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O Itamaraty e a formulação da Política Externa Brasileira

4 PROCESSO DECISÓRIO E DE LEGITIMAÇÃO INTERNACIONAL DO NOVO

4.2 Indicações sobre o Processo Decisório em Política Externa

4.2.1 O Itamaraty e a formulação da Política Externa Brasileira

Por muito tempo, o Itamaraty tradicionalmente dominou a definição da política externa, em outras palavras, era um órgão insulado. Apesar de esse ser um argumento questionável, ele indica que o MRE era o único responsável pela tomada de decisões, ou seja, sem intervenções alheias, apenas levando em conta o que considerava ser benéfico ao país. Entre as características do Itamaraty que lhe conferiram o título de insulado se encontram a identidade organizacional de seus membros; o profissionalismo e competência da organização, a institucionalização do serviço diplomático, além de autonomia burocrática (BARROS, 1986; LIMA, 1994; CASON e POWER, 2009).

Em linhas gerais, esse insulamento do MRE em matéria de política externa se deu pela

[...] origem social, a competência do treinamento, o isolamento e o relativo esoterismo dos diplomatas, tudo isso associado ao fato de constituírem eles um grupo homogêneo de elite, contribuiu para insular o processo de formulação da política externa (e em especial sua implementação) – atitude tomada por muitos, mas não por todos. (BARROS, 1986, p. 31).

Com o passar dos anos e, como resultado dos grandes eventos/fenômenos internacionais, como as grandes guerras mundiais, Guerra Fria, globalização, transnacionalização, entre outros, nas últimas duas décadas essa dominância do MRE em matéria de definição da política externa declinou (CASON e POWER, 2009). Isso se deveu,

conforme Cason e Power (2009) a dois fatores principais: o primeiro se refere ao aumento do número de atores e, o segundo, a um crescimento da diplomacia presidencial82.

Esses fatores, entretanto, não indicam que o Ministério se acomodou à nova dinâmica, mas sim que houve um declínio de sua influência. Outro fator que contribuiu de forma considerável para aumentar o número de vozes e de demandantes no processo de formulação da PE, foi a democratização brasileira. Isso supõe, portanto, que durante o regime militar brasileiro, o número de vozes era reduzido, de modo que o Itamaraty tinha mais liberdade no que concerne à formulação das decisões.

Apesar de nos últimos anos termos tido uma maior participação de outros atores, a imagem do Itamaraty, enquanto formulador de decisão sem muitas influências externas, ainda tem força. Não obstante, Cason e Power (2009) colocam que a medida que a atenção a política externa aumentou, o Ministério promoveu iniciativas para melhorar a comunicação e o diálogo com a sociedade. O MRE criou, por exemplo, um mecanismo consultivo com líderes empresariais para questões da Organização Mundial do Comércio (OMC); um departamento de direitos humanos, entre outros. Nosso intuito, contudo, não é nos debruçar sobre as discussões relativas ao insulamento burocrático do Itamaraty83. Buscamos apenas introduzir a discussão para que nossa análise do período que nos interessa, de 1964 a 1969, seja melhor compreendida.

O MRE continua sendo o órgão responsável pela condução da política externa; é o órgão que representa e responde pelo país no âmbito externo. Os diplomatas, portanto, são os entes que, diretamente, trabalham em nome do Estado brasileiro nas diferentes instâncias internacionais. Esses profissionais devem, naturalmente, agir de acordo com as prerrogativas governamentais.

A análise do relacionamento entre as diferentes unidades estatais foi, por muitos anos, baseada apenas levando-se em consideração os atores estatais, considerados aqui apenas os Estados e não suas unidades. Como apontado na seção anterior, esses atores eram vistos como unidades únicas e unitárias que, em outras palavras, significa que apenas eles eram considerados atores no jogo internacional e que, portanto, apenas suas decisões e prerrogativas importavam.

Por volta dos anos 1950 e 1960, alguns pesquisadores, como Snyder, Bruck e

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Para maiores informações sobre Diplomacia Presidencial, recomendamos o livro “Diplomacia Presidencial – História e Crítica”, de Sergio Danese (1999).

Sapin (1954), começaram a desenvolver propostas criticando a homogeneização sustentada pela teoria realista. Esses autores desenvolveram suas análises em oposição ao modelo caixa preta da Teoria Realista. O que os autores propuseram é que para compreendermos efetivamente o motivo de determinada política implementada no âmbito externo, portanto, com relação a outro país, devemos compreender o que levou a tal política. Em outros termos, é necessário visualizar e, mais importante, reconhecer a existência de outros atores no cenário internacional. Esse trabalho deu início então à Análise de Política Externa, com objetivo de abrir a caixa preta do Estado.

Esses atores, para além das organizações internacionais que, para a teoria Idealista já eram considerados atores do sistema internacional, são diversos. Entre eles, podemos destacar os partidos políticos, grandes empresas, ministérios, outros órgãos governamentais etc. Temos de mencionar ainda a relevância da cultura, da classe dominante entre outros (HUDSON 1995, 2005). A própria dimensão cultural de um país é uma fonte de influência no processo de formulação de uma política externa (HERZ, 1994).

Diante da nova conjuntura internacional, marcada por uma multiplicidade de atores, esses passaram a ser notados e considerados na formulação das políticas externas estatais. Isso significa dizer que, após um longo tempo em que apenas o Estado, em si, era considerado o ator do cenário internacional, passou-se a analisar com mais intensidade o processo que antecede a implementação dessa política no plano externo.

É compreensível dizer que, o processo que era considerado até então se tratava apenas da implementação em si. Após a divulgação dos estudos mencionados acima, a influência desses e de outros fatores também passou a ser considerada. O processo que antecede a colocação em prática de determinada política no âmbito externo ganhou importância. Além disso, passou-se a considerar também o entendimento desse processo como um todo, ou seja, como esses diversos atores se articulam e chegam a determinada política.

A década de 1990 foi um marco nesse processo de explosão de atores e temas. O livro de Pinheiro e Milani (2012), “Política Externa Brasileira: as práticas da política e a política das práticas” aborda, por exemplo, esses novos atores na agenda de política externa do Brasil. Naquela época, o mundo vivia um momento único, marcado pelo fim da Guerra- Fria e, consequentemente, superação do predomínio de questões estritamente militares. Aliado ao fim do conflito Leste vs Oeste, o fenômeno da globalização e da transnacionalização marcaram uma virada nas agendas internacionais. Uma séria de temáticas que até então eram

desconsideradas, como meio ambiente, direitos humanos, minorias entre diversos outros, passaram a ser discutidos e inseridos nas agendas dos países (RIBEIRO, 2006).

As grandes organizações internacionais tiveram papel relevante nesse processo, demandando e participando ativamente de fóruns internacionais que tratassem as diversas questões que ganhavam cada vez mais espaço. Observamos, dessa maneira, que enfim, houve a superação da interação apenas interestatal. Esses novos atores demandavam participação; demandavam ser ouvidos e precisavam de espaço para tal. Chegamos a conclusão que, portanto, a conjuntura internacional levou a alteração/complexificação das agendas internacionais dos Estados, ocasionando a demanda por participação de outros setores da sociedade nacional e internacional.

Como foi colocado no primeiro capítulo desta pesquisa, foram diversos os fatores, tanto de origem interna quanto externa, que contribuíram para o golpe civil-militar no Brasil e que, de certa maneira, influenciaram o comportamento do MRE após o movimento. É correto supor que, sendo assim, esses fatores e atores tiveram um papel importante na política externa que foi implementada pelo Brasil durante o regime militar, mesmo sendo a década de 1990 o marco de expansão da participação de atores externos.