• Nenhum resultado encontrado

O impacto da cooperação internacional em Portugal

No documento A Europa do Conhecimento (páginas 181-191)

A modernização registada em Portugal em domínios como a in- dústria e a administração e que foi decorrente da aplicação de lógi- cas de organização científica do trabalho teve, na sua maioria, origem em processos de transferência de conhecimento feitos por várias vias. Antes da II Guerra Mundial, os contactos com consultores e firmas de consultoria estrangeiros tiveram um papel relevante quer na reorganização de indústrias, quer na formação de técnicos e operários nacionais. A partir da II Guerra Mundial, porém, tornam- -se muito mais visíveis os intercâmbios internacionais realizados na esteira do Plano Marshall e da ação dos organismos internacionais criados na época, como a OECE/OCDE ou a Agência Europeia de Produtividade. Neste âmbito, é notório que as missões de estudo e os projetos de assistência técnica, as ações de formação em solo nacional e a participação de técnicos portugueses em cursos e formações no estrangeiro foram os principais veículos de entrada dos princípios de organização científica do trabalho no País.319

318 Ciências Administrativas. Boletim do Instituto Português de Ciências Adminis‑

trativas. Lisboa: Instituto Português de Ciências Administrativas. Ano IV, n.º 12 (1972),

p. 98.

319 Cf. AZEVEDO, Ana Carina – A organização científica do trabalho em Portugal

A cooperação para a eficiência. Portugal, o Instituto Internacional de Ciências Administrativas e as redes internacionais de cooperação

no âmbito da Administração Pública

Porém, também no âmbito da administração científica do trabalho administrativo esta situação é visível, sobretudo no que diz respeito à Administração Pública, sendo que, a este nível, o papel do Institu- to Internacional de Ciências Administrativas, apesar de não ser ex- clusivo, é bastante relevante. Verifica -se que, desde as primeiras dé- cadas do século xx, Portugal estabelece relações com o Instituto, quer

através do envio de delegações aos congressos internacionais, quer através da criação, no final da década de 1920, de uma secção nacio- nal. Esta relação expande -se no terceiro quartel do século devido à própria conjuntura internacional da época, caracterizada por um aumento do intercâmbio de técnicos e de informação especializada. Verifica -se, também, que os nomes que mais estão presentes quer nas ações do Instituto Internacional, quer nos trabalhos da Secção Portuguesa / Instituto Português, são também aqueles que mais se destacam como atores do processo de difusão da organização cien- tífica do trabalho no País, ou como quadros superiores de organismos e serviços que vêm a colocar em prática métodos científicos de or- ganização do trabalho.

Entre os mais relevantes contam -se Marcello Caetano, Diogo de Paiva Brandão, Duarte Nuno de Vasconcelos e Aureliano dos Santos Felismino. Caetano, desde o início bastante próximo das iniciativas e da própria estrutura diretiva do Instituto Internacional, é um dos mais importantes artífices dos estudos sobre a Administração Públi- ca e o Direito Administrativo em Portugal. Esteve envolvido no pro- cesso de reforma administrativa que tem lugar nos anos 30, sendo um dos responsáveis pela elaboração do Código Administrativo aprovado em 1936 e revisto e publicado em 1940. Além disso, no final dos anos 60 e, sobretudo enquanto Presidente do Conselho, empenhou -se no desenvolvimento da Reforma Administrativa que o

Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, 2014. Tese de Doutoramento em História.

Estado Novo inicia em 1967. A Presidência do Conselho, sobretudo a sua Secretaria-Geral, desempenhou um papel coordenador e dina- mizador das iniciativas tendentes à reforma das estruturas e dos métodos de trabalho do Estado, na esteira do que era desenvolvido e promovido internacionalmente. A proximidade de Diogo de Paiva Brandão, Secretário-Geral da Presidência do Conselho, ao Instituto Internacional e ao Instituto Português de Ciências Administrativas é representativa da importância atribuída por este organismo e pela sua estrutura diretiva às lógicas ligadas à reforma da Administração Pública e aos contactos internacionais estabelecidos.

Na década de 1970 começam a tornar -se evidentes os resultados da transferência de conhecimento possibilitada pelo envio de técni- cos portugueses a formações além -fronteiras e pela vinda a Portugal de formadores estrangeiros. Duarte Nuno de Vasconcellos, membro da delegação portuguesa ao Congresso de 1971 realizado em Roma e especializado em O&M pela Escola Nacional de Administração Pública de Espanha, participa como monitor, no mesmo ano, no programa de formação para funcionários da Administração do Esta- do organizado pelo Secretariado da Reforma Administrativa. Por seu lado, Aureliano dos Santos Felismino, diretor -geral da Contabilidade Pública, é um dos nomes mais visíveis na atividade de um dos orga- nismos que mais se destacou nos estudos tendentes à reforma dos métodos de trabalho na Administração Pública: o Gabinete de Estu- dos António José Malheiro, inserido na mesma Direção -Geral do Ministério das Finanças.

Além disso, as próprias lógicas que corporizam a Reforma Admi- nistrativa do Estado português seguem em grande medida os pro- cessos internacionais de reforma que eram acompanhados e difun- didos por intermédio das publicações e dos encontros científicos promovidos pelo Instituto Internacional. Baseada em quatro pilares – a situação dos funcionários públicos, as estruturas orgânicas da administração, as relações entre a administração e o público e as

A cooperação para a eficiência. Portugal, o Instituto Internacional de Ciências Administrativas e as redes internacionais de cooperação

no âmbito da Administração Pública

operações desempenhadas pelos serviços – a Reforma Administrati- va corporizada no final dos anos 60 seguia as lógicas passíveis de observar internacionalmente. Além disso, as alterações que foram sendo feitas na Administração Pública, em menor grau e sem um carácter sistemático, durante as décadas anteriores, acabam também por ser devidas à conjuntura internacional e à necessidade de tornar a Administração Pública mais eficaz. Eficiência que era necessária para responder às diligências do Plano Marshall, dos Planos de Fo- mento nacionais e do novo papel atribuído ao Estado em termos sociais e de desenvolvimento e progresso económico.

Conclusão

O Instituto Internacional de Ciências Administrativas constituiu um importante agente promotor do estudo e difusão dos princípios de organização científica do trabalho que poderiam ser aplicados à Administração Pública. Criado no entre guerras, o seu processo de desenvolvimento enquanto organismo responsável por possibilitar a cooperação entre funcionários e estudiosos das ciências administra- tivas foi proporcionado pela conjuntura internacional da época. De facto, os problemas que assolavam as administrações públicas exigiam o repensar das suas estruturas, o recurso a estudos comparativos e a troca de experiências e de informação técnica. Trata -se, portanto, de uma cooperação que, de certa forma, foi exigida ou, no mínimo, possibilitada pelas necessidades sentidas internacionalmente pelos técnicos que se dedicavam à temática.

Portugal apresenta, desde o início, interesse pela atividade do Instituto, interesse este que é tornado oficial no final da década de 1920 com a criação da Secção Nacional Portuguesa da Comissão In- ternacional Permanente dos Congressos de Ciências Administrativas. Porém, até ao final dos anos 60, a colaboração efetiva com o Institu-

to Internacional parece ter -se resumido à participação nos congressos e mesas -redondas e à preparação dos materiais solicitados, mantendo- -se os frutos desta colaboração limitados ao interior da Secção Por- tuguesa. Mais uma vez, seria a conjuntura da época que possibilita- ria um maior aproveitamento destas redes de transferência de conhecimento, desta feita devido à necessidade de reformar a Admi- nistração Pública sentida na década de 1960. De facto, a partir da criação do Secretariado da Reforma Administrativa em 1967, iria verificar -se a transformação da Secção Portuguesa em Instituto Por- tuguês de Ciências Administrativas, bem como uma maior colabora- ção e articulação internacionais entre os técnicos portugueses e os seus congéneres estrangeiros.

Neste âmbito, é interessante verificar a forma como a participação nestas redes de transferência de conhecimento possibilitou a inter- nacionalização de um conjunto de agentes que viriam a tornar -se promotores da modernização da Administração Pública e difusores dos princípios de organização científica do trabalho administrativo. Marcello Caetano é, como foi referido, um dos melhores exemplos desta realidade. No entanto, um conjunto de outros indivíduos pos- sibilitaram o estudo e aplicação de métodos científicos de organiza- ção do trabalho nos organismos nos quais detinham cargos supe- riores. A sua ação e o impacto das ações de formação e das análises e questionários elaborados constituíram, de facto, um dos mecanis- mos através dos quais a organização científica do trabalho adminis- trativo se difundiu em Portugal. Além disso, é notório como os co- nhecimentos obtidos através da colaboração com o Instituto Internacional foram bastante relevantes para a forma como a Refor- ma Administrativa foi desenvolvida no final da década de 1960 e primeira metade da década de 70. De facto, atentando nas experiên- cias de reforma da Administração Central levadas a cabo noutros países, é possível verificar várias semelhanças nos objetivos e ins- trumentos utilizados.

A cooperação para a eficiência. Portugal, o Instituto Internacional de Ciências Administrativas e as redes internacionais de cooperação

no âmbito da Administração Pública

Por último, é ainda necessário ter em consideração que o Institu- to Internacional de Ciências Administrativas seria apenas uma das instituições que, no terceiro quartel do século xx, possibilitariam a

criação de redes de transferência de conhecimento em matéria de organização científica do trabalho administrativo. É necessário não esquecer os papéis da OCDE e de outros organismos ligados à ajuda Marshall cuja ação passava, também, pela difusão de métodos que permitissem um desenvolvimento económico e social sustentado atra- vés da modernização da Administração Pública. Porém, no caso por- tuguês, trata -se de um eixo de cooperação internacional que, além de apresentar uma longevidade bastante relevante, permite ainda identificar uma relação direta com alguns dos mais importantes ato- res da reforma da Administração Pública no Portugal do Estado Novo.

Fontes e bibliografia

ALMEIDA, Manuel Marques de – A modernização da administração e a decisão político‑

‑administrativa. Lisboa: Gabinete de Estudos António José Malheiro, 1973.

AZEVEDO, Ana Carina – A organização científica do trabalho em Portugal após a II

Guerra Mundial: 1945 ‑1974; sob a orientação de Maria Fernanda Rollo. Lisboa:

Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, 2014. Tese de Doutoramento em História.

AZEVEDO, Ana Carina – A organização científica do trabalho administrativo em Portu- gal: o Ministério das Finanças enquanto “laboratório administrativo”? (1945 -1974).

Estudos do CEPE. Centro de Estudos e Pesquisas Econômicas, n.º 45 (2017), pp. 92-

-108.

AZEVEDO, Ana Carina – O desenvolvimento do sector da consultoria e a difusão da organização científica do trabalho em Portugal: uma relação próxima?. Bulletin

for Spanish and Portuguese Historical Studies. Vol. 38, n.º 1 (2013), pp. 137 -154. Ciências Administrativas. Boletim do Instituto Português de Ciências Administrativas

(1969 -1973). Lisboa: Instituto Português de Ciências Administrativas.

Diário das Sessões da Assembleia Nacional (1945 -1974). Lisboa: Assembleia da República. Diário do Governo II Série. 181 (9 de agosto de 1928).

FAYOL, Henry – Administration industrielle et générale. Paris: Dunod, 1920.

FISCH, Stefan – Origins and history of the international Institute of Administrative Sci- ences: from its beginnings to its reconstruction after World War II (1910 -1944/47).

In RUGGE, Fabio and DUGGETT, Michael – IIAS/IISA. Administration and service

(1930 ‑2005). Bruxelas: IOS Press, 2005, pp. 35 -60.

GONÇALVES, Carlos Manuel – A Construção Social dos Quadros nos Anos 60: Algumas Perspectivas de Análise. Separata da Sociologia. Revista da Faculdade de Letras. Vol. 1, 1991, pp. 101 -164.

International Review of Administrative Sciences. 1957 -1974. Bruxelas: Instituto Interna-

cional de Ciências Administrativas.

Progreso en Administración Pública. 1953 -1956. Bruxelas: Instituto Internacional de

Ciências Administrativas.

MARTINS, Paulo Miguel – Cartas entre Marcello Caetano e Laureano López Rodó. Uma

amizade com história. Lisboa: Aletheia Editores, 2014.

Secretariado da Reforma Administrativa, Programa de actividades para 1968. Lisboa:

Secretariado da Reforma Administrativa, 1968.

Training possibilities in Europe, TCT – Newsletter Third Countrie Training. N.º 1. Paris:

Organização Europeia de Cooperação Económica [1960].«

ZILLER, Jacques – Birth of an Epistemic Community. Bruxelas: Instituto Internacional de Ciências Administrativas, n.d.

a dimeNSão europeia da educação.

a eScola como alicerce da cidadaNia

educatioN for europeaN citizeNShip.

the School aS the fouNdatioN of europeaN coNStructioN

Isabel Baltazar

ORCID: 0000 -0002 -2464 -8886

Resumo: Este capítulo pretende mostrar que a Dimensão Eu- ropeia da Educação pretende ser um processo contínuo de Educação para a Cidadania durante toda a escolaridade obri- gatória, desde o Pré -escolar ao Ensino Secundário, sendo a Escola o alicerce para uma Cidadania Europeia Ativa na So- ciedade. Tem objetivo mostrar a necessidade de educar para uma cidadania europeia, para que os direitos de cidadania introduzidos no Tratado de Maastricht sejam efetivamente conhecidos e vividos pelos cidadãos da Europa. Esta realida- de transformaria a cidadania formal numa cidadania ativa e os cidadãos da Europa em verdadeiros cidadãos europeus. Esta cidadania europeia surge como uma força legitimadora de um projeto europeu alicerçado na paz e na democracia. Sobretudo para evitar novos conflitos de nações de um con- tinente convalescente de dois conflitos à escala mundial. Esta

cidadania é gerada para evitar conflitos transnacionais decor- rentes da emergência de cidadãos de identidades de todos os Estados-membros da União Europeia. É um conceito comple- mentar às cidadanias nacionais e que combate as naturais tendências nacionalistas. No entanto, é tão frágil quanto o próprio projeto europeu, tão inacabado como esta Europa, e, por isso, o Referencial da Dimensão Europeia da Educação (Março de 2016) pretende ser um instrumento gerador desta Cidadania.

Palavras ‑Chave: Europa; Educação; Cidadania

Abstract: This book chapter aims to show that the European Dimension of Education aims to be an ongoing process of Ci- tizenship Education throughout compulsory schooling, from pre -school to secondary school, and the School is the founda- tion for an active European Citizenship in Society. It aims to show the need to educate for European citizenship, so that the citizenship rights introduced in the Maastricht Treaty are effec- tively known and experienced by the citizens of Europe. This reality would transform formal citizenship into active citizenship and the citizens of Europe into true European citizens. This European citizenship emerges as a legitimizing force for a Eu- ropean project based on peace and democracy. Above all, to prevent further conflicts of nations from a convalescent conti- nent of two conflicts on a world scale. This citizenship is ge- nerated to avoid transnational conflicts arising from the emer- gence of citizens of identities of all member states of the European Union. It is a concept complementary to the national citizenships and that it fights the naturalistic nationalist ten- dencies. However, it is as fragile as the European project itself, as unfinished as this Europe, and, therefore, the European

A Dimensão Europeia da Educação. A Escola como alicerce da Cidadania

Dimension of Education (March 2016) aims to be a tool that generates this Citizenship.

Keywords: Europe; Education; Citizenship

Vivemos um tempo de incertezas sobre o projeto europeu. O tem- po está nebulado, com fortes probabilidades de trovoadas, anun- ciadas por problemas sociais graves de xenofobia, racismo e ódio aos estrangeiros. Vejamos a questão dos refugiados e, também, o despontar de falta de paz dentro dos próprios Estados da Europa. Também se anunciam os nacionalismos e movimentos sociais ge- radores de conflitos. Em todos estes cenários, é urgente a Educação para Valores Europeus, na qual se inclui a Educação para uma Cidadania Europeia e a consciência de uma História e Cultura co- muns. Esta Europa do Conhecimento inclui uma dimensão europeia da Educação.

Estamos em crer que as crises sociais da Europa são, igualmen- te, oportunidades únicas para tomar consciência da necessidade de Educar para a Cidadania Europeia. Vitória Cardona tem uma obra sobre esta temática, onde se interroga no subtítulo: «Realidade, Desafio ou Utopia»?320

Ao longo destas páginas, vamos procurar mostrar que a Dimensão Europeia da Educação é já uma realidade, é ainda um desafio e sem- pre uma utopia.

320 CARDONA, Vitória – Educar para a Cidadania Europeia. Realidade, Desafio

No documento A Europa do Conhecimento (páginas 181-191)