2. O INTERESSE PÚBLICO NA PAUTA LEGISLATIVA AMBIENTAL
2.1 O INTERESSE PÚBLICO NAS POLÍTICAS PÚBLICAS AMBIENTAIS
Para se qualificar positiva ou negativamente uma escolha política
268(por
interesse público) do veto, quanto à proteção ambiental, existem muitas
correntes ambientais possíveis
269. Isso acontece porque há uma enorme cisão
sobre as perspectivas de quem enxerga o meio ambiente
270. Há quem o defenda
como essencial para toda forma de vida, mas também quem, em um outro
extremo, ache que a questão ambiental não importa
271.
Ocorre que para que seja possível desenvolver uma pesquisa qualitativa
e quantitativa
272, os conceitos dos atributos precisam estar delimitados
273, o que
merece ser trabalhado, quanto ao elemento político, neste tópico. Tal medida
268 Note-se que esta tese parte de uma dignidade da legislação que não se pauta em um
legislador singular e de inteligência superior (WALDRON, 2003, p. 40). Sabe-se que a legislatura é composta não apenas de um monarca, “mas de centenas de pessoas, com crenças e interesse divergentes e muitas vezes conflitantes, defrontando-se como iguais em um ambiente altamente estruturado e formalizado” (WALDRON, 2003, p. 34). No caso, ao analisar a escolha política, estamos fazendo uma leitura sobre essa argumentação, não almejando encontrar a intenção do legislador.
269 Uma possibilidade seria dividir as políticas ambientais, quanto à ética, em posições
biocêntrica, ecocêntrica e antropocêntrica, mas este componente foi utilizado no modelo de Estado de Direito Ambiental desta tese, conforme capítulo 1.
270 Para compreender esse processo do movimento ambientalista no Brasil, ver: Svirsky;
Capobianco, 1997; Franco; Drummond, 2009; Franco; Schittini; Braz, 2005.
271 Dryzek, 2013, p. 6. Para ilustrar esse pensamento, o autor narra o caso de Ronald Regan,
Presidente Americano que afirmou que 90% da poluição seria causada pelas árvores. Infelizmente, este pensamento continua muito atual, como se pode observar nas ações de Donald Trump, ao negar o aquecimento global. Durante a campanha presidencial, o agora Presidente Americano defendia que as mudanças climáticas eram uma "mentira inventada pelos chineses" (CYMBALUK, 2017). No Brasil, também há quem defenda posições como essa. Cf. Vieira; Bazzo, 2007.
272 Sobre a viabilidade de uma pesquisa ao mesmo tempo qualitativa e quantitativa, Cf: “Much
valuable research fits squarely within either the qualitative or quantitative tradition, reflecting a specialization in one approach or the other. Tradução livre: “Muitas pesquisas valiosas enquadram-se diretamente na tradição qualitativa ou quantitativa, refletindo uma especialização em uma abordagem ou outra.” (COLLIER; SEAWRIGHT; BRADY, 2003, p. 6). Ver também: Gerring; Thomas, 2011, p. 2190-2191.
273 Cf. “Qualitative work is not wedded to ordinary language. The point is, in creating a variable,
one is forced to make explicit choices about which definitional attributes apply properly to a class of phenomena and which do not.” Tradução livre: “O trabalho qualitativo não está ligado à linguagem comum. O ponto é, ao criar uma variável, ser forçado a fazer escolhas explícitas sobre quais atributos de definição se aplicam corretamente a uma classe de fenômenos e quais não”. (GERRING; THOMAS, 2011, p. 2194).
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será indispensável para que se possam comparar
274, posteriormente, os
argumentos da burocracia política e jurídica com as decisões presidenciais no
processo legislativo ambiental.
Sabe-se das dificuldades de conceituar o movimento ambientalista, ante
sua diversidade política e cultural, mas parece relevante demarcar as diferenças
dos discursos que buscam “corrigir formas destrutivas de relacionamento entre
o homem e o seu ambiente natural, contrariando a lógica estrutural e institucional
predominante”.
275Parte-se, por isso, de uma visão de ambientalismo como
fenômeno social, econômico e político
276, mas que detém características
próprias do contexto em que se insere. Como essa pesquisa se dedica à posição
do Poder Executivo no processo legislativo ambiental, o ponto de partida para
caracterizar o interesse público ambiental será o movimento ambientalista
brasileiro.
Ocorre que o movimento ambientalista brasileiro diverge quanto aos seu
início e às suas respectivas características
277. Existe uma divisão entre duas
posições sobre o marco inicial do movimento ambientalista no Brasil e a sua
respectiva caracterização.
A primeira posição defende que o ambientalismo brasileiro surgiu entre
1820 e 1920
278, relacionando-se a uma preocupação política
279. Caso se adote
274 Cf. “First, comparable observations must share a set of relevant descriptive attributes
(dimensions). This is what makes them comparable.” (…) “The defining attributes of a concept must be valid across the designated observations.” Tradução livre: “Primeiro, observações comparáveis devem compartilhar um conjunto de atributos descritivos relevantes (dimensões). Isto é o que os torna comparáveis” (...) “Os atributos de definição de um conceito devem ser válidos entre as observações designadas”. (GERRING; THOMAS, 2011, p. 2192).
275 Castells, 2008, p. 143.
276 Apesar de contarem com características próprias, todos os ambientalistas buscam “a
manutenção da qualidade do meio ambiente humano” (MCCORMICK, 1992, p. 18).
277 Não há também um reconhecimento claro sobre o surgimento do movimento ambiental como
um todo (MCCORMICK, 1992, p. 21).
278 Juliana Santilli (2005, p. 25) defende que a crítica ambiental nasceu no Brasil nos séculos
XVIII e XIX com a reação contra o modelo de exploração colonial e a intensa devastação ambiental deste modelo, não acolhendo a origem americana ou europeia.
279 Pádua, 1997, p. 13. O autor defende que essa preocupação política é o principal elemento a
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este marco, devem-se, então, rechaçar os mitos de que as preocupações
ambientais surgiram no primeiro mundo e de que o ambientalismo brasileiro foi
importado, não detendo sua identidade própria
280. O ambientalismo brasileiro
teria surgido, então, como uma reação ao colonialismo vigente
281. Nele, os
intelectuais racionalistas fizeram uma crítica à destruição do patrimônio natural
brasileiro, afastada de uma visão estética. A motivação para essa defesa era o
valor político e instrumental da natureza para o progresso brasileiro
282. Por conta
das particularidades únicas do contexto nacional, o movimento ambiental
brasileiro teria uma identidade própria. O ambientalismo brasileiro teria surgido
de uma visão conservacionista
283.
A segunda posição, contudo, defende que os Estados Unidos, no século
XIX, bem como a Grã-Bretanha de 1860
284, devem ser reconhecidos como
influenciadores do marco inicial brasileiro, reproduzindo-se, no Brasil, a
280 Pádua, 1997, p. 14-16; Franco; Drummond, 2009; Santilli, 2005.
281 Para justificar esse marco inicial, José Augusto Pádua (1997, p. 16-18) enumera como
expoentes desse ambientalismo inicial: José Bonifácio, em 1815, com um enfoque ecológico da economia; Joaquim Nabuco, em 1883, ao diagnosticar a situação ambiental brasileira; Euclides da Cunha, na virada do século XIX, ao criticar a mineração a céu aberto; e Alberto Torres, no início do século XX, com suas preocupações com as gerações futuras. Ver também, Diegues, 2002, p. 115-120, Drummond; Franco; Ninis, 2009, p. 466-467; Veiga; Zats, 2008, p. 9-10; Leuzinger, 2007, p. 88-89, que acrescentam a figura de André Rebouças, na defesa da criação dos primeiros parques nacionais; Franco; Drummond, 2009, que apesar de reconhecerem o início neste período, ressaltam uma perspectiva mais pragmática na abordagem sobre natureza e os recursos naturais. Para atestar o marco temporal do nascimento do ambientalismo brasileiro, podem-se citar a primeira Conferência Brasileira de Proteção à Natureza, realizada em 1934, além do protagonismo de Alberto Torres, com ideias próximas ao que hoje corresponderia ao desenvolvimento sustentável. No período de 1920-1940, as preocupações ambientais articulavam motivos utilitários, estéticos e científicos para a defesa do patrimônio natural brasileiro, materializado no primeiros Códigos Florestal e da Águas, de 1933 e 1934, respectivamente (FRANCO; SCHITTINI; BRAZ, 2005, p. 240-241; DRUMMOND, 1999, p. 10). José Afonso da Silva (2011, p. 37-38) inclui ainda, na pauta ambiental deste período, o Regulamento de Saúde Pública, de 1923, além do Código de Pesca, de 1938.
282 Franco; Schittini; Braz, 2005, p. 238-239.
283 Santilli, 2005, p. 25-26; Drummond, 1997, p. 19-25. Não haveria espaço para o romantismo
do preservacionismo, pois a tônica do pensamento ambiental brasileiro teria nascido em uma pauta de racionalidade. No Brasil, não se replicaria a cisão entre preservacionistas e conservacionistas que ocorreu nos Estados unidos (FRANCO; SCHITTINI; BRAZ, 2005, p. 238- 239; 257).
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separação
285entre os preservacionistas
286(pregam a preservação das áreas
virgens, permitindo a utilização apenas para recreação ou educação) e os
conservacionistas
287(pregam a utilização racional dos recursos naturais e o
combate ao desperdício). As primeiras ideias sobre as correntes ambientalistas,
refletidas no Brasil, estariam nos embates americanos sobre a criação dos
Parques Nacionais, iniciada em 1872, com a criação do Parque Nacional de
Yellowstone
288. Valendo-se desses conceitos, poder-se-ia dizer que a história
brasileira teve um surto de atividade preservacionista na década de 1930
289, com
285 Bulzico; Gomes, 2010, p. 4-5. Para aprofundar os conhecimentos sobre a história do
movimento ambiental, ver: Mccormick, 1992, p. 21-43, Nash, 1989.
286 Nos Estados unidos, destaca-se o papel John Muir, naturalista e escritor norte-americano do
século XIX, que lutou pela preservação do patrimônio natural dos Estados Unidos (BULZICO; GOMES, 2010, p. 4-5; LEUZINGER, 2007, p. 66-67; MCCORMICK, 1992, p. 30-31). Essa tradição da preservação engloba autores como Henry David Thoreau, John Muir e George Marsh (DIEGUES, 2002, p. 30-31; NASH, 1989, p. 17-48; MCCORMICK, 1992, p. 28-43). Há uma preocupação com a natureza selvagem e de beleza estética, com grandes áreas não-habitadas, ante o extermínio indígena americano e a expansão da fronteira para o Oeste (DIEGUES, 2002, p. 24) Caso se utilize seu sentido mais extremo, alcança-se o deep ecology de Arne Naess, George Sessions e Bill Devall (FRANCO, 2013, p. 41). Há, ainda, o ecofeminismo, que defende que as mulheres são vítimas da mesma violência sofrida pela natureza (CASTELLS, 2008, p. 149). Paulo de Bessa Antunes (2014, p. 11) define o preservacionismo como uma corrente que se distancia dos movimentos sociais e das lutas políticas, que não acredita na possibilidade de envolvimento das populações tradicionais na conservação da biodiversidade. Segundo o autor, para essa corrente doutrinária, as populações tradicionais – e os pobres de uma maneira geral – são uma ameaça à conservação ambiental.
287 O conservacionismo baseia-se na ciência florestal alemã e foi liderado por profissionais do
manejo florestal, hidrologia, e geologia, o que o caracterizou pelo planejamento eficiente e racional do uso dos recursos naturais (AFONSO, 2006, p. 18). O nascimento dessa corrente nos Estados Unidos tem um papel de destaque para Gifford Pinchot, no final do XIX, como ator importante na consolidação do conservacionismo. Pinchot defendia que as florestas americanas poderiam ser gerenciadas de modo a contribuir com a economia do país (BULZICO; GOMES, 2010, p. 5; DIEGUES, 2002, p. 29-30; LEUZINGER, 2007, p. 69; MCCORMICK, 1992, p. 31).
288 (AFONSO, 2006, p. 18; DIEGUES, 2002, p. 16; LEUZINGER, 2007, p. 67; VEIGA; ZATS,
2008, p. 9). O marco equivalente para o Brasil seria a criação do Parque Nacional de Itatiaia, em 1937, decorrente da transformação de uma versão estadual. Contudo, pode-se citar anteriormente a primeira reserva federal estadual de São Paulo, na Serra da Cantareira, em 1896, e a estação ecológica do alto da serra, em Cubatão, doada ao museu paulista em 1909. (FRANCO; SCHITTINI; BRAZ, 2005, p. 234-240).
289 Juliana Santilli (2005, p. 25-26) e José Augusto L. Drummond (1997, p. 19-25) no entanto,
entendem que o período se inicia em 1920, com o tratado de proteção às aves úteis para a agricultura e se estende até 1970.
107
a criação dos primeiros Parques Nacionais
290e a edição dos primeiros códigos
ambientais
291. As primeiras preocupações nacionais com o meio ambiente se
pautavam, então, na preservação da natureza em seu estado inicial, sem a
intervenção humana
292. Somente depois uma pauta conservacionista
293teria
espaço no debate nacional, disputando espaço com a preservacionista.
Mais do que essa dicotomia, cabe reconhecer que não existia, no
surgimento do ambientalismo brasileiro, uma clareza conceitual sobre o conceito
de conservacionismo
294. Apenas após a identificação da Fundação Brasileira
para a Conservação da Natureza - FCBN como conservacionista
295, este
conceito passou a ter contornos mais definidos.
Juliana Santilli
296, José Augusto L. Drummond
297e José Luiz de Andrade
Franco
298, por não aceitarem a importação da divergência americana entre
conservacionismo e preservacionismo na história brasileira, defendem que esse
período foi marcado por iniciativas de cunho conservacionista. Contudo, Santilli
explica que nessas ações o objetivo era “preservar algumas áreas naturais e
ecossistemas da ação humana destrutiva e de atividades econômicas
290 Para discordar da visão que a criação dos primeiros parques foi preservacionista, Franco;
Schittini; Braz (2005, p. 240) ressaltam que a motivação para esta criação foi o potencial econômico do turismo.
291 Little, 2003, p. 14.
292 A história brasileira, de maneira institucional, sobre a pauta ambiental, só começa da década
1970, com a criação de instituições específicas como a SEMA – Secretaria Especial do Meio Ambiente, vinculada ao Ministério do Interior (MCALLISTER, 2008, p. 29). Apesar de se considerar um avanço, trata-se de um ato mais simbólico que prático, ante a pouca importância que era dada à pauta ambiental pelo Governo brasileiro (BURSZTYN, 1993, p. 86-87).
293 Antônio Carlos Diegues (2002, p. 130-131) afirma que a partir da década de 1970 surge um
ecologismo de denúncia no Brasil. Um de seus marcos é o Manifesto Ecológico Brasileiro: O Fim do Futuro, de 1976, com crítica ao progresso desmedido e ao desperdício dos recursos.
294 Franco; Drummond, 2009, p. 60-61.
295 A Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza - FCBN foi a mais importante
organização não-governamental ambiental brasileira naquele período, fundada por servidores públicos. Apesar de se reconhecer como conservacionista, não se pode deixar de dizer que há uma prevalência, na sua estratégia, da visão preservacionista (FRANCO; SCHITTINI; BRAZ, 2005, p. 257; DIEGUES, 2002, p. 129). Há de esse reconhecer, portanto, uma influência dos preservacionistas americanos.
296 2005, p. 25-26. 297 1997, p. 19-25.
108
predatórias”. O objetivo da FCBN, também conservacionista, era “promover uma
ação nacional para a conservação dos recursos naturais e para a implantação
de áreas reservadas de proteção à natureza”
299. Nas palavras do Presidente da
FCBN, a conservação da natureza e dos recursos naturais consistiria na
“preservação do mundo vivo, ambiente natural do homem, e dos recursos
naturais renováveis da terra, fator primordial da civilização humana”. Em outras
palavras, os autores trabalham com um conceito de conservacionismo que
equivaleria a uma aglutinação do preservacionismo com o conservacionismo. A
FCBN pode, por isso, ser considerada preservacionista-conservacionista
300.
Prova disso é a definição do conservacionismo como orientação “voltada para a
proteção de ecossistemas e espécies, mas sem uma dimensão social
claramente incorporada”
301. Há, portanto, uma divergência conceitual, mas não
de conteúdo, sobre as ações estatais ambientais deste período, agregando-se,
no conceito de conservacionismo, as duas correntes ambientalistas de
preservação e conservação surgidas nos séculos XIX e XX
302.
Para esta pesquisa, apesar de entender a importância de aglutinar as
preocupações com a natureza e o meio ambiente em um único conceito
(conservacionismo), para ampliar a visibilidade da pauta, parece relevante
manter as diferenças essenciais dos dois pensamentos ambientais. Não se
deixa, então, de reconhecer o contexto único brasileiro, e sua relação com o
período colonial e o questionamento do poder, mas parece importante a
manutenção da distinção entre preservacionistas e conservacionistas
303. Isso
porque, como se observará na contextualização das políticas públicas
ambientais, há uma segregação de pensamento ambiental nos debates que
299 Idem; 2009, p. 62-63.
300 Franco; Schittini; Braz, 2005, p. 257. 301 Santilli, 2005, p. 29.
302 Franco; Drummond, 2009, p. 66-68; Leuzinger, 2007, p. 71-72. Pode-se exemplificar essa
atuação de aglutinação na ação da International Union for Conservation of Nature and Natural Resources - IUCN, ao rever sua pretensão inicial estritamente preservacionista, para uma perspectiva preservacionista-conservacionista.
303 Nesse sentido, Márcia Leuzinger (2007, p. 118) explica que os dois pilares das políticas
109
darão ensejo às leis ambientais entre 1988 e 2016. Logo, a distinção dentro do
conceito de conservacionismo parece relevante para este trabalho, apropriando-
se, para a construção da pesquisa, das peculiaridades conceituais das duas
correntes, por um lado, e do reconhecimento do modelo brasileiro como único,
por outro lado.
Cabe pontuar, contudo, que mesmo neste período de nascimento das
correntes ambientalistas brasileiras, havia no país um Estado hegemonicamente
desenvolvimentista
304. Apesar de existir quem defenda o desenvolvimentismo
como uma corrente do ambientalismo
305, parece melhor qualificá-lo como a
orientação política avessa à pauta ambiental, prevalente no Brasil, antes mesmo
de uma cisão do ambientalismo, em essência, entre os preservacionistas e os
conservacionistas
306.
Defende-se, portanto, nesta pesquisa, que o desenvolvimentismo não é
uma corrente do ambientalismo, mas sim uma perspectiva de aversão à pauta
ambiental, que prega o desenvolvimento a qualquer custo, adotada de maneira
predominante pelo Brasil por mais de sessenta anos, desde Getúlio Vargas em
1930 até a Rio 92
307, e que retoma força mais recentemente na arena política.
Aos olhos do desenvolvimentismo, a capacidade humana de conservação dos
recursos naturais deve se subordinar às exigências do desenvolvimento
304 Franco; Schittini; Braz, 2005, p. 243; Drummond, 1999, p. 9.
305 Medeiros, 2004, p. 29.30. Fernanda Luis Fontoura de Medeiros defende que o
desenvolvimentismo é uma das correntes do ambientalismo que durou até a década de 1960, no hemisfério norte, e até a década de 1970, no hemisfério sul, passando, depois, para uma era ecológica, o que envolve o embate entre preservacionismo e conservacionismo. Esta pesquisa, contudo, defende o desenvolvimentismo como uma oposição às correntes ambientalistas.
306 O desenvolvimentismo surge do esgotamento de um modelo primário-exportador, passando
a um contexto urbano-industrial com um novo modelo econômico a partir dos anos de 1930. No Brasil, o Estado desenvolve essa política, de maneira autoritária com a centralização na União. A partir da década de 1960 e 1970, a pretensão do Estado é incluir a classe média no mercado. Nas décadas de 1970 e 1980, a classe empresarial e trabalhadora se instala na esfera burocrática. No meio da década de 1980, os desafios passam a ser a estabilização econômica, a re-inserção internacional da economia e a institucionalização da democracia. Na década de 90, o objetivo das políticas sociais passou a ser amortecer os impactos junto às classes mais baixas (CORBUCCI, 2003, p. 62-75).
110
econômico.
Em resumo, o desenvolvimentismo
308prevaleceu
309na pauta política
brasileira, mesmo nos momentos em que surgiram os movimentos
ambientalistas
310. O Brasil detém, portanto, uma história marcada pelo viés
econômico. Apenas entre 1979-1988, esse modelo desenvolvimentista seria
questionado social e ambientalmente, ante a atuação de ativistas, gestores,
cientistas e políticos
311. As demandas da sociedade civil cresceram e se
materializam em importantes conquistas na pauta ambiental
312. O
questionamento ambiental foi marcado pelo viés predominante preservacionista,
em alguns momentos, e conservacionista em outros, como se pode observar na
história brasileira. Perceba-se que, a despeito da história brasileira ser marcada
pelo predomínio desenvolvimentista, há de se reconhecerem alguns avanços
preservacionistas e conservacionistas neste caminho.
A questão social, contudo, toma uma nova forma do contexto brasileiro,
com a ideia de socioambientalismo
313que confere espaço para as articulações
308 Outra prova da adoção brasileira ao desenvolvimentismo é a posição do país antes da
Convenção de Estocolmo. Naquela oportunidade, o desenvolvimento econômico era visto como forma de correção dos desequilíbrios ambientais e sociais (BRASIL, 1991, p. 181; DRUMMOND; BARROS-PLATIAU, 2006; DEAN, 2002, p. 307).
309 Como uma das preocupações deste trabalho será avaliar as decisões presidenciais quanto
às políticas públicas ambientais no período de 1988 a 2016, não cabe antecipar aqui os resultados. Contudo, existem autores que reconhecem o protagonismo do desenvolvimentismo durante toda a história brasileira.
310 Independentemente do momento em que se reconheça o nascimento, a predominância do
desenvolvimentismo se mantém.
311 Drummond; Barros-Platiau, 2006, p. 86-87; Drummond, 1999, p. 9. Para se aprofundar no
papel da sociedade civil no debate internacional ambiental, ver: Barros-Platiau; Varella; Schleicher, 2004, p. 118-120. Para conhecer a história da FBCN, ver: Franco; Drummond, 2009, p. 59-84.
312 Drummond; Barros-Platiau, 2006, p. 92-93; Barros-Platiau, 2011, p. 7-8. Para ver a luta pela
pauta ambiental, como um ato de subversão, que passa pela perspectiva de uma ridicularização pública da pauta, para após discuti-la, como relevante, e depois, por fim, adotá-la, ver: Nash, 1989, p. 1-16.
313 Carlos Marés (2002) entende que o socioambientalismo surge com a Constituição de 1988,
ao reconhecer no texto direitos coletivos e difusos como o meio ambiente, o patrimônio cultural, os valores étnicos, limitações à propriedade privada, o que se materializa em um novo direito fundado no pluralismo.
111
entre os movimentos sociais e o movimento ambientalista
314. O
socioambientalismo nasce da composição dos direitos sociais, culturais e
ambientais, numa intrínseca relação entre a proteção e a valorização dos direitos
sociais e dos bens culturais (materiais e imateriais) com os diferentes ambientes
que os abrigam, permitindo a reprodução física e cultural dos povos
315. Prega,
dentro do conceito ambiental, a defesa das populações tradicionais e os meios
de vida por elas utilizados
316.
Em resumo, a história do ambientalismo brasileiro poderia ser contada
com um predomínio desenvolvimentista, com momentos iniciais marcados por
avanços preservacionistas, com a criação de unidades de conservação
317,
seguido de medidas conservacionistas, como a instituição de limitações ao
direito de propriedade privada, com a definição da reserva legal e de área de
preservação permanente pelo Código Florestal
318, com um posterior crescimento
de demandas socioambientalistas
319, o que pode ser exemplificado com a
314 Santilli, 2005, p. 31; Franco; Schittini; Braz, 2005, p. 253. A junção entre o movimento
ambientalista e as lutas sociais é um fenômeno global, valendo-se de uma noção de justiça social, para conferir uma nova leitura a essa pauta (CASTELLS, 2008, p. 142)
315 Almeida, 2005, p. 17. Para Juliana Santilli, a legislação ambiental promulgada até 2000 dava
grande ênfase ao controle e à repressão de práticas lesivas ao meio ambiente, mas a partir dos anos 90 as leis editadas são socioambientais. Para embasar sua afirmação, exemplifica com a proibição da pesca de baleias (Lei nº 7.643/87), a proibição da pesca em períodos de reprodução (Lei nº 7.679/88) e a restrição de uso de agrotóxicos (lei nº 7.802/89). As políticas públicas espelhadas nas leis brasileiras, a partir os anos 90, passam a ser socioambientais. Como se demonstrará na seção 2.2, esta tese não se concorda com esta visão.
316 Franco; Schittini; Braz, 2005, p. 257. O conceito de comunidades tradicionais é tema complexo
e especialmente relevante no contexto brasileiro de relação homem/natureza. Para entender esta questão, ver: Diegues, 2002, p. 65-100.