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2.3. O Inconsciente, o Infinito e as Múltiplas Dimensões

2.3.1. O Inconsciente

Quando Freud descreve aquilo que ficou conhecido como o Inconsciente afirma a possibilidade de existir algo mais, algo que estava para lá do nosso saber e que parecia ter um papel determinante na vida psíquica. Não é difícil de imaginar como esta noção de uma estrutura desconhecida terá sido rejeitada na altura pelos seus pares.

Actualmente, como sabemos, o conceito de Inconsciente tem outra aceitação. De acordo com Matte-Blanco (1959), a descoberta das características do sistema Inconsciente é a mais criativa e mais fundamental de todas as descobertas de Freud, porque é nestas que as suas maiores contribuições para a Psicologia, especialmente as relacionadas com os sonhos, estão baseadas.

Na sua investigação sobre os processos inconscientes e sobre a forma como esta instância parecia funcionar, Freud (cit. por Matte-Blanco, 1959) afirma que o Inconsciente possui as seguintes características: ausência de tempo, ausência de contradição, ausência de negação, deslocamento, condensação e substituição da realidade externa pela psíquica.

No seu global, este conjunto de características podem ser chamadas as leis pelas quais o Inconsciente se rege. Qualquer forma de pensamento que esteja conforme estas regras difere

grandemente da lógica habitual do pensamento científico, também conhecida como a lógica aristotélica.

Ao estudar o pensamento esquizofrénico, Matte-Blanco (1959) detectou uma conformidade a certos princípios. Apercebeu-se que esses princípios se referiam essencialmente às características do sistema Inconsciente e que o pensamento esquizofrénico era apenas uma aplicação particular desses leis.

Concluiu então que o pensamento esquizofrénico se mostra em conformidade com dois princípios, que podem ser vistos, frequentemente, a operar simultaneamente no mesmo produto mental (Matte-Blanco, 1959).

O primeiro é representativo da normalidade da consciência, ou seja, um tipo de pensamento idêntico ao pensamento cientifico. O segundo princípio constitui o aspecto, ou parte, do pensamento esquizofrénico que corresponde ao pensamento do sistema Inconsciente. De acordo com este princípio, o Inconsciente trata o inverso de cada relação como idêntico à relação, ou seja, trata as relações como se estas fossem simétricas.

Podemos observar o segundo princípio através do seguinte exemplo, “O João é o pai do Pedro” o inverso na lógica do sistema Inconsciente (simétrica) seria “O Pedro é o pai do João” (Luzes, 2004). Na lógica aristotélica isto é um absurdo enquanto na lógica do sistema Inconsciente isto parece constituir uma regra (Matte-Blanco, 1959). Assim, no pensamento simétrico uma parte pode ser igual ao todo e vice-versa.

Deste modo, Matte-Blanco (1959) afirma que as características do Inconsciente descritas por Freud são uma aplicação do segundo princípio ou dos dois princípios combinados. No Inconsciente, parece então existir a predominância de relações simétricas sobre as assimétricas, já que, sob esta lógica, é possível explicar todas as características que Freud atribuiu a esta instância. Alguns anos mais tarde, este autor vai acrescentar a ausência de espaço como outra das características do sistema Inconsciente (Matte-Blanco, 1975).

É, pois, com recurso à lógica matemática que Matte-Blanco vai proporcionar ao Inconsciente Freudiano uma nova leitura. Mais do que isso, desenvolve uma forma de compreender os processos conscientes e inconscientes. A vida psíquica é aqui entendida como uma interacção dinâmica perpétua em termos de tensão, cooperação ou união entre duas formas fundamentais de ser que existem dentro da unidade de cada Homem: o pensamento consciente e inconsciente (Matte-Blanco, 1975).

Com o desenvolvimento da sua teoria, Matte-Blanco vai então conceptualizar a existência de uma lógica bi-valente (a lógica clássica ou aristotélica), em que existem relações simétricas e assimétricas, mas que é mediada pela negação. E uma bi-lógica, na qual está

também presente a assimetria e a simetria, mas com predomínio da última (Grotstein, 2000/2003).

Desta forma, existiriam dois modos diferentes e co-existentes de “existência no mundo”, um homogéneo ou indivisível e outro heterogéneo ou divisível. A escolha da criança está assim entre um estado de existência indiferenciado, que se caracteriza pela simetria absoluta (o modo indivisível) e outro no qual há um predomínio da diferença, revelando as desigualdades da realidade (o modo divisível) (Grotstein, 2000/2003).

Contudo, a lógica simétrica (bi-lógica) e a lógica assimétrica (bi-valente) podem existir de vários modos na relação uma com a outra. De acordo com Matte-Blanco, no nível mais profundo, do Inconsciente, todos experimentamos uma unidade entre nós próprios, toda a gente e todas as coisas. O que não é incompatível com o reconhecimento das diferenças no nível menos profundo e mais consciente (Pereira, 1998).

Assim sendo, a experiência humana pode ser concebida como estruturada pela existência de séries infinitas de estratos, nos quais a nossa capacidade para reconhecer as diferenças declina com o aumento da simetria. Destes, o autor reconhece cinco estratos nos quais há uma combinação particular de lógica simétrica e assimétrica (Pereira, 1998).

No primeiro estrato, a experiência é caracterizada pela consciência da separação dos objectos. No nível mais consciente deste estrato existe a concepção ou percepção do concreto e das coisas bem definidas: uma pessoa, um objecto material, um pensamento preciso referente a um facto concreto, ou uma noção abstracta, tal como o conceito de liberdade. No nível menos consciente explora-se as relações entre o objecto concreto e outro, percebe-se as diferenças e as similaridades. Este primeiro estrato é onde o pensamento é delimitado e absolutamente assimétrico.

O segundo estrato pode ser definido pela similaridade entre as características da consciência e as emoções.

O terceiro estrato é aquele em que as diferentes classes (conjunto com uma característica em comum) são identificadas e em que a simetria tem lugar. Neste estrato, que identifica o individual e a classe, a intensidade tende para valores infinitos.

O quarto estrato é definido pela formação de classes e, por isso, também é simétrico, ainda que algumas diferenciações de classe possam ser assimétricas. Matte-Blanco pensa que é neste estrato que alguns esquizofrénicos tendem a funcionar. Existe uma ausência de contradição.

O quinto e último estrato é aquele em que o processo simétrico tende para o limite matemático da indivisibilidade, é pois o estrato mais profundo – puro modo indivisível.

Deste modo, quanto maior é o grau de simetria numa camada estratificada mais perto está das obscuridades do Inconsciente, quanto maior o for o grau de assimetria mais perto essa camada estará dos altos níveis da consciência. Podendo existir um número infinito de estratificações entre a indivisibilidade absoluta do Inconsciente e a heterogeneidade da consciência (Grotstein, 2000/2003).

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