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O livro no contexto das universidades

No documento Organização e produção da cultura (páginas 172-177)

As universidades surgem na Europa no final do século XII, início do século XIII, contribuindo fortemente para o apa- recimento de um público leitor constituído, especialmente, por professores, à procura de textos, obras de referência,

comentários de texto e de manuscritos para o desenvolvimento dos seus estudos.

O surgimento das universidades ocorre, simultaneamente, com as cidades, e sobre isso nos diz Le Goff,

[...] Em cada cidade em que existe um ofício agrupando um número importante de membros, esses membros se organizam para defesa de seus interesses, instauração dum monopólio de que se beneficiem. É a fase institucional do impulso urbano que materializa em comunas as liberda- des políticas conquistadas, em corporações, as posições adquiridas no domínio econômico. (2003, p. 94)

As primeiras Universidades consideradas instituições-modelo foram Bolonha e Paris, seguidas por Oxford, Salamanca (1219), Nápoles (1224), Praga (1347), Pavina (1361), Cracóvia (1364) e Zovain (1425). Em 1451, existiam aproximadamente cinqüenta dessas instituições em operação. Elas eram, à época, corporações que gozavam de privilégios legais, autonomia, monopólio da edu- cação superior em suas regiões, embora cada uma reconhecesse os graus conferidos pelas demais. As universidades européias formavam uma rede que se estendiam de Coimbra a Cracóvia, e, graças à uniformidade do currículo, era permitida a transfe- rência de alunos de uma instituição para outra (BURKE, 2003, p. 38).

Era indiscutível, nesse período, que coubesse às universidades a transmissão do conhecimento e não a sua descoberta. Desse modo, a tarefa dos professores “se limitava a expor as posi- ções das autoridades reconhecidas, a exemplo de Aristóteles, Hipócrates, Tomás de Aquino e outros” (ibidem, p. 38). Ofici- almente, as disciplinas estudadas eram fixas e compunham as sete artes liberais divididas em dois blocos: trivium, que de- senvolvia um conteúdo mais elementar e tratava da linguagem

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A produção editorial e as editoras universitárias

– Gramática, Lógica e Retórica; quadrivium, um estágio de co- nhecimento mais avançado voltado para os números – Arit- mética, Geometria, Astronomia e Música. Concluídos esses blocos, o aluno seguia para os três de pós-graduação: Teologia, Medicina e Direito.

A maioria dos professores universitários era membro do clero, e a igreja aparecia como a grande detentora do monopólio do conhecimento, ainda que esse poder pudesse ser quebrado pela pluralidade do conhecimento de saberes específicos, oriundos dos artesãos medievais, cavaleiros, camponeses, parteiras, do- nas-de-casa, dentre outros, transmitidos através do exercício da oralidade. A partir do século XVI, a Igreja católica passa a se preocupar com a educação dos párocos, criando escolas, semi- nários e, em seguida, as universidades. Tal política, inclusive, recebe o apoio dos reformadores protestantes Lutero e Calvino que, também, defendiam um clero culto (ibidem, p. 29). Nesse contexto, começa a ser criado uma demanda natural pelo livro. Embora o ensino oral fosse importante, os estudantes precisavam de um número mínimo de livros que pudessem reter as informações recebidas na escola. Eles confiavam na memória, mas também utilizavam as “notas de aula”. Ainda assim, o mais usual era a busca pelas obras de base. Copistas profissionais se multiplicavam em volta das universidades, for- mando verdadeiras corporações. No geral, os livreiros eram leigos e os copistas pertenciam ao clérigo. No entanto, de cer- to modo, havia controle, por parte da Instituição, no que diz respeito a essa atividade.

Para exercer um controle intelectual e econômico sobre a circulação dos livros, a universidade quisera, de fato, que as obras indispensáveis aos estudos dos mestres e dos estu- dantes fossem cuidadosamente verificadas em seu texto,

para que nele não figurassem erros que podiam desnaturar o sentido. Para permitir a multiplicação das cópias nas melhores condições, sem alteração do texto e sem especu- lação abusiva por parte do copista, a Universidade organi- zou um sistema de empréstimo de manuscritos controla- dos e cuidadosamente revistos, a partir do qual podiam ser feitas cópias por uma remuneração determinada [...]. (FEBVRE; MARTIN, 1992, p. 29)

A publicação do texto oficial do curso foi de fundamental im- portância para o desenvolvimento do trabalho editorial. Este trabalho, com base na pecia, primeira cópia oficial da obra, era feito em cadernos de quatro fólios para facilitar a circulação. Além dos livros de “base”, também eram publicados os con- teúdos dos cursos, para a consulta dos alunos à época dos exa- mes, equivalente ao livro texto do professor, através do qual o curso seria acompanhado.

Mesmo manuscrito, o “livro de base” é fundador da cultura do uso do livro, assim como do desenvolvimento da editoração. O exercício de modificações e adequações na sua forma para torná-lo mais prático no manuseio e mais rápido para ser re- produzido são exemplos disso. Como também são exemplos para a otimização do produto livro a opção pelo uso das folhas do pergaminho que, mais flexíveis, menos amareladas e em formato mais reduzido, facilitam o transporte. Também se verifica a redução da quantidade de ornamentação. Há, pois, uma preocupação maior com o conteúdo, no sentido, inclusi- ve, do seu controle e com modificações na parte visual e gráfi- ca para atender às necessidades do leitor.

As inovações técnicas surgidas com a invenção da imprensa, nos meados do século XV, com a utilização dos tipos móveis por Gutenberg, modificaram não apenas o modo de registro e disseminação do conhecimento, mas o lugar social da produção

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dos livros. “[...] mudaria a própria natureza do conhecimento, o modo como poderia ser usado e quantas pessoas poderiam acessá-lo” (BURKE; ORNSTEIN, 1998, p. 137). Ocorre, nes- se período, uma modificação no mapa da Europa, pois o poder da Igreja católica é reduzido, alterando a própria natureza do conhecimento em que se baseava o controle político e religio- so. “[...] A imprensa escrita ajudaria também a estimular for- mas nascentes de capitalismo e prover suporte econômico para um novo tipo de comunidade” (ibidem, p. 138).

A imprensa se espalhou rapidamente pela Europa. O domínio da produção de livros passa para as mãos dos leigos, criando- se, assim, novas relações de poder nesse processo, incluindo não só a sua produção, mas também a circulação. Agora, a fun- ção do editor não se esgota no texto, há também a preocupa- ção com um mercado nascente, composto pelo consumidor anônimo que se forma na cidade e seus arredores.

Os livros antes restritos a círculos limitados de uma elite inte- lectual passaram a ser produzidos e distribuídos – num novo ambiente social, com outros horizontes ideológicos – a um público bem mais amplo, em volumes portáteis e a preços muito mais acessíveis, permitindo que novos leitores os pu- dessem comprar e levar para casa (BRAGANÇA, 2002). É nesse contexto, na Europa, com o crescimento das universi- dades, a invenção da imprensa, a produção do livro como uma atividade industrial e o próprio conhecimento acadêmico se trans- formando em mercadoria por meio da disseminação da infor- mação científica através das publicações ligadas às universidades, que surge a primeira editora universitária. Criada em 1534, mediante a concessão de funcionamento emitida pelo rei Henrique VIII, a Cambridge University Press foi a primeira do gê- nero no mundo, “destacada pelos estatutos da universidade para

desenvolver a área de publicações” com o intuito “[...] de disse- minar o conhecimento de uma forma genérica e de contribuir para o avanço do ensino, da pesquisa e da literatura” (CAMBRIDGE UNIVERSITY PRESS, 1990)

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