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O interjogo entre ♀♂ (continente-conteúdo) e a oscilação PS e D (posição

4 SELECIONANDO FATOS PARA A SUSTENTAÇÃO DA CLÍNICA DE

4.2 A psicomecânica do pensar

4.2.1 O interjogo entre ♀♂ (continente-conteúdo) e a oscilação PS e D (posição

O ser humano tem uma personalidade multidimensional – uma identidade física tridimensional e uma identidade psíquica multidimensional – possuindo um movimento ininterrupto que põe em funcionamento sua vida. A existência da mente marcha a partir de dois movimentos elementares e simultâneos: o elemento ♀♂ (continente-conteúdo) e o elemento que é a oscilação PS e D (posição esquizoparanoide e posição depressiva). Como se trata de uma teoria complexa e esses elementos correspondem a abstrações, podemos compreendê-los se os vincularmos a outros elementos. Podemos, por exemplo, criar um modelo com base na imagem; assim, podemos formular uma precária e imperfeita compreensão por analogia: seio continente e boca conteúdo. No entanto, Bion adverte que, quando atalhamos um caminho, não podemos esquecer do contexto, da forma como se desenvolve a travessia.

Os elementos C (pensamentos oníricos, sonhos e mitos da grade) são usados para proporcionar apoio para a relação, a boca é um esteio, o seio é outro esteio. Tem-se considerado ambos os termos como o aspecto essencial da analogia. É exatamente este ponto que marca a divergência “entre o caminho do desenvolvimento e o caminho da deterioração. O seio e a boca só são importantes na medida em que servem para definir a ponte entre ambos. Quando os esteios usurpam a importância que cabe às qualidades que eles conferiram à ponte, o desenvolvimento é prejudicado. . . . A interpretação ou construção produzida pelo psicanalista depende do vínculo intuitivo entre analisando e analista. Como este vínculo é constantemente posto em perigo por ataques deliberados, pela sua fragilidade essencial e pela fadiga habitual, é necessário protegê-lo e mantê-lo. (Bion, 1971/1973, p. 124)

Desse modo, o aparelho de linguagem e as funções às quais se destina, principalmente no que se refere ao emprego da comunicação, criam e são criados por esses dois operadores. Esse processo é progressivo e sofre uma orquestração dos diferentes fatores que coexistem no acontecer da existência do indivíduo. Tal circuito é uma autoconstrução recorrente, e o tempo todo demanda um operar sobre si mesmo, engendrando um percurso do pensar. São esses mecanismos que engendram as condições de possibilidade para o pensar e o não pensar, que, simultaneamente, autoconstrói o aparelho para pensar os pensamentos. Nesse sentido os elementos que o compõem são funções da personalidade, governados por uma finalidade ou dirigidos a esta, implicando fatores ou metas. Esses constantes movimentos ainda que não possam ser observados, foram elucidados por Bion com analogias entre as qualidades primárias (♀♂, por exemplo) e qualidades secundárias (linha C da Grade: pensamentos oníricos sonhos e mitos; ver Anexo B, na medida em que só podem ser reconhecidos na prática da psicanálise, na relação intuitiva entre analista e analisando.

Como expressão do referido processo, Bion conceituou o ♀♂, continente-conteúdo como um elemento central que articula o campo linguagem, viabilizando diversas transformações. Os sinais espelho de Afrodite (ou Vênus na mitologia romana) ♀ e a lança de Áries (ou Marte) ♂ expressam a função matricial do elemento; portanto, fatores não saturados, que não representam, em um primeiro momento, o masculino e feminino, (a concepções psíquicas de sexos, masculino e feminino já denotam qualidades secundárias do processo de desenvolvimento do pensar, pois são atravessados pela realização). Assim, toda matriz, mais que forma ou conteúdo expressa o trabalho que se destina a fazer. Dessa forma, são aberturas, são pontes que viabilizam a construção das vinculações das diferentes partes mentais. O mecanismo ♀♂ entra em jogo, e os produtos de suas operações são os significados.

Quando reconsideramos que são os elementos de psicanálise, veremos que a importância disso está no fato de aqueles elementos, supostamente, possuírem certas

características como voracidade, amor, ódio, inveja, curiosidade. Os mecanismos envolvidos nesses fenômenos primitivos podem ser considerados, em sua forma simples, como PS-D (ou fragmentação – integração) e ♀♂ (ou expulsão – ingestão). Vou descrever agora estes mecanismos, reformulando-os em termos de modelos. (Bion, 1963/2004a, p. 55)

Usa o modelo da fecundação e da digestão como contraparte para designar essa condição inaugural, mítica, da origem e da manutenção da vida na mente do ser humano.

Para explicar a mecânica do pensar, abarcando tanto a produção, como o emprego dos pensamentos, Bion considerou a oscilação PS – D como mecanismos referentes da criação – delinear o objeto – e da elaboração, assim como ♀♂como os mecanismos relativos ao emprego – significado do objeto.

Continente-conteúdo,♀♂, é denominado por Bion (1963/2004a, p. 19) como “a relação dinâmica entre continente e conteúdo” e “como a característica fundamental da concepção de identificação projetiva de Melanie Klein”. Refere, como modelo, a relação bebê-boca-seio-mãe como o protótipo da relação continente-conteúdo.

Em seu livro Aprender com experiência, o autor dedica-se a desenvolver esse conceito. Descreve que a psique primitiva toma a realidade como a coisa-em-si de Kant. Um bebê recém- nascido vive um estado indiferenciado entre qualidades animadas e inanimadas, entre o eu e o outro, entre o contato com a realidade e a fantasia. Quando a mente do bebê sofre um incremento de estímulos, preponderará dois fatores na vinculação com a mãe: a identificação projetiva e o excesso de objetos dispersos, incompreensíveis, tomados e designados como maus.

A identificação projetiva divide a personalidade, cindindo-a e expulsando uma parte de aspectos de si não integrados para o externo, bem como convertendo essa em uma coisa. Assim, o interno fica garantido, mantendo a sensação de segurança e bem-estar por meio da onipotência, que, ainda que precariamente, organiza uma estabilidade imaginária e emocional na experiência. A princípio, trata-se de uma tentativa de comunicação, uma expectativa que o indivíduo possui de encontrar alguém que possa lhe acudir e lhe atender. De acordo com Bion, é essa a capacidade de transformar algo psíquico em uma “coisa” concreta, o padrão instaurador da abstração, motor de todo o pensar. De início, é a rêverie da mãe que permite a parte interna “boa” da personalidade do bebê se consolidar como um continente favorável ao crescimento psíquico e a vivência da confiança em sua vitalidade.

Aquilo que foi lançado para fora como identificação projetiva, em parte, foi percebido pela rêverie da mãe. Como resposta, a mãe acolhe, atende e fornece o que demanda o bebê, constituindo simultaneamente, esse espaço de comunicação continente-conteúdo.

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