• Nenhum resultado encontrado

3.1 A lepra não tem cura

3.1.1 O Hospital Colônia São Francisco de Assis

A sustentação científica para a política de controle da lepra a partir do isolamento do leproso foi proposta pelo médico norueguês Gerard Amauer Hansen no século XIX, durante a Primeira Conferência Internacional de Leprologia, realizada em Berlim (COSTA, 2007). Porém, antes dessa determinação, o isolamento do leproso já era realizado e a primeira prática do isolamento no Brasil ocorreu em 1640, na cidade de Salvador, na Bahia, no Campo dos Lázaros, obra da Igreja Católica, e a primeira tentativa de se fundar um Leprosárío (Barão de Porto Seguro) ocorreu no Rio de Janeiro entre 1618-1632 (SAVASSI, 2010).

Por muitos anos os leprosários foram administrados por instuiçoes filantrópicas. Sua origem data do início do século XX e está associada à peregrinação dos doentes das classes populares para áreas periféricas e rurais, onde se mantinham com esmolas e doações, quando surgiram associações e sociedades beneficentes responsáveis por arrecar recursos para construir instalações permanentes (FONTOURA; BARCELOS; BORGES, 2003).

A partir de 1924 o governo federal estabeleceu um novo plano de ação contra a doença, assumindo o controle da lepra, reforçando o isolamento compulsório e a construção de inúmeros leprosários no país, com a retirada o doente das ruas ou estradas a fim de proteger as pessoas sadias (CASTRO; WATANABE, 2009).

Concomitantemente havia determinações para afastar todos os filhos da convivência dos pais acometidos pela lepra a fim de evitar o contágio, como determinações para as crianças serem assistidas em meio familiar ou em preventórios, os quais funcionavam sob a supervisão do Departamento de Profilaxia da Lepra e da Assistência Social (BRASIL, 2012).

Aos preventórios cabia a função de prevenção, pois se acreditava que a criança teria grande probabilidade de desenvolver a doença, visto ter entrado em contato com o foco da doença, ou simplesmente por ser filho de um doente. Desse modo, justificava-se seu afastamento para locais especiais, onde seria examinada periodicamente (BRASIL, 2012).

O isolamento foi utilizado ao mesmo tempo em que se relatam grandiosas implicações inerentes à implantação da política de internação compulsória, não só no Brasil como em outros países, evocando problemas sociais que refletiam na vida dos doentes e daqueles que estavam afetivamente próximos. O desamparo familiar é citado como uma das consequências mais marcantes da política de isolamento (CABRAL, 2013b).

Como fruto dessa política, o Estado o Rio Grande do Norte foi contemplado com a construção da Colônia São Francisco de Assis, cuja fundação ocorreu em 14 de janeiro de 1929, período da Primeira República, mantendo-se ativado até 1994 (VIDERES, 2010). Ressalta-se que na década de 60 existiam 31 preventórios no Brasil, também denominados de Educandários, dentre os quais o Educandário Oswaldo Cruz, que estava localizado na cidade de Natal/RN (BRASIL, 2012).

Durante o primeiro mandato de Getúlio Vargas (1930-1945), a política de combate à lepra reforçou a prática do isolamento compulsório, mantendo os doentes aprisionados nos hospitais-colônia, que ocorreu de forma forçada, violenta e em massa, com a conclusão da rede asilar do País (BRASIL, 2012).

No período da inauguração da Colônia São Francisco de Assis, esta contava com trinta pacientes, alcançando o número máximo de cento e oitenta internos em 1954, e durante todo o período de funcionamento o hospital chegou a abrigar em média trezentas pessoas (VIDERES, 2010).

Localizada no que hoje se encontra o bairro de Felipe Camarão, localizado distante do centro da cidade do Natal, a colônia foi construída em local que, durante o período, não viabilizava ampla acessibilidade à população e dispunha de altos muros aramados, portões

trancados e vigilantes para evitar a fuga dos doentes (CABRAL, 2013b). A estrutura física dessas instituições destinadas ao isolamento de doentes atendia às demandas sociais frente à ameaça da lepra, construídas em locais específicos distantes dos centros das cidades e que continham entres grandes muros aqueles que preocupavam a população (SANTOS, 2005).

Diante do temor ao doente, Fontoura, Barcelos e Borges (2003) relatam a necessidade de edificar estruturas capazes de manter o interno preso na maior parte do tempo, evitando saídas desnecessárias. Nesse molde, a Colônia São Francisco dispunha de diversas instalações: enfermaria, consultório médico, farmácia, prefeitura, igreja, cemitério, cadeia, cinema, salão de festas, escola, biblioteca, casas padronizadas destinadas à residência para os casados e pavilhões para o alojamento dos solteiros. Também havia uma área designada à criação de animais e para prática da agricultura (CABRAL, 2013b), dando à colônia uma caracterização de microcidade.

De acordo com Videres (2010), existiam dois pavilhões, um masculino e outro feminino. Cada um dos blocos de construção possuía um banheiro e cerca de oito quartos, e cada quarto abrigava até quatro internos solteiros. Para os casais, construíram-se casas e disponibilizaram-se mantimentos necessários para as refeições, perdendo o direito de realizá- las com os demais internos. Fontoura, Barcelos e Borges (2003) relatam que o casamento entre doentes era comum e obedecia a determinadas normas, como a necessidade de autorização pela administração do hospital, a avaliação do estado da evolução da doença e a capacidade da seção destinada à habitação dos casados.

A Colônia São Francisco de Assis era regulamentada por normas internas, tais como: tomar diariamente a medicação; respeitar o horário do banho e do curativo; obedecer ao toque de recolhimento e aos horários das refeições; evitar o uso de bebida alcoólica; evitar a sociabilidade entre os sexos opostos; e, principalmente, evitar sair ou receber visita sem o consentimento do médico. Os que desrespeitavam as normas da colônia eram remetidos para a cadeia, a qual se dividia por sexo (VIDERES, 2010). De acordo com Fontoura, Barcelos e Borges (2003), aqueles que transgrediam a normatização dos leprosários eram obrigados a pagar uma pena determinada pela prefeitura dos internatos.

Além da função de reclusão, de modo geral, os leprosários foram criados na tentativa de atender à organização da vida coletiva, envolvendo locais destinados à punição, moradia, trabalho, lazer e o local destinado à comunicação com o mundo exterior (SANTOS, 2005). No Hospital Colônia da cidade do Natal o lazer constava de assistir à televisão, jogar sinuca, tocar instrumentos musicais e, quando em funcionamento, ver exibições no cinema. As caminhadas e o trabalho na agricultura também eram desenvolvidos pelos internos (VIDERES, 2010).

De acordo com Videres (2010), os momentos de comunicação com as pessoas que habitavam o outro lado do muro ocorriam nas festas promovidas pela administração durante datas comemorativas, nas cerimônias religiosas das igrejas católica e evangélica, e nas palestras realizadas no centro espírita.

Com a introdução do tratamento poliquimioterápico na década de 80 houve mudança na conduta de tratamento, que passou a ser realizado em nível ambulatorial, e as colônias de isolamento foram desativadas, tal qual a Colônia São Francisco de Assis foi desativada em 1994.

Na história da doença, desde a antiguidade ao tempo contemporâneo, verificam-se medidas de exclusão que não foram superadas com o avanço da ciência e mudanças na conduta terapêutica (CABRAL, 2013b). A adoção do isolamento compulsório como medida profilática desconsiderava as relações sociais dos indivíduos em defesa do bem-estar da coletividade, impactando negativamente na vida dos doentes e de seus familiares (ALMEIDA et al., 2012).

Diante do potencial incapacitante, das limitações e deformidades físicas advindas da infecção pelo bacilo de Hansen, a hanseníase continua gerando preconceitos ao seu portador, causados pela desinformação do modo de transmissão e existência de tratamento e cura da doença (CID et al., 2012), e medidas de exclusão, segregação e violência continuaram a ser praticadas contra o doente, alcançando de mesmo modo seus familiares (CABRAL, 2013b).