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No período situado entre 1845 e 1852, recorte cronológico desta pesquisa, somaram-se à atuação antitráfico desempenhada pela marinha britânica e à política expansionista promovida por Juan Manuel Rosas outras questões que contrariavam os interesses das elites brasileiras, tais como: ascensão de um governo whig na Inglaterra, que ampliou as ingerências sobre o Império; fracasso dos sucessivos ministérios luzias em resolver os impasses do Brasil no âmbito das relações internacionais; descoberta de diversos planos de levantes escravos, sob suspeita de serem incitados por agentes britânicos e argentinos; e o surgimento de veículos de imprensa, na Corte imperial, que promoveram debates públicos em prol da supressão do tráfico negreiro, da abolição da escravatura e da defesa ao governo de Buenos Aires. Este capítulo visa elucidar as vicissitudes do Jornal do Commercio e do Diário do Rio de Janeiro em meio a tão complexos e conturbados processos históricos. Nesse sentido, evidenciarei o desenvolvimento, em diferentes e inconstantes ritmos, de uma aliança entre os principais responsáveis pela publicação de ambas as folhas e os políticos ligados ao Partido Conservador - parceria que rendeu excelentes ganhos aos periodistas e forneceu significativo suporte à nova política externa concebida por influentes saquaremas, no intuito de enfrentar a Inglaterra e a Confederação Argentina. Semelhante união suscitou impactos significativos, ajudando a consolidar, no início da década de 1850, uma ordem social calcada, em grande parte, na manutenção da escravidão e da integridade territorial.1

É importante ressaltar que, no início de 1846, o Jornal e o Diário ainda mantinham posicionamentos contrários às ingerências britânicas sobre o tráfico transatlântico de africanos para o Brasil. Paralelamente, permaneciam situados em posições antagônicas a respeito da intervenção anglo- francesa no Rio da Prata. O Jornal continuava publicando conteúdo do Comercio del Plata, a fim de sustentar os interesses de Montevidéu e da mediação armada.2 Também difundia textos do Times sobre a questão, com o intuito de apoiar a política das potências europeias na região platina. A 16 de janeiro de 1846, por exemplo, o periódico da Corte veiculou um artigo da folha londrina sustentando que os conflitos no Prata eram “matéria de interesse nacional, e especialmente de interesse mercantil. Os

1 Luiz Felipe de Alencastro indica a relação entre tráfico, unidade nacional e consolidação do Estado imperial. Cf. Luiz Felipe de Alencastro. Op. cit. A ligação entre escravidão e a consolidação do Estado também é explicitada por Tâmis Parron, por meio do conceito de “política da escravidão”. Cf. Tâmis Parron. Op. cit.

2 Cf, por exemplo: “Exterior. Noticias do Rio da Prata. Montevidéo, 23 de dezembro.”, JC, 9 jan. 1846, p. 1; “Exterior. Noticias do Rio da Prata.”, JC, 13 jan. 1846, p. 1; “Exterior. Negocios do Rio da Prata. A navegação dos rios interiores. Montevidéo, 2 de janeiro de 1846.”, JC, 19 jan. 1846, p. 1; “Exterior. Noticias do Rio da Prata.”, JC, 11 fev. 1846, p. 1; “Exterior. Noticias do Uruguay. Montevidéo, 30 de janeiro de 1846.”, JC, 17 fev. 1846, p. 1; “Exterior. Rosas e os hespanhoes. Montevidéo, 30 de janeiro.”, JC, 17 fev. 1846, p. 1; “Exterior. Republica Oriental.”, JC, 19 fev. 1846, p. 1.

interesses comerciais solicitavam com suma urgência [...] a pacificação do Rio da Prata e a remoção desses ilegais e injustos estorvos ao comércio que nos custaram milhões de dinheiro”, de modo que “o governo [britânico] era obrigado a tomar medidas para pôr termo a um estado de cousas que destruiu o comércio do Rio da Prata”.3 O mesmo artigo acrescentava, ainda, críticas a Juan Manuel Rosas:

[...] o ditador de Buenos Aires procura justificar a opressão e agressões que exerce sobre seus vizinhos. O seu único objeto é o de aniquilar todas essas províncias independentes, submetendo-as à de Buenos Aires, e o de submeter o Estado de Buenos Aires à sua pessoa, a fim de estabelecer o seu absoluto e sanguinário poder sobre o antigo vice-reinado de Espanha naquela região.4

A acusação de que o caudilho tencionava fundar um Estado com as dimensões territoriais do antigo Vice-Reino do Rio da Prata indicava um perigo para a integridade territorial do Império, pois significava a existência de uma grande potência nas suas fronteiras meridionais. Ao fazer referência aos interesses comerciais prejudicados pela Guerra Grande, o artigo do Times acionava questões significativas em prol da intervenção anglo-francesa, uma vez que a contenda também afetava poderosos grupos econômicos da Corte imperial. Posição oposta àquela sustentada explicitamente no Diário do Rio de Janeiro, que expressou vários pronunciamentos editoriais contra as ingerências europeias na região platina. Com efeito, a 15 de janeiro de 1846, os redatores da folha chegaram a vincular tal questão a outros conflitos internacionais e, simultaneamente, ao risco de que o Brasil fosse o próximo alvo:

Em França ocup[am]-se os espíritos com a guerra de Argel e a intervenção francesa em Madagascar de combinação com a Inglaterra. Vendo a entente cordiale fazer tais progressos, bem se pode dizer

Se as mãos se derem, Que será do mundo?

Intervenção no Rio da Prata, intervenção em Madagascar, e breve talvez outra intervenção combinada para exigirem do Brasil a navegação de algum ou alguns de nossos rios.5

A agressiva política externa de Inglaterra e França, promovendo intervenções armadas em várias partes do planeta, conferia verossimilhança aos temores expressos no trecho acima, originalmente veiculado na coluna “O Diário”. A mesma seção serviu, nos meses seguintes, para enfatizar a opinião de que as potências mediadoras eram incapazes de encerrar as hostilidades,

3 “Exterior. A questão do Rio da Prata. Londres, 4 de dezembro de 1845.”, JC, 16 jan. 1846, p. 1. 4 Idem, ibidem.

asseverando, por exemplo, que “há seis meses que dura a mediação, intervenção ou hostilidades das duas primeiras nações da Europa no Rio da Prata, e ainda os horrores da guerra assolam aquele país! E diziam os interventores que vinham à América acabar a guerra!...”.6 Ou, ainda, que “já lá vão mais

de seis meses, que dura a intervenção francesa e inglesa, e ainda não tem termo a guerra!”.7 Os

redatores do Diário foram além, tomando o fracasso europeu como indicativo de um grande valor de Juan Manuel Rosas como estadista:

[...] não é fácil à Europa intervir nos negócios da América, quando aqui não encontra apoio e aliança! O que ficará da história desta intervenção? A energia, a perseverança e a coragem do governador de Buenos Aires, que ameaçado por todos os lados, e ameaçado ainda com as forças de duas grandes potências da Europa, não sucumbiu.8

Note-se, portanto, que o Diário permaneceu engajado na oposição à intervenção anglo-francesa no Rio da Prata, chegando ao ponto de manifestar apoio ao controverso Rosas. Posicionamento semelhante pode ser verificado nos artigos estrangeiros veiculados nesse periódico. A Presse, particularmente, foi útil para sustentar a posição da folha de Nicolau Lobo Vianna. Assim, a 7 de março de 1846, a coluna “O Diário” apresentou excertos da gazeta francesa, inclusive um trecho sobre os “negócios do Rio da Prata”: “é impossível que não venha uma discussão profunda pôr enfim termo às tergiversações que têm assinalado a nossa política naquelas paragens há quase sete anos. O ano passado não se queria intervir; este ano há intervenção. Nossa influência sofre com estas inconsequências de procedimento”.9 Mais tarde, a 15 de julho, a mesma seção apresentou um comentário da própria

redação sobre opinião emitida pela Presse:

Está hoje provado, diz a Presse, que se o governo francês não tivesse permitido a seus agentes que tomassem partido em uma guerra civil, em que só tínhamos a perder a todos os respeitos, há oito anos estaria restabelecida a paz em ambas as margens do Rio da Prata. Agora se pode ver se tínhamos razão, quando protestávamos contra o entusiasmo da opinião pública, desvairada pela imprensa inglesa, cúmplice interessada dos especuladores e dos usurários de Montevidéu.10

Em suma, a estratégia do Diário foi atribuir a continuidade de uma violenta guerra à intervenção europeia, motivada, por sua vez, pelos interesses dos capitalistas ingleses. As amplas críticas existentes à política externa britânica – especialmente a respeito da repressão ao tráfico de africanos – contribuíram para criar um ambiente favorável à franca expressão de semelhante

6 “O Diário. 8 de fevereiro.”, DR, 9 fev. 1846, p. 1. 7 “O Diário. 2 de abril.”, DR, 3 abr. 1846, p. 2. 8 “O Diário. 18 de junho.”, DR, 20 jun. 1846, p. 1.

9 “O Diario. 7 de março.”, DR (supplemento), 7 mar. 1846, p. 5. 10 “O Diario. 14 de julho.”, DR, 15 jul. 1846, p. 2.

posicionamento, em uma seção editorial. A Presse, nesse caso, não substituía a fala da redação do Diário, mas a acompanhava, fortalecendo o argumento acionado. Situação muito diferente à do Jornal, que, favorável à intervenção anglo-francesa, não podia sustentá-la às escâncaras. Em meio a tal dilema, optou por continuar silenciando vozes contrárias à intervenção, a exemplo da Presse, da qual não veiculou, a partir de 1846, quaisquer artigos sobre a questão do Rio da Prata, embora utilizasse conteúdo desta folha para criticar o apresamento de negreiros brasileiros pela esquadra francesa.11 O que, aliás, fazia muito sentido: a Presse opunha-se à entente cordiale, tanto a respeito da repressão ao tráfico negreiro quanto da mediação armada na América meridional; somente a primeira questão, porém, era repelida pelo Jornal do Commercio.

A respeito do tráfico transatlântico de africanos, a Presse também serviu ao Diário de Rio de Janeiro, que veiculou artigos da gazeta francesa na coluna “Exterior” para contestar o Bill Aberdeen e o direito de visita, em vez de pronunciar-se explicitamente sobre o tema – o que indicava, novamente, a precaução de evitar a vinculação do seu proprietário, português, a uma atividade ilícita.12 A redação do periódico fez questão também de inserir, na edição de 25 de abril de 1846, um artigo da Presse narrando um curioso episódio em que a esquadra portuguesa da costa da África capturara o navio inglês Lady Sale, pertencente a uma empresa de Liverpool, sob acusação de tráfico negreiro. De acordo com a Presse, “apesar dos protestos do capitão, as autoridades portuguesas condenaram o navio, e depois de algum tempo de prisão que passou a equipagem, mandaram-a [sic] para Santa Helena.”13 Três dias depois, o Diário publicou novo artigo sobre o tema, dessa vez proveniente de outro jornal francês, Le Constitutionnel, justificando o procedimento da Marinha portuguesa:

[...] não obstante a legitimidade do comércio em que se empregava o Lady Sale, esse navio, ou por sua armação ou pela natureza e quantidade de suas provisões, pertencia à categoria das embarcações que o tratado concluído com Portugal declara suspeitos de empregarem no tráfico de escravos. Os juízes portugueses julgaram o fato sem se importarem com a intenção; pensaram que era útil fazer sentir aos Ingleses os inconvenientes dos tratados de que até agora eles só têm colhido vantagens.14

Basicamente, havia o intuito de destacar, em mais uma ocasião, que os tratados de repressão ao tráfico negreiro causavam prejuízos ao comércio lícito, como demonstrado por um caso em que era

11 Ver, por exemplo: “Exterior. O cruzeiro francez na costa d’Africa e as prezas brazileiras. Paris, 6 de abril de 1847.”, JC, 30 maio 1847, p. 1.

12 Ver, por exemplo: “Exterior. França. Paris, 29 de dezembro.”, DR, 11 mar. 1846, p. 1; “Exterior. França. Paris, 28 de dezembro.”, DR, 17 mar. 1846, p. 1.

13 “Exterior. Inglaterra. Trafico de Africanos.”, DR, 25 abr. 1846, p. 1. 14 “Exterior. Inglaterra.”, DR, 28 abr. 1846, p. 1.

notória a inocência da embarcação apresada, sem que a Inglaterra, obviamente, acusasse o Lady Sale de ser um tumbeiro. Tomando tal episódio como exemplo, o Constitutionnel asseverou que

Se todas as marinhas secundárias oprimidas por tratados iguais, impostos a governos fracos; pudessem imitar o procedimento dos oficiais portugueses nesta circunstância; se o Brasil, particularmente, ao qual a Inglaterra pretende impor um direito de visita rigorosíssimo, pudesse manter na costa da África um cruzeiro capaz de pagar ao comércio inglês, em virtude desse tratado, vexações com vexações, extorsão com extorsão, mui provavelmente veríamos breve a Grão-Bretanha reclamar a revisão dos tratados para supressão do tráfico.15

Perceba-se a continuidade do argumento de que as ingerências britânicas sobre o tráfico transatlântico de africanos era ilegítima, propiciando “vexações” sobre o comércio das demais nações. A mesma questão também havia sido ventilada algumas semanas antes, ainda que de modo mais breve, no Jornal do Commercio, por meio do correspondente político residente em Lisboa, Roberto José da Silva.16 Ele afirmou, como bom cristão, que “graças a Deus que já tivemos a fortuna de capturar na costa d’África um navio inglês, o brigue Lady Sale, como suspeito de empregar-se no tráfico da escravatura.”; acrescentou, com desconfiança, que “o Inglês que serve de comissário britânico [na comissão mista anglo-portuguesa] achou que o navio de modo algum se dedicava ao tráfico (já se sabe, porque era inglês), e votou pela absolvição”; e finalizou o texto, com sarcasmo: “veremos se os Ingleses nos pedem indenização pelo havermos capturado”.17

Como visto no primeiro capítulo, tanto o Jornal quanto o Diário também se engajaram na contestação à legalidade da captura de navios brasileiros pela esquadra francesa, sob suspeita de realizarem o tráfico negreiro - equiparado, por sua vez, ao crime de pirataria. Textos estrangeiros veiculados no Jornal do Commercio alegaram, além disso, que a absolvição dos marinheiros da escuna Felicidade estabelecera um precedente contrário ao Bill Aberdeen.18 Ambos os periódicos, por fim, permaneceram acionando exemplos de outros lugares do mundo para contestar a política externa britânica. O Jornal, por exemplo, veiculou um artigo procedente do francês Journal des Dèbats,

15 Idem, ibidem.

16 A identidade do correspondente foi elucidada em um artigo do jornal português Periódico dos Pobres no Porto, transcrito, em 14 de março de 1844, no Correio Mercantil, da Bahia: “o correspondente que daqui escreve para o Jornal do Commercio do Rio [de Janeiro] é o Roberto José da Silva que [...] escreve hoje o seu artiguinho para o Diário do Governo por ser irmão do seu digno redator [Carlos Bento da Silva].”. O texto ainda acrescentou que “quem escreve de Paris para o mesmo jornal é o Dr. [José da] Gama [e Castro], que foi físico-mor de D.Miguel, e ainda é miguelista.”. Cf. “Exterior. Portugal. Carta de Braz Tizana boticário de Lisboa ao barbeiro. Lisboa 6 de janeiro.”, Correio Mercantil, 14 mar. 1844, p. 1. A 28 de janeiro de 1847, o Diário do Rio de Janeiro confirmou que Roberto, irmão do político Carlos Bento da Silva, era o correspondente do Jornal do Commercio. Cf. “Exterior. Correspondencia do Diario. Lisboa, 6 de dezembro de 1846.”, DR, 28 jan. 1847, p. 2.

17 “Exterior. Corresp. do Jornal do Commercio. Lisboa, 26 de janeiro de 1846.”, JC, 5 abr. 1846, p. 1.

18 Cf. “Rio de Janeiro. Jornal do Commercio”, JC, 6 mar. 1846, p. 2; “Exterior. Corresp. do Jornal do Commercio. Paris, 20 de dezembro.”, JC, 8 mar. 1846, p. 2; “Exterior. Inglaterra e Brazil. Paris, 19 de dezembro.”, JC, 8 mar. 1846, p. 2.

elogiando o chefe indígena Heki, que promovera uma insurreição contra o domínio inglês na Nova Zelândia:

Parece que Heki não é inferior ao papel que representa, e que é homem realmente notável, se se atender ao grau de civilização em que vive. Foi outrora convertido e batizado por um metodista, mas nem por isso deixa de votar o maior desprezo aos missionários protestantes. Tem noções de direito mui distintas; assim pois, não contesta aos Ingleses o direito de cultivar as terras que realmente compraram aos indígenas; mas não quer reconhecer a sua soberania

e nega-lhes o direito de içar a sua bandeira. Recusa reconhecer o tratado de cessão celebrado

entre alguns chefes [indígenas] e o governador inglês, dizendo que foi arrancado pelo terror ou por corrupção a homens que ignoravam absolutamente o alcance dos atos que praticavam. [...]. O que há de mais notável é que se serve contra os Ingleses da Bíblia que eles lhe ensinaram a ler. Bate-os com suas próprias armas; faz da Escritura Santa uma espada de dous gumes, e quando se argumenta com ele, responde com textos. Os Ingleses, diz ele muitas vezes, são Faraó, e os Egípcios, os Zelandezes são os Israelitas oprimidos. Heki tem certa nobreza cavaleirosa; os mesmos Ingleses o reconheceram em diferentes ocasiões quando ele poupou os vencidos.19

O elogio a uma liderança indígena provinha justamente de sua resistência à dominação britânica, negando a soberania da Inglaterra sobre a Nova Zelândia. A associação daquela potência ao papel representado pelos egípcios no Antigo Testamento servia como artifício para contestar sua influência no Brasil, situado em posição análoga à dos nativos neozelandeses, caracterizados como oprimidos. Observe-se também a tentativa de aproximar Heki de parâmetros culturais considerados civilizados, a partir de uma leitura eurocêntrica. Desse modo, o movimento de resistência dos indígenas da Oceania tornava-se mais palatável a um público leitor com forte tendência a considerá-los bárbaros; por conseguinte, favorecia maior empatia em relação a eles. A crítica aos missionários protestantes também era eficaz em países de maioria católica, como a França e o Brasil, onde o texto foi, respectivamente, publicado pela primeira vez e reproduzido. Em suma, vários estratagemas foram adotados para representar os ingleses em uma chave negativa.

O Diário também continuou veiculando críticas à atuação arbitrária da Inglaterra alhures, porém, ao contrário do Jornal, relacionava-a à questão do Rio da Prata. Assim, um artigo extraído da folha chilena El Tiempo, publicado na coluna “Exterior” a 21 de fevereiro de 1846, contestou a ideia de que as supostas violências cometidas por Juan Manuel Rosas justificassem uma intervenção europeia, pois “se o alto poder dos interventores anda à cata de oprimidos que reunir, encontrá-los-ia

muito mais perto mesmo na Europa”. Acrescentou, ainda, que Inglaterra e França “têm escandalizado com suas guerras, e têm complicado todo mundo em suas contendas recentes e furiosas”.20

Tudo permanecia do mesmo jeito nos maiores veículos de imprensa da Corte imperial do Rio de Janeiro: consenso na oposição às ingerências britânicas acerca do tráfico transatlântico de africanos; cisão a respeito da intervenção anglo-francesa sobre as repúblicas platinas. Paralelamente, o governo brasileiro mantinha a política adotada em 1845: contestação à legitimidade jurídica do Bill Aberdeen e alegação de neutralidade em relação à Guerra Grande. Embora os parágrafos acima indiquem que a coluna “Exterior” continuou sendo uma ferramenta importante para o Jornal e o Diário posicionarem- se e interferirem sobre conflitos internacionais que afetavam o Império, as mesmas estratégias não poderiam ser eficazmente perpetuadas ad infinitum. Afinal, os apresamentos de tumbeiros brasileiros, considerados piratas pelas marinhas francesa e britânica, prosseguiram, assim como o bloqueio comercial no Rio da Prata – ameaçando, portanto, poderosos interesses econômicos associados a ambos os periódicos. Ademais, importantes acontecimentos - em âmbito local, nacional e mundial – alteraram, entre 1846 e 1848, a correlação de forças, tornando cada vez mais insustentável ao governo imperial a manutenção da política externa então adotada. Em meio à imprevisibilidade do porvir, os sujeitos diretamente atuantes no Diário e no Jornal, bem como seus interlocutores sociais, não somente adaptaram-se às mudanças políticas ocorridas nesse período, mas também atuaram para moldá-las conforme seus próprios interesses.

O “leopardo britânico”, “Messias dos anarquistas”

Conforme mencionado no primeiro capítulo, a notícia de que o Bill Aberdeen fora aprovado no Parlamento britânico só chegou à Corte imperial na véspera do encerramento da Assembleia Geral Legislativa, de modo que o assunto sequer foi abordado no discurso de encerramento da sessão parlamentar, pronunciado pelo Imperador. Apenas no mês seguinte o governo brasileiro manifestou uma declaração oficial, por meio do “Protesto” de Antônio Paulino Limpo de Abreu, amplamente veiculado e comentado não apenas na imprensa brasileira, mas também na estrangeira. O gabinete ministerial, todavia, não sobreviveria até o início dos trabalhos legislativos do ano seguinte. No início de maio de 1846, o comando das pastas governamentais foi totalmente substituído, embora os liberais permanecessem na direção do Poder Executivo. Com isso, a pasta de negócios estrangeiros passou a

ser ocupada por Bento da Silva Lisboa, o barão de Cairú.21 Logo no dia seguinte, foi iniciada a nova sessão parlamentar, quando o discurso de abertura pronunciado por Dom Pedro II destacou - como exposto na introdução deste texto – que seu governo protestara contra o Bill Aberdeen, a fim de “defender as prerrogativas da minha coroa e os direitos nacionais”, além de que desejava o

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