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4. As secções cónicas na obra de Anastácio da Cunha:

4.1. As secções cónicas em Principios Mathematicos

4.1.2. O livro XVII

O livro XVII de Principios Mathematicos, constituído por 12 páginas, consiste numa aplicação do cálculo diferencial ao estudo de diferentes aspectos das curvas. Os conteúdos são apresentados, uma vez mais, sob a forma de proposições que, após anunciadas, são demonstradas. À semelhança de diversos autores que trataram este tema, Anastácio da Cunha apresenta um método de obter tangentes25 a curvas.

“Proposição I:

Por hum ponto A, dado em hum arco AB de secção cónica também dado, tirar huma tangente.”

O problema da determinação de tangentes a curvas remonta à Antiguidade onde eram tratadas no âmbito geométrico, recorrendo a uma definição cinemática:

“une droite qui ayant un point commum avec la courbe, était telle qu’on ne pouvait mener par ce point aucune autre droite entre elle e la courbe” 26

Este problema passou a ser interpretado de uma forma distinta com os matemáticos modernos, Descartes e Fermat, que as trataram como a posição limite de uma secante quando dois pontos de intersecção com a curva tendem a coincidir:

“regardaient les tangents comme des secants don’t deux points d’intersection sont infiniment raprochés ou pour ainsi dire reúnis” 27

25

Anastácio da Cunha dá uma definição geral de tangente no Livro II, Definição III: “Se os lados de hum ângulo concorrerem no vértice, de sorte que deste se não possam tirar duas rectas entre elles, dir-se-há, que cada hum dos lados he tangente ao outro, ou, que o toca no dito vertice”, p. 13 Note-se que os lados do ângulo a que Anastácio da Cunha se refere são as curvas.

26

Hoefer, F. (1874) p. 399

27

Ibidem

Fermat apresenta um método de determinação de tangentes a um ponto de uma curva dada a sua equação, que consiste na determinação da subtangente28 e

utiliza, já, algumas ideias de cálculo diferencial. Descartes resolve o problema recorrendo à determinação da recta perpendicular ao ponto pretendido sobre o eixo29.

Posteriormente, com Newton e Leibniz, a determinação da tangente passa a ser um problema algébrico e de aplicação do cálculo fluxional e diferencial. Com dx a representar um intervalo finito arbitrário, Leibniz prova que30

e subtangent y

dx

dy: = : (4.18)

Slusa, em 1650, apresenta um algoritmo que nos permite determinar a subtangente a uma curva dada a sua equação polinomial, manipulando-a algebricamente. Não existe, no entanto, uma demonstração deste algoritmo, pelo que se conjectura que este foi descoberto por tentativa/erro.

Em Principios Mathematicos podemos verificar a construção geométrica da solução, no entanto é na utilização do cálculo diferencial/fluxional que se concretiza.

Começamos por considerar uma curva de segundo grau arbitrária com vértice em C e diâmetroCD= x, como indica a fig. 4.18. Se AD= y for a ordenada, a

equação da curva31 será 2 2

Bx Ax

y = + . (4.19)

O problema resume-se, então, a encontrar o comprimento de DE, em que AE representa a tangente ao ponto A. Por um resultado obtido no livro XV (Proposição 13) Anastácio da Cunha garante que DE:y::dx:dy, ou seja,

dy ydx

DE= . (4.20)

Aplicando o cálculo fluxional à equação (4.19) obtém 2ydy= Adx+2Bxdx.

Simplificando a expressão, de forma a construir o quociente pretendido, tem-se que

28

Note-se que a determinação da subtangente, ou seja, do segmento de recta cujas extremidades são a projecção do ponto de tangência sobre o eixo das abcissas e a intersecção da tangente com o mesmo eixo, permite determinar facilmente a tangente.

29

Hoefer, F. (1874) p. 400

30

Eves, H. (1997) p. 443

31

Bx A y dy dx 2 2 + = , logo Bx A y dy ydx DE 2 2 2 + =

= , que Anastácio da Cunha ainda transforma,

utilizando novamente a equação (4.19) em x

Bx A Bx A DE 2 2 × + + = .

O método utilizado por Anastácio da Cunha é significativamente diferente de qualquer uma das abordagens dos autores que analisámos no capítulo anterior. Antes de mais, os três autores aplicaram o cálculo da tangente a cada uma das curvas em particular e não às secções cónicas em geral. Em Bézout e em Muller este problema resume-se à apresentação de um método geométrico de construção. A abordagem mais próxima é a de Euler na medida em que também ele recorre à subtangente para determinar a tangente. No entanto, existem diversos indícios newtonianos nesta demonstração, nomeadamente quando determina uma expressão para a subtangente e a utiliza, posteriormente, ao cálculo fluxional. Porém, parece-nos que a relação (4.20), obtida por Anastácio da Cunha recorrendo à semelhança de triângulos, é mais próxima da relação obtida por Leibniz (4.18).

O Corolários 1 e 2 são uma aplicação desta proposição à parábola e à elipse. Através da atribuição de diferentes valores para os coeficientes A e B é possível adaptar o resultado obtido na Proposição I a cada uma das curvas. Note-se que a generalização feita por Anastácio da Cunha na determinação da tangente a uma curva é bastante prática, pois ao considerar a equação geral das curvas de segundo grau torna simples a determinação da tangente a curvas específicas.

Posteriormente, nos Corolários 3, 4 e 5, podemos encontrar alguns resultados relativos, ainda, à subtangente.

Na proposição II é demonstrada uma propriedade referente aos diâmetros conjugados da elipse, ou seja, diâmetros que bissectam as cordas paralelas um do outro:

“Proposição I:

Na ellipse a somma dos quadrados de qualquer dois diâmetros conjugados he igual á somma dos quadrados de quaesquer outros dois diâmetros conjugados.”

Uma vez mais, a demonstração desta proposição recorre a triângulos semelhantes. Este é um resultado presente em diversos estudos feitos sobre as

cónicas embora nem sempre na sequência do estudo da tangente a uma curva. Muller acrescenta, ainda, que essa soma é igual à soma dos quadrados dos dois semi-eixos (que são diâmetros conjugados).

“The sum of the squares of any two semi-conjugate diameters CM, CN, will be always equal to the sum of the squares of the two semi-axes CA, CB” 32

A Proposição III refere-se, também, a uma propriedade dos diâmetros conjugados da elipse, e, uma vez mais, é utilizada a tangente na demonstração:

“Proposição V:

Os parallelogrammos circumscriptos á elipse, de sorte que os lados de cada paralelogrammo a toquem nos extremos de dois diâmetros conjugados, são iguaes entre si.”

A determinação da subtangente a uma curva dada e da sua equação é tema da Proposição IV, enquanto que na Proposição V podemos verificar uma extensão à Proposição I, onde se pretende encontrar a tangente nos pontos múltiplos de uma curva algébrica sabendo a sua equação algébrica.

“Proposição V:

Dada a equação de huma curva algébrica, achar-lhe os pontos múltiplos; isto é, achar onde a curva se cruza. Tirar também por este ponto tangentes.”

No âmbito das secções cónicas, este livro aborda, ainda, na Proposição VI, um método de encontrar as assímptotas rectilíneas de uma curva dada a sua equação. A solução que o autor propõe recorre à expressão da subtangente correspondente.

“Seja x o angulo que determina a posição do raio vector v: a expressão dv

dx

v2 da subtangente, na suposição de v infinito, indicará a posição da assymptota”.

Este Livro XVII dos Princípios confere ao estudo das curvas uma dimensão distinta da que vimos no Livro XIV, ou de qualquer uma das obras que tivemos oportunidade de analisar, pois introduz uma aplicação do cálculo fluxional de uma forma clara e sucinta. No entanto, parece-nos que os conteúdos abordados, que requerem um entendimento matemático relativamente elevado, se encontram um pouco desajustados às necessidades usuais do público-alvo desta obra.

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