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1 TRATAMENTO JURÍDICO INTERNACIONAL DOS CASOS DE SUBTRAÇÃO

1.1 Conceitos essenciais para discussão jurídica: definição de

1.1.1 O instituto da guarda: definição e relação com a subtração de menores

4 TIBURCIO, Carmen; CALMON, Guilherme. Sequestro internacional de crianças: comentários à Convenção de Haia de 1980. São Paulo: Atlas, 2014.

5 LOPES, Rachel de Oliveira; COSTA, José Augusto Fontoura. Análise das convenções sobre

restituição internacional de crianças indevidamente transportadas ou retidas à luz da teoria dos regimes internacionais. Sequência, Florianópolis , n. 72, p. 125-144, Abr. 2016. Disponível em:

<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2177-70552016000100125&lng=en&nrm=iso>.

Acesso em: 4 jun. 2017.

6 Ibidem.

Para um melhor entendimento, do instituto da subtração/sequestro internacional de crianças no Brasil, faz-se oportuno explicitar os principais tipos de guarda trazidos pelo ordenamento jurídico brasileiro. Há que se falar em três modalidades principais de guarda, são elas: a guarda unilateral, a guarda compartilhada e a guarda alternada.7

De acordo com o artigo 1.583 do Código Civil (CC), a guarda unilateral é a que é atribuída a apenas um dos genitores, mas isso não exime o outro genitor de suas responsabilidades parentais, tanto que o Código Civil mesmo estabelece que o genitor não- guardião deverá “monitorar” o interesse do menor. Isso porque o outro continua sendo detentor do chamado “poder familiar”, instituto cuja compreensão será de grande valia para melhor entendimento de conceitos trazidos pela Convenção. Além das obrigações para com o menor, o genitor que não detém a guarda também terá direito de visitar o filho, conforme acordado entre as partes ou estabelecido em juízo, podendo, inclusive questionar perante o poder judiciário qualquer privação desse direito. 8

Já a guarda compartilhada consiste naquela em que os genitores exercem conjuntamente as responsabilidades parentais, cabendo a ambos as decisões relevantes em torno da vida do menor. Apesar de ser uma modalidade favorável ao convívio do menor com os pais, para alguns autores, seria incompatível com casos plurilocalizados, exatamente pelo fato de exigir um acompanhamento efetivo de ambos os pais em relação ao filho. Nesta modalidade de guarda, a detenção do poder familiar por ambos os genitores fica mais clara do que nas duas outras. 9

Por fim, a guarda alternada vem caindo em desuso e não é trazida expressamente pelo Código Civil brasileiro, mas trata-se da modalidade em que cada um dos pais poderá ter a posse da criança por período igualitário. 10

A decisão que define a atribuição da guarda a um dos genitores tem como critério principal, de acordo com o Código Civil de 2002, a comprovação de melhores condições para exercício da guarda.

7 MONACO, Gustavo Ferraz de Campos. Atribuição da guarda e suas conseqüências em direito internacional privado. 2008. 212 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós- Graduação da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.

8 BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília, 2002. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 17 maio 2017.

9 Ibidem.

10 MONACO, op. cit.

Uma das consequências da atribuição da guarda unilateral do menor, por exemplo, é o estabelecimento do direito de visita por parte de um dos genitores. Esse direito de visita é reconhecido, inclusive pela comunidade internacional, como um direito fundamental, de tal modo que não pode, em regra, o genitor guardião criar óbices ao seu exercício. A retenção dos filhos pelo genitor que goza do direito de visita, bem como as inúmeras recusas por parte do guardião ao exercício do direito de visita pelo outro, podem ensejar a busca e apreensão dos filhos. No âmbito internacional, pode-se dizer que a retenção e a recusa supracitadas configuram o instituto da Subtração/Sequestro Internacional de Crianças. 11

Nos casos em que os genitores morem em países distintos, o exercício desse direito de visita ganha contornos mais complexos à medida que o menor tem que sair do território nacional, o que já é uma grande deixa para que o ascendente a quem está visitando o retenha ilícitamente, impedindo o seu retorno, o que configura expressamente a subtração/sequestro internacional. 12

Ademais, ainda no que tange a este direito de visita, é válido ressaltar que, tem-se entendido que ele também está abrangido pela subtração/tem-sequestro internacional de crianças, o que significa que o desrespeito ao referido direito também pode constituir hipótese de subtração/sequestro. Esse entendimento se dá a partir de uma interpretação analógica do artigo 1º, “b” da Convenção de Haia de 1980 sobre os aspectos civis do insituto ora abordado. 13

Não há qualquer dúvida quando se fala que, no caso de a guarda ser exercida conjuntamente pelos pais, não pode um dos genitores se deslocar para outro país sem a autorização expressa do outro, uma vez que a saída do território nacional já configuraria a subtração internacional. No entanto, o mesmo não é verdade quando se fala que, sendo a guarda exercida de forma unilateral por um dos genitores, este não pode retirar a

11 MONACO, Gustavo Ferraz de Campos. Atribuição da guarda e suas conseqüências em direito internacional privado. 2008. 212 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós- Graduação da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.

12 LOPES, Rachel de Oliveira; COSTA, José Augusto Fontoura. Análise das convenções sobre restituição internacional de crianças indevidamente transportadas ou retidas à luz da teoria dos regimes internacionais. Sequência, Florianópolis , n. 72, p. 125-144, Abr. 2016. Disponível em:

<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2177-70552016000100125&lng=en&nrm=iso>.

Acesso em: 4 jun. 2017.

13 TIBURCIO, Carmen; CALMON, Guilherme. Sequestro internacional de crianças: comentários à Convenção de Haia de 1980. São Paulo: Atlas, 2014.

criança do país sem autorização do outro genitor, ou seja, a sociedade construiu a ideia de que, havendo guarda unilateral, o cuidador primário tem total poder de deslocar a criança sem nem sequer consultar o outro genitor, o que se dá em razão de conceitos construídos erroneamente na sociedade. 14

É a partir do entendimento do direito de guarda que faz-se possível entender a subtração, que, como trazido pelo artigo 3º da Convenção, é considerada ilícita quando houver violação do direito de guarda definido conforme a lei do local de sua residência habitual, que, por sua vez, é definida pelo lugar onde é exercida esta guarda.15

Ao determinar qual tipo de guarda deverá ser adotado e quem deverá detê-la, caso seja unilateral, a autoridade judicial brasileira deverá sempre observar o que será melhor para a criança, analisando um complexo conjunto de fatores. Portanto, quando definida a guarda, presume-se que se buscou proteger da melhor forma o interesse da criança.

No entanto, no estudo do fenômeno da subtração/sequestro internacional de crianças, a questão é saber como seria realizada essa determinação de guarda quando os possíveis detentores residem em países distintos. Para isso, recorre-se ao Direito Internacional Privado e, analisando o que dispõe o artigo 7º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), percebe-se que deverá ser aplicada a Lei do local de domicílio da criança quando o julgamento for feito por autoridade judiciária brasileira, mas isso dependerá da norma de Direito Internacional do país competente.16 Portanto, o elemento de conexão ora adotado foi a residência habitual do menor e não a nacionalidade como o era antes.17

Ao fazer essa análise, pode-se afirmar, categoricamente, que, se uma pessoa detém o direito unilateral de guarda da criança por uma determinação judicial, há que se presumir que, se tiverem sido observados todos os critérios trazidos pelas normas e a

14 BRASIL. Decreto n. 3.413, de 14 de abril de 2000. Promulga a convenção sobre os aspectos civis do sequestro internacional de crianças, concluída na cidade de Haia, em 25 de outubro de 1980. Brasília, 2000. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3413.htm>. Acesso em 17 mai.

2017.

15 Ibidem

16 BRASIL. Decreto-Lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Brasília, 1942. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del4657compilado.htm>. Acesso em: 15 maio 2017.

17 BOTINHA, Sergio Pereira Diniz. O direito internacional privado e o seqüestro interjurisdicional de crianças. Conteudo Juridico, Brasilia: 03 set. 2013. Disponivel em:

<http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.45015&seo=1>. Acesso em: 04 jun. 2017.

necessidade de proteção de que o menor carece, essa pessoa tem melhores condições de cuidar diretamente da criança, caso contrário, o Poder Judiciário teria eleito a outra parte como detentora da guarda. Partindo desse ponto, poderia-se dizer que o melhor interesse da criança, na maioria das vezes, será atendido se ela for mantida com sua guardiã, pelos motivos que levaram o juiz a eleger essa pessoa como tal, devendo-se sempre resguardar os direitos da outra parte, como, por exemplo, o direito de visita, ainda que resida em outro país, desde que sejam obedecidas as determinações judiciais ou acordos realizados previamente entre as partes. No entanto, isso dependerá muito do que se entende por “melhor interesse da criança”. 18

A questão da guarda chega a contornos complexos quando a residência dos genitores é estabelecida em Estados distintos, uma vez que podem ser encontradas dificuldades para eleger uma lei mais favorável à tutela dos direitos da criança. O direito alienígena será afastado caso sua aplicação possa ferir a ordem pública ou ainda no caso de ser constatado algum tipo de fraude que leve à sua aplicação, como, por exemplo, a alteração de um elemento fático que culmine na incidência da norma estrangeira que se mostrará, a partir da fraude, mais benéfica à criança. Esse conflito se dá pelo fato de que, estando um dos genitores domiciliado em Estado distinto, o Judiciário daquele país poderá se considerar competente ao mesmo tempo que a autoridade judicial brasileira, por exemplo, o fará19.