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4 RESULTADOS

4.4 Os incêndios rurais

4.4.7 O grande incêndio de 2014

O incêndio de 2014 foi o mais comentado e debatido pelo grupo e nas conversas das entrevistas, por ser um fato recente, de grande dimensão e que trouxe impactos significativos para o município, principalmente pela perda de três vidas humanas. Dois voluntários caíram em um buraco com cerca de cinco metros de profundidade ficando presos pelo fogo, e a terceira vítima faleceu após um mês no hospital João XXIII em Belo Horizonte, com 60% do corpo queimado. No trabalho realizado, relembrar o ocorrido gerou a reflexão das causas, consequências e possíveis aprendizados na prevenção e no combate aos incêndios.

“Desse último incêndio. Nossa, todo mundo ficou assim (pausa), uma vez que tinha vítimas, isso pra cidade foi um caos, foi muito triste” (empresária do turismo e produtora rural).

Sobre 2014, discutiu-se muito que as áreas naturais ficaram muito tempo sem queimar, alguns estimam entre oito a 10 anos sem realizar uma queimada, gerando alta susceptibilidade de incêndios devido ao acúmulo de serapilheira. Citaram, por exemplo, a espécie samambaia por estar altíssima. Nesses

ambientes, há dificuldade no manejo, uma vez que são áreas sensíveis e sem uso econômico, assim o proprietário acaba não investindo na proteção com aceiros, o que pode agravar o risco de incêndio.

“Onde foram as mortes, a gente queimava lá, durante 10 anos trabalhei lá, nunca teve problema, aí parou de queimar” (produtor rural).

Muitas dificuldades foram relatadas no combate a este incêndio. À medida que se agravava o incêndio, lideranças do município e apoiadores da Universidade Federal de Lavras - UFLA - se articularam para buscar apoio e ajuda junto a parceiros, aos órgãos ambientais, ao Instituto Estadual de Florestas - IEF - e à Polícia Ambiental. Conseguiram o apoio da brigada de incêndios da UFLA que se deslocou para Carrancas. Porém, houve a demora do Corpo de Bombeiros, que só foi para o local após as mortes. Apesar de comunicarem da gravidade da situação, houve a desarticulação com a brigada do Parque Estadual da Serra Papagaio que iria para Carrancas ajudar a fazer a rescalda, que é olhar o resto de fogo. Porém, o comandante do Corpo de Bombeiros falava que tinha sido controlado e a brigada acabou não se encaminhando pra lá. Após a partida dos bombeiros, o fogo passou para a Mata Triste, pois não havia sido controlado, tamanha sua proporção.

“Eu daqui mais cada um de um lugar, fiquei telefonando igual uma doida pra todo mundo que tinha condição de ajudar, conhecia IEF, a comandante da polícia de BH, tentava tudo polícia, IEF” (representante de entidade civil).

Outra dificuldade relatada foi a quantidade de ligações realizadas pelos moradores, amigos e conhecidos para os brigadistas, o que causou certa desorientação entre eles, devido à falta de planejamento em situações como esta. Foram relatadas algumas queixas quanto à contribuição da prefeitura. Apesar da ajuda de alguns funcionários, essa cumpriu um papel mais burocrático como de comunicação junto ao Corpo de Bombeiros. Segundo relato, quando o fogo passou para o município de Minduri, era como se não fosse mais o problema de Carrancas. As lideranças que estavam batalhando na articulação desde o início contribuíam junto ao município vizinho apontando os caminhos junto aos órgãos ambientais, brigadas disponíveis e outros. Essas lideranças avaliam que houve a contribuição de poucas pessoas na articulação para o combate aos incêndios, sobrecarregando as mesmas com ações que não eram de responsabilidade delas, como demonstra a fala a seguir.

“Às vezes a gente fica fazendo uns papéis que não são nosso, em vez da gente fazer quem tem que fazer funcionar algumas instituições, a gente pega e fica fazendo. Esse exagero nosso, ligar pra Deus e o mundo, eu pensava que lá em Carrancas estava tendo um movimento, quando vai ver não está” (representante de entidade civil).

Nas conversas, principalmente os brigadistas colocaram que durante o combate foi feito muita coisa que não é recomendado fazer, como ir voluntário sem treinamento apagar fogo, falta de estratégia caso o contrafogo virasse. Também, apontaram que algumas pessoas que visualizaram o fogo no início, poderiam ter começado a mobilização ali, ou pegar o “ramo”, assim talvez conseguissem controlar desde o começo.

Um dos entrevistados do poder público que esteve perto do fogo na serra ressaltou que o incêndio chegou a uma proporção que não tinha mais solução, mesmo se a comunidade se mobilizasse, junto com o Corpo de Bombeiros e a brigada. Porque a área do incêndio era de difícil acesso, nas áreas de vegetação mais fechada, o fogo ficou muito alto pulando córrego e até estradas.

“Você falando de incêndio, a primeira vez que vi, meu marido também está com 80 anos, foi o primeiro incêndio que a gente viu com proporções assim” (empresária do turismo e produtora).

Danos à flora e fauna nativas, também os prejuízos, principalmente nas áreas afetadas, foram muito grandes, queima de mangueira de água, cercas, casa, rancho, estufa, o próprio trabalho como roçado, reflorestamentos e plantios de eucalipto. Mesmo após os incêndios, com a chegada das chuvas, os cursos d´água continuaram sendo impactados pela ausência da mata ciliar que foi queimada, com o assoreamento dos cursos d’água como relatado abaixo.

“Após a queimada de outubro, as chuvas de novembro e dezembro carrearam muita areia pro ribeirão, entupindo os poços, região do alto da serra, próxima a Zilda” (produtor rural).

Um dos boletins de ocorrência descreve que houve a identificação do autor do incêndio, causado acidentalmente por fogos de artifício que o mesmo soltou no dia 12 de outubro, na comemoração do dia de Nossa Senhora Aparecida. Apesar dessa constatação, alguns entrevistados apontam que onde ocorreu o incêndio era nítido as marcas da tentativa de fazer um fogo controlado.

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