart, se encontrava em missão comercial na China. Todavia, nem os empresários, nem seu partidários, tampouco seus ministros militares não o reconduziram ao governo, vendo em sua

renúncia e na ausência de seu vice-presidente a oportunidade de ocupar o campo político, pois João Goulart tornar-se-ia presidente, ―contrariamente às expectativas dos empresários multinacionais e associados, bem como da estrutura militar de direita.‖ (DREIFUSS, 1981, p.130)

Com a renúncia de Jânio Quadros em 1961, João Goulart, seu vice-presidente, assume o poder mesmo sob o olhar desconfiado e contrário de grande parte da elite brasileira que associava o vice- presidente com o projeto getulista de governo e muito ligado aos movimentos populares. Sua posse foi assegurada, mesmo que sob o regime parlamentarista, através da Cadeia da Legalidade, articulada por seu cunhado, o deputado Leonel Brizola. A ascensão de Goulart ao poder mostrou a força que a esquerda trabalhista detinha sob a população e marcou profundamente um compromisso ético do então presidente com os interesses daquele que o garantiu no poder Executivo. (FERREIRA, 2003, p. 330).

Seu mandato sob o regime parlamentarista foi seguido de perto pelos grupos de direita e pelos grupos de esquerda, numa política de corda bamba, onde cair para qualquer um dos lados poderia ser determinante para sua renúncia. De um lado a burguesia liberal, do outro a promessa das Reformas de Base. Para driblar essas desconfianças, as políticas empreendidas por Jango foram, inicialmente, forçadas a representar o político desvinculado de sua imagem populista23, getulista. O bloco nacional-reformista buscou moldar um Estado que desempenhasse não somente um papel nacionalista, mas também ―funções distributivas e desenvolvimentistas.‖ (DREIFUSS, 1981,

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João Goulart não pode ser considerado como populista. Conforme Francisco Weffort o populismo é um ―estilo político manifestamente individualista‖, cuja demagogia funda-se na impotência da pequena burguesia, implicando, de qualquer maneira, em uma traição à massa popular. O populismo dilui o sentido das contradições concretas de classe numa fórmula ampla e vaga denominada povo. CF Weffort, Francisco. Política de massas In: Octavio Ianni. Política e Revolução Social no Brasil, RJ, Civilização Brasileira, 1965, p.182-183. CF Weffort. Estado e massas no Brasil. In: Revista da Civilização Brasileira, RJ, nº7, maio de 66, p.137-158. Segundo posicionamento de Darcy Ribeiro, ―o conceito de populismo (...) parece consistir numa contra imagem correspondente aos países atrasados, das formas de liderança política tradicional dos regimes republicanos, tal como estes se tornaram viáveis nos Estados Unidos e na França. Nesta acepção, o conceito se refere, de fato, às carências de nossos políticos subdesenvolvidos que apelam para a demagogia, a fim de alcançar o poder ou para manter-se nele. Assim definido, o termo populismo foi aplicado aos mais diversos protagonistas da vida pública latino-americana, sem reconhecer suas diferenças nem explorar seu valor explicativo‖. RIBEIRO, Darcy. El dilema de América Latina (Estrutucturas del poder y fuerça insurgentes), 2ª Ed. México: Siglo XXI, 1973. p. 205.

p.135). Com o rompimento do modelo populista de governabilidade diante da estrutura sindical, da estrutura operária, fez com que o Bloco Oligárquico-Industrial compreendesse que estava perdendo seu controle sobre os acontecimentos, forçando uma segregação entre os empresários, industriais e burgueses do apoio ao governo Goulart, restando às massas a possibilidade de apoio e mobilização política. Foi o surgimento da Frente de Mobilização Popular (FMP) que se dirigiu contrária ao abuso econômico imposto pelas transnacionais, as oligarquias rurais conservadoras e a organização administrativa e sócio- cultural populista. ―A FMP incluía a Frente Parlamentar Nacionalista, as Ligas Camponesas e os sindicatos rurais, o Comando Geral dos Trabalhadores – CGT, o Pacto União e a Ação Sindical – PUA, a União Nacional dos Estudantes – UNE, a Ação Popular, AP, de orientação católica, tendo apoio de oficiais militares nacional-reformistas e do ilegal Partido Comunista. Para as forças dominantes tornar-se-ia imperativo bloquear a consolidação da FMP.‖ (DREIFUSS, 1981, p.139-140).

No campo da oposição, diversos grupos agiam, porém descentralizados e completamente desorganizados enquanto comparado ao FMP. Esses funcionavam como grupos de ação política com a finalidade de minar os interesses e as aspirações dos grupos populares e da política de João Goulart, através de financiamentos a instituições públicas e privadas, campanhas políticas, cursos e palestras, produção de material de propaganda. Os grupos que se destacaram foram: o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD); o Conselho das Classes Produtoras (CONCLAP); a Ação Democrática Parlamentar (ADP); o Movimento Anti-Comunista (MAC); e o Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (IPÊS). O IPÊS surge como o mais articulado entre esses grupos de direita, inclusive buscando se distanciar de experiências negativas como as vivenciadas pelo IBAD e pelo MAC. É relevante salientar que numa das primeiras reuniões oficiais da Comissão Diretora da regional Rio de Janeiro o diretor ipesiano, Glycon de Paiva, afirmou ser necessário diferenciar o IPÊS do Movimento Anti-Comunista, uma vez que sua relação poderia ser vista como ―letal‖. Antônio Galloti, também diretor do Instituto, propõe que ―todo membro do IPÊS, acusado de pertencer ao MAC deve defender-se. Mas na defesa, nem positiva, nem negativamente, deve fazer a menor referência ao IPÊS".24 Quanto ao Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), suas

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Reunião da Comissão Diretora do Rio de Janeiro. 05 de fevereiro de 1962. Fundo IPÊS. Arquivo Nacional do Rio de Janeiro.

atividades foram contemporâneas, entretanto, apesar da afirmativa de Dreifuss sobre os dois grupos agirem como um bloco de interesses sólidos, a ação do IPÊS após a instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou a ação do IBAD nas eleições parlamentares de 1963, foi de silenciar qualquer aproximação com as ações do IBAD.25

O país entrava no ano de 1962 em um turbilhão político, o grupo capitalista multinacional e associado estava desestimulado com a hipótese do poder Executivo assumir o projeto desenvolvimentista sem a participação dos setores empresariais. Esse posicionamento foi defendido duramente pelo Marechal Ignácio José Veríssimo durante uma reunião da FIESP:

Quando brasileiros presenciam, sem piscar os olhos, a ação do Estado para se tornar chefe supremo do ferro através do complexo de Volta Redonda e da Companhia Vale do Rio Doce, o chefe supremo do transporte ferroviário através da Rede Ferroviária Federal, o grande construtor de navios através da Lóide, ITA, Navegação do Prata e Navegação da Amazônia, o chefe supremo de um série completa de atividade econômica através dos Institutos do Sal, Pinho, café , Açúcar e outros e, mais ainda, para se tornar proprietário de estações de rádio, jornais, apropriando-se de empresas de energia elétrica e tornado-se o produtor único de petróleo, possuindo indústrias produtoras de álcali, automóveis, alimentos, calçados etc., quando brasileiros presenciam tais acontecimentos sem se perturbar, então eles estão cometendo ‗harakiri moral.26

As bases desse posicionamento foram objetivadas, em certa medida, pela Comissão Mista Brasil-Estados Unidos de Desenvolvimento Econômico, criada em dezembro de 1949 durante o regime do presidente Dutra. Segundo dados levantados por Dreifuss, a equipe brasileira era composta pelos tecnoempresários Ary Frederico Torres, presidente da equipe, Roberto Campos, responsável pelos

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Reuniões da Comissão Diretora do Rio de Janeiro, 08 de Outubro de 1963; Comissão Diretora de São Paulo, 16 de Maio de 1963; Comissão Executiva do Rio de Janeiro, 27 de Agosto de 1963; e Comissão Executiva de São Paulo, 16 de Setembro de 1963.

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Assuntos Econômicos), Lucas Lopes das Questões Técnicas, Glycon de Paiva, responsável pelos Assuntos de Geologia e Mineração e Valentim Bouças dos Assuntos Financeiros. Nessa comissão que se formou a relação entre Roberto Campos, Glycon de Paiva e dos redatores Paulo de Assis Ribeiro e Coronel Mário Poppe de Figueiredo, da Escola Superior de Guerra, todos futuros membros do IPÊS. Dessa Comissão surgiu o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDE), criado para dar suporte financeiro a investidores privados, em sua maioria de companhias multinacionais. ―O primeiro diretor econômico do BNDE foi Roberto Campos, enquanto Glycon de Paiva tornava-se diretor técnico. Roberto Campos foi designado presidente do BNDE durante o governo de Juscelino Kubitschek.‖ (DREIFUSS, 1981, p.75)

Com as análises do BNDE, da CEPAL e da Escola Superior de Guerra, foram estabelecidas as bases do Plano de Metas de JK, primeiro projeto político que visava introduzir a lógica empresarial do Bloco Multinacional-Associado, através do investimento em cinco setores- chaves: energia, transporte, alimentação, indústrias básicas e educação (DREIFUSS, 1981, p.75-76). Foram esses mesmos tecnoempresários que, em 1962, constituíram o corpo ideológico da campanha contra o governo ―populista‖ de João Goulart, até sua derrubada em 1964. Em contrapartida, o movimento operário se radicalizou e diversas greves eclodiram por todo o território nacional, convocadas pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria e pelo Pacto de Unidade e Ação (PUA), exigindo melhorais salariais - que foram vencedoras com a implementação do 13° salário para os trabalhadores urbanos. Em setembro do mesmo ano, novamente as greves explodiram, mas dessa vez a exigência era a antecipação do plebiscito que decidiria sobre o sistema de governo que deveria ser adotado no país: Parlamentarismo ou Presidencialismo. No texto Manifesto à Nação, assinado por Dante Pelacani, Oswaldo Pachedo e mais 23 líderes sindicais, Integrantes do CGT, o apoio ao presidente é exposto abertamente:

como previmos, em nossos pronunciamentos, se trama contra a legalidade constitucional, se pretende implantar uma ditadura reacionária, acobertada pelo conselho de ministros composto de inimigos jurados de nosso progresso, de nossa independência e tranquilidade (...) Animados com essa votação, querem as forças golpistas constituir um conselho de ministros entreguistas e obrigar o presidente da república sancioná-lo. Neste momento, apoiamos as enérgicas declarações do presidente e estamos coesos em torno de que não

transija nem compactue com esses inimigos de nossa Pátria e de nosso Povo. Estejam certos de que os trabalhadores e de mais forças patrióticas civis e militares não permitirão que seja rasgada a Constituição e se introduza no poder os que nos querem esmagar e amordaçar.27

O proletariado se fortalecia e amadurecia politicamente, formando diversas entidades de classe, como o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), o Pacto da Unidade e Ação (PUA) e outras associações regionais. A instabilidade social no final dos anos 1962, agravada pela vitória esmagadora do PTB nas eleições de outubro, quando os mesmos duplicaram sua bancada no Congresso, intensificando as reivindicações pelas reformas de base e o retorno ao Presidencialismo. ―Apesar da oposição de dirigentes do PSD, da UDN e do PSP (Partido Social Progressista, chefiado por Ademar de Barros), não restou então ao Congresso, como alternativa, se não discutir e aprovar, entre 14 e 15 de setembro a emenda do senador Benedito Valadares a um projeto do deputado Gustavo Capanema, fixando a data do plebiscito para 6 de janeiro de 1963‖ (BANDEIRA, 1989, p.63). Era a restauração informal do presidencialismo.

É nessa conjuntura que no início dos anos 1960 que identificamos o surgimento do já citado Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais e sua importância no desenrolar do governo Jango.

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