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O objetivo ao qual nos propomos neste estudo, isto é, compreender que

movimentos formativos são produzidos por professoras, que atuam no contexto da alfabetização, a partir do envolvimento na tríade ensino, pesquisa e extensão e como estes repercutem na aprendizagem da docência, remete-nos à necessidade

de contextualização e de possível compreensão do espaço no qual buscamos a inserção na pesquisa. Nesse sentido, vale referir que consideramos como movimentos formativos uma ampla gama de processos direcionados à intencionalidade, à permanência e à dinâmica de participação do sujeito em atividades de estudo provocadas por práticas de ensino, pesquisa e de extensão capazes de promover a aprendizagem da docência e de caracterizar a formação como um processo contínuo e inesgotável.

Nessa direção, Ferry (2004) indica que a formação sobre si mesmo se dá a partir de três condições essenciais, as quais dizem respeito às condições de lugar, de tempo e de relação com a realidade. Quanto às condições de tempo e lugar, vale referir que o fato de o indivíduo estar exercendo um trabalho profissional não garante a formação.

[...] solo lo será si en un momento dado, y en un tiempo dado, trabaja sobre si mismo. Pensar, tener una reflexión sobre lo que se ha hecho, buscar otras maneras para hacer..., eso quiere decir trabajo sobre si mismo. Pero no se hacen las dos cosas al mismo tiempo. Es por eso que es falso pensar en formarse haciendo. La experiencia de un trabajo profesional no puede ser formadora para aquel que la lleva a cabo, salvo si encuentra los medios de volver, de rever lo que ha hecho, de hacer um balance reflexivo5

(FERRY, 2004, p. 55-56).

Já a condição de relação com a realidade se refere à capacidade de distanciar-se da realidade para representá-la. “Cuando se está en un lugar o en una acción de formación se trabaja sobre las representaciones. No se trabaja sobre la realidad”6 (FERRY, 2004, p. 56).

Em relação a essas três condições formativas, Ferry se refere a um tipo de formação que aqui nos interessa, ou seja, a formação continuada. Segundo este autor, as ações de formação continuada se efetuam em tempos e lugares retirados da realidade profissional. Este distanciamento da realidade é o que permite que se criem representações, julgamentos e atitudes capazes de proporcionar o retorno a ela de modo a compreendê-la.

Considerando as premissas, o autor indica a necessidade de se pensar sobre os dispositivos de alternância, compreendendo este termo em dois sentidos: na formação inicial e na formação continuada. Buscamos, portanto, a referência à formação continuada, para a qual Ferry (2004, p.58) indica que:

Se está en ejercicio profesional y en un momento dado se hace un encuentro o un curso de perfeccionamento. Es decir que se abandona la actividade profesional para volver a este espaço intermediario, transicional, que es el tiempo y el lugar de la formación. Lo que ocurre generalmente es

5 Tradução nossa: [...] somente o será se em um dado momento, e em um dado tempo, trabalhar

sobre si mesmo. Pensar, ter uma reflexão sobre o que tem feito, buscar outras maneiras de fazer..., isso quer dizer trabalho sobre si mesmo. Porém não se faz as duas coisas ao mesmo tempo. É por isso que é falso pensar em formar-se fazendo. A experiência de um trabalho profissional não pode ser formadora para aquele que a leva a cabo, salvo se encontra os meios de voltar, de rever o que tem feito, de fazer um balanço reflexivo.

6 Tradução nossa: Quando se está em um lugar ou em uma ação de formação se trabalha sobre as

que se concibe la alternancia simplesmente como un dispositivo, con la idea de que basta estar a veces en el centro de la escena, tanto en la realidad profesional como en el centro, para que a alternancia produzca buenos efectos. Si hay una relación dinâmica, viva entre los dos lugares, si podría darse7.

A partir desse entendimento buscamos maiores aproximações com o contexto de formação de professores da educação básica, em especial, dos anos iniciais do ensino fundamental, apropriando-nos, assim, do conceito de alternância pedagógica proposto por Bolzan (2009b), que o caracteriza como o movimento reflexivo gerado nos professores a partir da busca de elementos vinculados às experiências de ensino e de aprendizagem. Movimento no qual o professor se envolve na busca por atender as exigências e os desafios originados pelas práticas pedagógicas desenvolvidas diariamente em sala de aula. “Nessa direção, indica-se a possibilidade de confrontar pontos de vistas, compartilhar experiências e diferentes perspectivas sobre a ação docente como aspectos potencializadores do engendramento de espaços/tempos de alternância pedagógica” (BOLZAN, 2009b, p.13).

A ideia de alternância pedagógica apresentada auxilia-nos a pensar sobre o espaço de pesquisa no qual buscamos envolvimento. Esse espaço refere-se às atividades do projeto de pesquisa e extensão Cultura Escrita: inovações

metodológicas na escola (BOLZAN, 2009a), vinculado ao GPFOPE. A realidade que

nos traz às práticas desse grupo dizem respeito às oportunidades de desenvolvimento de atividades voltadas ao trabalho com professoras alfabetizadoras e suas turmas.

A perspectiva do grupo centra-se na possibilidade de mobilização dessas situações de alternância pedagógica, nas quais as professoras encontram a oportunidade de desenvolver práticas diversificadas de construção da leitura e da escrita com os estudantes com os quais trabalham, podendo, em determinado momento, distanciar-se delas para refletir, avaliar e compartilhar conhecimentos com o grupo acerca dos saberes que envolvem estas práticas. O distanciamento não é, necessariamente, físico, mas sim a possibilidade de pensar sua prática com um

7 Tradução nossa: Se está em exercício profissional e em um dado momento se faz um encontro ou

um curso de aperfeiçoamento. É dizer que se abandona a atividade profissional para voltar a este espaço intermediário, transicional, que é o tempo e o lugar de formação. O que ocorre geralmente é que se concebe a alternância simplesmente como um dispositivo, com a ideia de que basta estar às vezes no centro da cena, tanto na realidade profissional como no centro, para que a alternância produza bons efeitos. Se há uma relação dinâmica, viva entre os dois lugares, pode dar-se.

olhar de estranhamento, que permita ao professor desapegar-se da prática no qual está imerso para conseguir refletir sobre ela.

Nesse processo, o papel das mediações e interações estabelecidas com outros profissionais que ajudam a pensar sobre essa mesma prática, auxilia os professores a desenvolverem esse movimento de alternância pedagógica. Assim, percebemos a atividade colaborativa como uma característica inerente a esse grupo capaz de criar uma dinâmica de trabalho na qual as professoras encontram um ambiente propício ao confronto de hipóteses, ao intercâmbio de ideias e à construção de conhecimentos pedagógicos compartilhados (BOLZAN, 2002, 2009b). Esta dinâmica de trabalho proposta pelo grupo indica que:

A educação escolar precisa se preocupar com a simultaneidade dos papéis de aprendente/ensinante, pois o processo interativo, advindo desta relação, poderá possibilitar a superação da repetição, da cópia ou da mera execução das atividades propostas, com vistas à criação, à reivenção, ao conflito e à reconstrução de novos saberes reconhecidos e sistematizados academicamente. Nesse sentido, o processo interativo deve estar presente desde o planejamento e a preparação das tarefas, sendo permanentemente avaliado, buscando-se compreendê-lo e acompanhá-lo. Logo, a interação social deve ser considerada como fator relevante na construção do conhecimento, uma vez que a cooperação surge como resultante do trabalho solidário entre os sujeitos envolvidos neste processo (BOLZAN, 2001, p.78-79).

Tal dinâmica passa a caracterizar o grupo como um ambiente acolhedor, no qual as professoras se sentem envolvidas e engajadas em processos interativos, promotores da autonomia pedagógica e do desenvolvimento profissional docente. Entretanto, como toda dinâmica social, este grupo também enfrenta situações de resistência e desajustamento que indicam as limitações de alguns sujeitos ou instituições que possuem uma caminhada e uma cultura oposta às construções do grupo, fazendo com que se distanciem por sua falta de identificação com essa dinâmica.

Nesta perspectiva, Ferry (2004) contribui de forma significativa com seus estudos sobre o trabalho de grupo ao referir que ele passa a existir quando os indivíduos têm objetivos em comum e interagem entre si. Este entendimento coloca o grupo na rede de relações interindividuais e o define como uma totalidade que não se reduz a soma de elementos, tendo uma duração, uma função e uma vida própria que não se confunde com a de seus membros.

Compreender essa rede de relações que interferem de forma ativa na construção da identidade docente é um dos pressupostos para a nossa pesquisa, visto que, em grande medida, é na atividade colaborativa entre os sujeitos do processo que os saberes sobre a docência se consolidam e as práticas pedagógicas se transformam.

1.1.2 A tríade ensino, pesquisa e extensão: relações possíveis entre escola e