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CAPÍTULO 2. ESCRITAS DA HISTÓRIA: INSTITUTO HISTÓRICO E

2.2. UM LUGAR NO RECÉM-CRIADO MUSEU HISTÓRICO DO CEARÁ PARA

2.2.4 O HERÓI PINTADO: INAUGURAÇÃO DA TELA GENERAL TIBÚRCIO

No dia 26 de julho de 1935, o Arquivo Público e o Museu Histórico do Ceará organizaram um momento festivo para a inauguração de uma tela, que representava, em tamanho natural (1m77x1m12), o General Tibúrcio Ferreira de Sousa. Segundo Eusébio, o museu estava realizando homenagem que há muito tempo estava devendo ao “heroi-soldado”.

A inauguração ocorreu no dia em que corriam 80 anos do alistamento do Tibúrcio na Praça no Corpo Fixo da antiga província do Ceará. Para Eusébio, era um dia significativo para homenagear e perpetuar aquela recordação de um dos “gloriosos antepassados”.

indiscutível mérito profissional com a apresentação de uma ‘obra primorosa’, de um trabalho que honra o pincel de qualquer artista de nomeada, sobretudo, porque, “inspirado no sentimento do patriotismo, tentando imortalizar um facto honroso de sua província, consegui-o pelo poder irresistível da arte”.

A construção da memória desse personagem é organizada a partir de datas significativas dentro da sua própria história, mas que, por vezes, também estabelece relação com a História do Ceará. Já falamos aqui sobre as conexões que foram sendo estabelecidas entre General Tibúrcio e a data de “24 de maio”. Nesse momento, Eusébio elege outra data para ser incluída como um dia significativo na biografia do general, o dia em que Tibúrcio se alistou no Exército.

É como se, ao tornar o general presente no museu, inaugurando a tela nesta data, Eusébio e o museu estivessem finalizando a história iniciada há 80 anos, quando o “futuro herói” iniciava sua trajetória no lugar que o consagrou como tal. O museu voltava nesse início para homenagear a trajetória do personagem ora ali cultuado. O conceito de representação é válido para pensarmos o Museu, afinal o que faz o museu além de buscar representar o ausente: passado?

Analisar a imagem para Ulpiano Menezes é também compreender “a interação social que produz sentidos” (2003, p. 28). Por isso, para compreender a tela, devemos pensar a inauguração e as narrativas que traziam a tela e sua inauguração como temática. Dessa forma, a imagem não é percebida apenas como ilustração, e sim como produto da sociedade que a cria.229

No Boletim do Museu Histórico a reprodução da notícia do jornal Gazeta de Notícias230 descreve como se deu a inauguração da tela:

“Foi descerrada a bandeira nacional que cobria a grande tela, surgindo então belíssimo quadro a oleo, apresentando a efígie do general cearense, em tamanho natural, com seu uniforme de gala, ostentando sobre o peito as condecorações e medalhas conquistadas na sua brilhante carreira militar.”231

É ressaltada a grandeza do quadro e a forma como ocorreu a cerimônia de inauguração, trazendo detalhes como a bandeira nacional como sendo elemento importante naquele ato, já que vinha cobrindo o quadro no momento que precedia a inauguração. Percebemos a “intenção comemorativa” (CATROGA, 2005, p. 92) e a simbologia presente nesse ritual que inaugurava o lugar desse personagem no Museu.

229A “verdade” buscada, contida na imagem antiga, não se aproxima do conceito de veracidade, mas sim do sintoma ou rastro, constituindo como que uma pegada ou impressão da vida energia deixada pelo passado, a atestar a presença do humano, de uma experiência e de uma sensibilidade” (PESAVENTO, 2008, p. 19)

230 É necessário ressaltar novamente que Eusébio de Sousa, além de diretor do MHCE e do Arquivo Público, era também era redator do jornal Gazeta de Notícias. Por isso também essas instituições estabeleciam relações entre suas ações.

Fernando Catroga, ao discutir a “a nação, o mito e o rito”, mais especificamente sobre a festa, escreve que: “Aí a festa transmudou-se em acção anamnética, promovida por políticas da memória (com seu consequente esquecimento) interessadas em socializar certa seleção do passado, inculcando-a como memória nacional” (2005, p. 91). Mais à frente, no mesmo texto continua: “Exaltação do passado, que os grandes homens encarnavam, tornou-se instrumento essencial para a produção e reprodução de uma nova memória nacional”. (2005, p. 102)

Catroga relaciona, portanto, as comemorações com a produção de uma memória nacional. Não é à toa que ele também ressalta as conexões entre “Comemoração e Poder”. Para ele, “as comemorações e a escrita historicista da História são práticas de re-presentação, ou melhor, de esquecimento da morte e do devir, e põe em cena uma previsão ao contrário que procura confirmar, no passado, a direção do povir”. (2001, p. 61)

O MHCE, que já se afirmava como lugar de escrita da História do Ceará, realizava comemorações nesse sentido, de construir uma história homogênea e cristalizada para o Ceará, através de seus fatos e heróis. Assim, entendemos as comemorações e sua relação com o presente e as demandas para o futuro de quem comemora.

Pensar a tela como uma imagem é “percorrer o ciclo completo da sua produção, circulação e consumo” (MENEZES, 2003, p. 28). Pensando, assim, nas razões de existir da própria imagem. O fato de a tela ter sido encomendada demonstra o interesse em fazer o “herói- soldado” presente visualmente no espaço do museu.

Outra vez nos deparamos com a questão da necessidade de dar visibilidade a um determinado passado, porém, dessa vez, o intuito era de, ao mesmo tempo em que se dava visibilidade ao passado, tornar presente um personagem. Como escreve Krzysztof Pomiam, os semióforos remetem a algo presente, na medida em que substituem algo invisível, um semióforo é feito (produzido) para ser visto. (2010, p. 13)

Eusébio, ao encomendar a tela, estava produzindo um objeto para o museu. Diferente de receber como doação, ainda que a doação quando é feita possa ser aceita ou não, o ato de encomendar nos mostra a necessidade em expor o herói naquela escrita da História empreendida pelo MHCE.

O pintor da tela do general foi J. Carvalho232, que “morou no Rio de Janeiro, onde

expôs seus quadros em livrarias e lojas, algumas delas reproduzidas em revistas de circulação nacional” (MUSEU DO CEARÁ, 2010, p. 78). Podemos denominá-lo como pintor do MHCE, pois, no próprio Boletim do Museu, se referiam a ele como pintor que “presta seus serviços profissionais ao Museu Histórico do Estado”. Ele foi autor de diversas telas expostas no museu, telas que representavam: Major Facundo de Castro Menezes, Francisco José do Nascimento (Dragão do Mar), Antônio Rodrigues Ferreira (O Boticário).

No Boletim, as telas eram acrescidas de um adjetivo: “grandes”. Eram as “Grandes telas”233, e podemos notar que os nomes escolhidos para serem representados são de figuras

ditas importantes dentro da História do Ceará: Major Facundo, que foi capitão-mor e vice- presidente da Província do Ceará; Dragão do Mar, chamado herói da abolição no Ceará e o Boticário Ferreira, que foi importante político e que, inclusive, após sua morte foi homenageado com uma praça que leva seu nome, a Praça do Ferreira.

Portanto, Tibúrcio estava ao lado desses outros nomes que, para o diretor do Museu, responsável pelas encomendas das telas, eram nomes dignos de estarem nas paredes do Museu, compondo o que ele chamava de “Grandes Telas”.

Porém, podemos pensar em um destaque especial conferido à inauguração da tela do general, uma vez que, foi realizada de forma reservada dentro do espaço do Arquivo Público do Ceará e na presença de grandes nomes. Em contraponto, temos outra inauguração de telas promovida pelo MHCE. Fazemos referência à inauguração de três telas pintadas pelo mesmo pintor, já listadas aqui, e que representavam: Major Facundo, Boticário Ferreira e o Dragão do Mar. Diferente da tela do General Tibúrcio, essas telas foram inauguradas de maneira conjunta, sem um ritual específico para cada homenageado.

Como podemos notar na imagem abaixo, ele foi pintado de corpo inteiro, diferente das demais pinturas que foram encomendadas e pintadas por J. Carvalho, que obedeciam um padrão de bustos.

Ele já havia sido representado de corpo inteiro em bronze, com a estátua General Tibúrcio, portanto, podemos dizer que o pintor do museu já tinha uma referência de quem era

232 Esse nome, J. Carvalho, também aparece muitas vezes como doador de objetos para o Museu Histórico do Ceará. Como exemplos podemos citar: Retrato em cartão de J. da Penha, doado em 1933; Retrato de Canindé, doado em 1935; Retrato da Estação central, vinte anos antes, doado em 1935. Nesse caso, podemos pensar as doações do artista plástico como propaganda do seu trabalho, que resultou na contratação dele para pintar algumas telas para o MHCE, dentre elas, a do General Tibúrcio, em 1935.

o modelo a ser retratado, não só pela imagem já consolidada, mas também pelas narrativas que significavam aquele chamado herói.

FIGURA 8TELA GENERAL TIBÚRCIO.ACERVO DO MUSEU HISTÓRICO DO CEARÁ.

O que também nos chama a atenção na representação é a feição do herói que tinha cumprido seu dever, bem fardado e com suas condecorações, já com uma das luvas fora das mãos e a espada descansada. Se compararmos a imagem da estátua do general e a imagem da tela podemos perceber que, em certa medida, a representação do herói foi pensada de forma similar não apenas com relação aos detalhes da farda e à ostentação das condecorações, mas também com relação à postura de descanso evidenciada pela espada relaxada e as feições sérias que remetem à firmeza do militar.

Porém em uma análise mais atenta, podemos ainda perceber nuances e certas diferenças, como já discutido anteriormente. A estátua, por mais que tenha a espada apontada para o solo, representa Tibúrcio com a perna direita à frente. Por outro lado, na tela, Tibúrcio aparece em uma postura menos combativa. Além de um detalhe que quase passa despercebido:

os livros empilhados na mesa ao lado da espada. Afinal, nesse momento, ele era representado como soldado e pensador.

Esse objeto, ao chegar no museu, fazia parte de uma sala considerada como salão nobre do museu, como indica a historiadora Ana Amélia R. de Oliveira,

“Uma das salas era considerada salão nobre do Museu e era composta por objetos bastante diversos, que não pareciam estabelecer vínculos mais explícitos, como a imagem de Nossa Senhora da Assunção, jarros de porcelana pertencentes ao Passeio Público e um quadro do General Tibúrcio. A outra sala, denominada “Sala das Armas”, era formada, na maior parte por armas e canhões, além de outros objetos, como o porta-chapéu que pertenceu ao Barão de São Leonardo e um salva-vidas de um navio francês.” (2009, p. 18)

FIGURA 9MUSEU HISTÓRICO.SALA ANTONIO BEZERRA.

Trouxemos o trecho escrito pela historiadora e a imagem da sala para evidenciar o fato de que a tela do General Tibúrcio, a priori, não estava localizada junto aos outros objetos ligados ao exército, como era na época “A sala das armas”. A escolha do local ideal para a tela foi o salão principal do museu, o que denotava a importância daquele personagem para a História narrada naquele espaço.

General Tibúrcio era um herói militar e esse aspecto fora aproveitado pelos sujeitos que empreenderam a construção da sua memória, desde a existência e inauguração da estátua em 1888, até a inauguração da tela General Tibúrcio. Porém, ele significava mais para o Ceará na concepção do diretor do Museu Histórico, ele merecia/deveria estar na sala principal. Outros aspectos do mesmo herói vão sendo ressaltados nesse momento, em que o General Tibúrcio, soldado-cidadão passa a ser também o Tibúrcio: soldado e pensador.

CAPÍTULO 3. UMA VIDA ENCADERNADA: GENERAL TIBÚRCIO ENTRE O SOLDADO E O PENSADOR.