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Capítulo I Enquadramento Teórico

3. A Intervenção Psicomotora

3.3. O jogo lúdico

Tendo em conta que a estimulação precoce é fundamental para o desenvolvimento de competências de crianças na primeira infância, este capítulo será dedicado a descrever o papel do jogo lúdico no desenvolvimento, as vantagens da sua associação à aprendizagem, assim como as características que este deve apresentar.

Para Falkenback (2002, Dorneles & Benetti, 2012, p. 5)

Definir uma abordagem pedagógica que se utiliza da atividade corporal lúdica (que não é racionalizada nem competitiva) para as crianças significa reconhecer o lúdico como característica fundamental do ser humano, focalizando, dessa maneira, o brincar como a principal atividade infantil.

Segundo Vygotsky (cit. in Fonseca, 2005), o jogo é uma situação imaginária criada pela criança no seu contacto com o mundo social, através do qual aprende a brincar e brinca aprendendo, estabelecendo a ligação entre aquilo que apreende no jogo e no seu quotidiano.

Negrine (1993, Dorneles & Benetti, 2012), seguindo o pensamento de Vygotsky, também atribui um significado importante ao jogo no simbolismo de situações sociais e na influência da atitude corporal do adulto. Este autor acrescenta que (ibidem, p. 5):

(…) durante o brincar, a criança joga de muitas coisas em determinado espaço de tempo, indo também ao exercício, para voltar ao jogo. (…) o ser humano não perde o hábito de imaginar ou desfrutar que a atividade lúdica proporciona, pois o imaginário segue pela sua vida, tendo a pessoa adulta outras maneiras de manifestar sua necessidade lúdica, diferentemente das crianças.

Brincar é uma representação em atos e refere-se à primeira possibilidade de pensamento, baseada nos sentidos e na motricidade, evoluindo depois para situações em que a criança utiliza os conhecimentos e adapta-os a uma nova situação (Costa, 2009). Além disso, o jogo tem um carácter lúdico que permite a vivência de variadas situações, integrando a ação, o pensamento e o sentimento (Salomão, Martini e Martinez, 2007).

Segundo Piaget (Kamii, 2003, cit. in Serrão, 2009), o jogo espontâneo é o primeiro contexto em que a criança começa a interagir, sendo importante que este seja usado para estimular a inteligência e a iniciativa. Entre os dois e os quatro anos e meio de idade, dão-se grandes mudanças a nível cognitivo, socioafectivo e psicomotor, sendo nesta altura que as

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crianças começam a brincar em pares e em grupo, aprendem regras e a partilhar (Piaget, cit. in Serrão, 2009). Só entre os quatro anos e meio e os cinco anos e meio, é que a atividade começa a ser adaptada à sua realidade social, interagindo de forma adequada em grupo (Piaget cit. in

Serrão, 2009).

Os jogos evoluem de acordo com o desenvolvimento maturacional, sendo no início apenas exercícios de manipulação de objetos, depois passam ao jogo simbólico (faz-de-conta) que permite comunicar, expressar emoções e tomar consciência da realidade, até chegar ao jogo social (Ferronatto, 2006).

No jogo simbólico, ou “faz-de-conta”, a criança desenvolve a capacidade de planear, imaginar situações e representar papéis (Vygotsky, cit. in Costa 2009), permitindo a representação de situações reais (Pérez & Martínez, 2006). O indivíduo aprende a lidar com o dia-a-dia e com o inesperado, através da representação dos sentimentos direcionados para o ato.

Nos jogos sociais (jogos em grupo) a criança aprende a conviver com regras. Estes jogos, ao longo do tempo, têm um carácter cada vez mais social (Ferronatto, 2006), permitindo a aproximação entre as crianças e a construção de vínculos (Falkenbach, 2006).

O jogo tem um papel importante no desenvolvimento da criança em idade pré-escolar, sendo uma ferramenta de excelência usada desde muito cedo pela criança e que faz parte da sua vida quotidiana, quer seja a atividade espontânea ou orientada pelo adulto (Serrão, 2009).

Para Donato et al. (2008)

O brincar é uma atividade fundamental no desenvolvimento e educação de crianças, pois através do jogo a criança experimenta diversas situações, comunica e ao mesmo tempo são estimuladas as aquisições psicomotoras, além de construir conhecimentos e atitudes.

Oliveira (2008) refere que o jogo é o meio privilegiado para a aprendizagem, porque a criança desenvolve as competências sociais e a capacidade de julgar e pensar. A criança ao brincar livremente transmite sentimentos, ideias, fantasias, aprende a calcular estratégias possíveis e a criar regras (Lima, 2010).

Além disso, através das atividades lúdicas, é possível avaliar a forma como a criança se adapta à realidade e lida com o seu corpo (Salomão, Martini e Martinez, 2007), pois é possível observar comportamentos motores e a forma como esta interage e comunica com os outros de forma natural.

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Na verdade, o brincar tem uma função motivadora na aprendizagem aumentando a sua concentração nas tarefas, além de ajudar os participantes a desenvolver a confiança em si, nas suas capacidades e a explorar conceitos como liberdade (Donato et al., 2008).

Para Serrão (2009), é no pré-escolar que surgem as primeiras combinações de movimento, altura também propícia a que a criança adquira e aperfeiçoe as suas habilidades motoras, isto é, aprenda a dominar o seu corpo. É importante criar um ambiente que favoreça a aprendizagem motora, sendo fundamental dar oportunidade, através de jogos que permitam utilizar o próprio corpo.

Zanotti (2009) acrescenta que as atividades motoras são importantes para a educação, pois estas contribuem para o desenvolvimento global das crianças, sendo importante que sejam adequadas a cada criança e às suas necessidades ao longo da vida, de forma a promover o sucesso das mesmas.

Segundo Formosinho, Katz, McClellan e Lino (1996, cit. in Serrão, 2009, p. 46):

(…) a falta de oportunidades para as crianças interagirem socialmente na brincadeira, durante os primeiros anos, pode ter um efeito mais prejudicial do que a falta de oportunidade para brincarem, numa fase posterior.

Por outras palavras, quando a criança não é estimulada nos primeiros anos, a sua aprendizagem pode estar comprometida, pois é necessário interagir com o meio, para que as perceções sensoriais ganhem um novo significado e integrem as estruturas cognitivas (Almeida, 2006).

Esta situação deve-se ao já referido período crítico, que permite que a criança esteja mais disponível para a aprendizagem na idade pré-escolar e, consequentemente, seja mais suscetível de assimilar o que lhe é ensinado.

Ainda em relação ao desenvolvimento infantil, a UNICEF (2004, cit. in Serrão, 2009, p.7) refere que:

O desenvolvimento da criança deve ser holístico e todas as atividades que contribuam para esse desenvolvimento devem ser consideradas pelos educadores. Na sociedade ocidental o jogo e a brincadeira são, consensualmente, considerados como atividades fundamentais para o desenvolvimento da criança e devem fazer parte do seu quotidiano.

Para Serrão (2009), o jogo lúdico deve ter uma intencionalidade educativa, ao invés de ser considerado apenas mais uma brincadeira no dia-a-dia das crianças. É fundamental o educador

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criar um ambiente que facilite as atividades pedagógicas e oriente o jogo, de forma a enriquecer as atividades e torná-las mais motivantes para a criança (Serrão, 2009).

É igualmente relevante promover estratégias que motivem, de forma a promover uma aprendizagem significativa, que Nunes (2007) descreve como uma situação que origina uma modificação comportamental ou na personalidade do indivíduo, em vez de ser apenas uma acumulação de conhecimentos.

Quando a brincadeira é utilizada numa situação de aprendizagem, as atividades vão contribuir para a vivência de situações significavas, facilitando a socialização, a criatividade, a comunicação e o conhecimento, proporcionando uma aprendizagem espontânea (Salomão, Martini e Martinez, 2007).

Além disso, a diversidade de atividades que a criança experimenta é igualmente importante, pois quantas mais experiências se oferecem, maior a necessidade de aumentar os conhecimentos e organizar-se (Salomão, Martini e Martinez, 2007).

Na Psicomotricidade os jogos lúdicos ganham especial importância pois permitem desenvolver a motivação e o significado da ação, sendo considerados um facilitador da aprendizagem, pois estes são explorados a partir da sua vertente simbólica e representativa da realidade (Ferronatto, 2006).

As condições ambientais são fundamentais e devem ser criadas condições favoráveis à aprendizagem (Bandet & Abbie, cit. in Valenzuela, 2005). A escolha de materiais adequados e o espaço envolvente permitem à criança a experimentação no mundo dos objetos, promovendo o desenvolvimento de competências, assim como a reflexão, a autonomia e a cooperação (Serrão, 2009).

É fundamental, que a criança seja envolvida de forma ativa nas atividades e que as suas motivações e interesses sejam tidos em conta (Portugal, 2008), para que o educador escolha os jogos e os materiais de acordo com as características das crianças (Serrão, 2009).

Desta forma, podemos concluir que os citados autores advogam que o jogo tenha especial destaque no que se refere à estimulação e desenvolvimento das crianças, sendo crucial que a ação do educador seja consciente e pensada, para permitir que a criança dê novos significados às suas ações e que estas se transformem em aprendizagens.

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