• Nenhum resultado encontrado

UM ESTUDO LITERÁRIO SOBRE A COMPAIXÃO

O “LUGAR” ONDE MORAL E ÉTICA SE ENCONTRAM

Uma conhecida parábola bíblica pode nos fornecer uma analogia sobre a dialética do desenvolvimento humano e ajudar a localizar com certa precisão o “lugar” de síntese, ou de convergência, em que se pode novamente encontrar o equilíbrio perdido, ou, quem sabe, defrontar-se com ele pela primeira vez. Como uma segunda linha de força, poderemos também observar, contrapostas, uma moral baseada na obediência, portanto heterônoma, e outra, mais espontânea, consequentemente com uma forte tendência à autonomia. Trata-se da

Parábola do Filho Pródigo47, que, em linhas gerais, conta a história de um filho que pediu, quando o pai ainda vivia, a repartição da herança, pois desejava deixar a casa e ir viver noutro lugar. Tendo recebido sua parte, foi para um país distante onde rapidamente dissipou os bens, vivendo de forma licenciosa. Com fome e sem ter quem lhe desse ao menos a porção diária com que se alimentavam os porcos, resolveu voltar e se reconciliar com o pai, pedindo que este o recebesse ao menos como um empregado, o que já representaria ser tratado muito bem. O pai distingue o filho ao longe, andrajoso, e corre ao seu encontro, encarregando criados de prepararem novas vestes e uma recepção para aquele que se havia perdido e foi achado. Ao final do dia, quando volta para casa, o filho mais velho ouve som de música e danças; é informado de que o irmão voltou, e o animal cevado está sendo servido. O ciúme vem à tona. Recusa-se a encontrar-se com o irmão. O pai insta com ele. Sua queixa é que nunca o pai lhe dera um cabrito para comemorar com os amigos. O pai lhe diz que tudo sempre esteve ao seu dispor.48

Esta parece ser a história de quem foi sem nunca ter saído e de quem nunca saiu mas nunca se considerou. Expliquemo-nos. O filho mais novo ofende o pai ao desejar se apossar de sua herança quando este ainda não havia morrido. Mas há algo nele que nos chama a atenção: ele se sente filho, goza da liberdade que esse privilégio lhe dá e se acha livre para arriscar a ir viver noutro lugar, andar com as próprias pernas. É verdade que ele paga caro por essa escolha, um preço amargo, e o arrependimento não tarda a atingi-lo em cheio. Mas ele achou que podia, decidiu, usou a liberdade de sua consciência. Sim, “quebrou a cara”, mas o sentimento que o animou a partir trouxe-o também de volta. Não ficou se autopenitenciando,

47

Alguns a têm denominado de A Parábola dos Filhos Pródigos, ao interpretarem que havia dois filhos perdidos na história contada por Jesus Cristo: o perdulário, que gastou a herança dissolutamente, e o mais velho, que, embora em casa, não se sentia filho. Outros há que a intitulam A Parábola do Pai Compadecido, uma vez que sublinham as atitudes do pai como centrais no desenrolar dos acontecimentos. Estamos entre esses últimos.

48

não encetou uma tentativa inútil de recuperar o que havia perdido com o fito de se justificar diante do pai. O máximo que fez foi ficar mastigando as palavras que diria quando se avistasse com ele. No fundo, parecia conhecer o pai: este não havia posto cercas quando o filho resolveu partir. Não o impediu. Não porque o desprezasse; antes porque decidira: o amor que devotara ao filho a vida toda era a grande e suficiente garantia. E sabia que este mais novo entendera, em alguma medida, esse amor. Embora distante, este amor fora responsável por mantê-lo conectado à casa paterna, com um referencial de afetividade indelevelmente registrado em sua personalidade. Foi este afeto que o trouxe de volta, que indicou com segurança o caminho. Eis o filho que foi sem nunca ter saído.

O mais velho, porém, não entendeu esse amor que também lhe foi dispensado. Viu, antes, um patrão em lugar do pai. Um homem exigente, disposto a exigir o máximo ao menor custo. Externamente fez tudo que um bom filho deve fazer, mas, no íntimo, se afastou bastante de seu Pai. Ele cumpriu o seu dever, trabalhou duro todos os dias e deu conta de suas obrigações, mas se tornou mais e mais infeliz e cativo. Quem é filho mais velho sabe como é preciso ser modelo. Muitas vezes receiam desapontar seus pais, mas experimentam uma certa inveja em relação aos irmãos mais jovens pela pouca preocupação e por estarem à vontade para viverem sua própria vida. “Há tantos anos que te sirvo sem jamais transgredir uma ordem tua, e nunca me deste um cabrito sequer para alegrar-me com os meus amigos”. Nesta queixa, obediência e dever se tornaram um peso, e o trabalho, uma escravidão. Não nos custa sublinhar uma vez mais aqui a “moral dos tristes”.

Há muitos “filhos mais velhos” – diligentes cumpridores de deveres – perdidos nos confortáveis redutos da “moralidade”. Ostentam um verniz impressionável de retidão, acabam até, com seu irrepreensível comportamento exterior, provocando em outros uma certa culpabilidade e desconforto quando estes se comparam e se avaliam frequentemente aquém de tão elevado padrão. Piaget (1932/1994), em JM, falou ligeiramente sobre esse filho mais velho ou, antes, sobre as características que já se percebem nele desde tenra idade. Chamou-o “santinho”, o aluno submisso e bem comportado, “aquele que ignora seus companheiros, para conhecer apenas o professor, e toma sempre o partido do adulto contra as crianças” (p.221). Ao “santinho”, Piaget opôs o que chamou de “tipo elegante”, que terá sempre contas a ajustar com a autoridade estabelecida, mas que encarna a solidariedade e a equidade entre crianças. Não lembraria, ainda que em linhas gerais, pela liberdade interior que o caracteriza, o filho mais novo da parábola de que estamos tratando? Piaget está preocupado com os desdobramentos de semelhantes caracteres. Se começam assim, que fim os espera?

[...] qual, do “tipo elegante” ou do “santinho”, será mais tarde o que constituirá, para a consciência comum, o homem honesto e bom cidadão? Dada a forma de nosso sistema pedagógico atual, podemos afirmar que o “tipo elegante” tem todas as probabilidades de continuar assim a vida inteira, enquanto o “santinho” tornar-se-á apenas um espírito estreito, cujo moralismo prevalecerá sobre o senso humano. (p.222).

Eis o vaticínio de Piaget para uma educação, institucional ou não, que apenas se preocupa em colocar cercas impeditivas que contenham a transgressão. Aliás, como se pronunciou La Taille (2006a), a transgressão, uma vez que gera a culpa, é importante para a construção da moralidade. “Não houvesse ordens”, diz esse autor, “não haveria despertar da moralidade, e não houvesse transgressão a elas, não haveria desenvolvimento moral” (p.132), uma vez que a culpa, então inexistente, deixaria de funcionar como um regulador moral.

O irmão mais velho de nossa parábola se enquadraria perfeitamente no que Piaget qualificou como “santinho”. Essas pessoas, não obstante cobertas de elogios, acabam derrotadas por nutrirem secretamente raiva e ressentimento, amargura e ciúme. Muitas vezes pensa-se em deslizes morais em termos de ações que são claramente reconhecíveis, como as do filho mais novo: ele infringiu deliberadamente a moral. Já o desacerto do mais velho é mais difícil de identificar, afinal ele foi obediente, cumpridor de suas obrigações, respeitador das leis e trabalhador. Sua reputação o precedia, e ele podia ser considerado um filho modelo. Aparentemente era sem defeitos, até que se defronta com a alegria do pai pelo filho que volta e explode numa onda de revolta. De repente, surge ali uma pessoa ressentida, orgulhosa, má, egoísta, alguém que permanecera profundamente escondido por todos aqueles anos. Como vimos no conto de Babette, os “justos” e “corretos” armazenam muito ressentimento; julgamento, condenação e preconceito estão bem ali, quase à superfície, só não podem ser discernidos num primeiro exame. As preocupações renovadas em não passar por cima da moral deixam quase sempre, na “linha de fundo”, uma ira fria, contida, diz Nouwen (1997).

Segundo esse autor, é difícil avaliar o desatino do “santo” ressentido, principalmente porque está tão ligado ao desejo de ser bom e virtuoso. Suas experiências pessoais mostraram- lhe que é preciso ter cuidado com uma seriedade, uma excessiva preocupação moral e até um pouco de fanatismo que fazem os homens se sentir pouco à vontade na “casa do pai”. Tornamo-nos menos livres, menos espontâneos, menos brincalhões, e os outros começam cada vez mais a nos ver como alguém um tanto “pesado”. Confere com as opiniões das crianças ao interrogatório de Piaget (1932/1994): para elas, o “santinho” “é que vai sempre agarrado à saia da mãe”, “é um bajulador”, “é um puxa-saco”, “é aquele que delata” (p.221).

Esforcei-me tanto, trabalhei por tanto tempo, fiz o possível e mesmo assim não recebi o que outros recebem tão facilmente. Por que as pessoas não me agradecem, não me convidam, não brincam comigo, não me consideram, enquanto prestam tanta atenção àqueles que levam a vida de maneira trivial e leviana? (p.79).

Dá para compreender a dificuldade do mais velho de partilhar a alegria do seu pai. Desconfiado, deixou de ser espontâneo ao ponto que nem mesmo alegria pôde despertar alegria. Há o medo de ter sido excluído novamente, de estar por fora dos acontecimentos. O irmão voltou. Mas o coração ressentido bloqueia o recebimento dessa manifestação de alegria. A parábola se encerra sem que saibamos se o filho mais velho se deixou persuadir pelo pai, se abraçou seu irmão, se participou da festa. Teria sido capaz de reconhecer que não era superior ao seu irmão? Eis a história de quem nunca saiu de casa, mas também nunca se considerou intimamente filho.

Com essa parábola e essa possível interpretação, acreditamos ter deixado claro em que tipo de moral acreditamos. Ela nos mostra como moral e ética, levando em conta os conceitos que nosso referencial teórico assumiu, precisam se interpenetrar. O filho mais novo é aquele que vai atrás da vida boa, a vida com sentido. Ele quer respostas para o “para que viver?”. E julga poder encontrá-las num “país distante”. Todavia, o seu “como viver”, ou seja, seu projeto de felicidade, não dedica lugar de destaque para os deveres. Ora, como o afirmou La Taille (2006a), é a moral “que confere às opções de vida boa sua legitimidade, isto é, confere- lhes as condições necessárias para que mereçam o nome de ética” (p.60). Portanto, divorciado da moral, seu projeto de felicidade vai a pique. Embora conservando afetos, segundo o que vimos, imprescindíveis para fazê-lo voltar, ele carecia de alçar os deveres a um lugar privilegiado nas representações de si. O filho mais velho, ao contrário, atolou o pé no dever, ficou escravo da prescritividade e, qual um autômato do cumprimento das disposições legais, naufragou numa heteronomia amargurada. O meio-termo de Aristóteles caberia muito bem aqui a ambos. O mais novo precisava equilibrar seus arroubos pela procura da felicidade com a sobriedade do dever; o mais velho, por sua vez, carecia de temperar seu dogmatismo legalista com uma progressiva abertura para a desejável “vida boa”.

Se a obediência, como já foi dito, é necessária para que a primeira moral, a da heteronomia, surja, e com ela o sentimento de obrigatoriedade, sem o qual a moralidade fica dessubstantivada, nem tudo é dever no processo de construção da moralidade humana. Se sentimentos como o da compaixão que se referem a um potencial humano não forem reprimidos pelo ambiente, virtudes como a generosidade vão aflorar e, dada a sua natureza

espontânea, serão mais facilmente reconhecidas e entendidas pela consciência. Isso ajudará grandemente na construção da autonomia, o que não quer dizer que a razão vá ficar de lado no processo. Se assim o fosse, nem poderíamos falar em autonomia.

Poderíamos, ainda, procurar um outro viés nesta história bíblica, começando por reintitulá-la. Chamemo-la agora A Acolhida do Pai Compadecido. Por certo, encontraremos um “lugar” de convergência para que o filho que desejou viver uma vida boa da qual alijou os valores morais e aquele que carregou o mundo dos deveres nas costas em detrimento de um projeto de felicidade sejam “curados”.

3.3.1 - A compaixão como lugar de sentido e autonomia

O desejo do pai da parábola é trazer ambos os filhos de volta para casa: tanto o que se extraviou num país distante quanto o que não precisou deixar o lar paterno para se perder. Vamos usar essa “casa paterna” como metáfora do lugar da ética que vimos procurando. O pai gostaria muito de ter usado sua autoridade paterna a fim de mantê-los perto e poupar-lhes inúmeros sofrimentos. Mas sua compaixão é o grande obstáculo: não os força nem constrange; antes, deixa-os livres para rejeitarem esse sentimento ou retribuírem-no. Essa liberdade lhes dá a possibilidade de deixarem a casa, irem para muito longe e dissiparem tudo. Embora não desconheça a dor que lhes advirá disso, seu amor o torna incapaz de evitá-la. A única autoridade que exerce, segundo Henri Nouwen (1997), é a da misericórdia. Uma autoridade que se origina em deixar as ofensas dos filhos ferirem seu coração.

Em paralelo com sua análise de A Volta do Filho Pródigo, esse autor procurou descrever as impressões profundas que um quadro homônimo de Rembrandt lhe deixaram. Em destaque, na tela, aparece um velho cansado e sereno repousando as mãos sobre os ombros do filho que se acha ajoelhado diante dele. Nouwen chama a atenção para as mãos do pai: a esquerda é forte e musculosa e faz uma ligeira pressão, como se além de tocar, também sustentasse, acrescentando à delicadeza do toque um firme envolvimento. A mão direita é diferente. Ela não segura ou agarra. É macia e meiga e toca gentilmente os ombros do filho, oferecendo afago, consolo e conforto, como a mão de uma mãe.

O pai não é somente um grande patriarca. Ele é igualmente pai e mãe. Ele toca o filho com uma mão masculina e outra feminina. Ele segura, ela acaricia. Ele confirma, ela consola. [...] Seria demais pensar que uma das mãos protege o filho no seu aspecto vulnerável, enquanto a outra reforça o seu vigor e aspiração de ir adiante na vida? (p.108).

Não dá para não lembrar de Gilligan (1982), cujas pesquisas, sobre as quais nos detivemos no referencial teórico, a levaram a reconhecer duas orientações para a moralidade: uma “voz” masculina, fundamentada na justiça, e outra “voz” feminina, fomentada pelo cuidado. Reencontramos aqui novamente o amalgamamento da razão e da afetividade no que diz respeito ao fenômeno da moralidade; o “conluio” da moral e da ética. A mão masculina da moral protege, dá alicerces seguros em que se apoiar. A mão feminina da ética constrói sobre esse fundamento com beleza virtuosa admirável. Smith (1759/1999) compara os atos de beneficência com os de justiça. Se estes últimos falam de uma virtude cujo registro aponta para o pilar que sustenta o edifício, os primeiros são o ornamento que o embelezam, não seus alicerces. Bastaria, portanto, recomendá-los, pelo que têm de desejável, jamais impô-los por quaisquer meios. Smith diz que a virtude requer hábito e resolução de espírito, mas também delicadeza de sentimento: “Há muitos homens bem intencionados que se propõem seriamente executar o que julgam seu dever, mas que, apesar disso, são desagradáveis por conta da rudeza de seus sentimentos morais” (SMITH, 1759/1999, p. 403).

O irmão mais velho se compara com o irmão mais jovem e fica com ciúmes. Mas o coração do pai não distribui porções diferentes do seu amor. O fato de expandir sua alegria para receber o filho que voltou não denota uma preferência. Uma outra parábola lança luz sobre as intenções desse pai. Diz o Evangelho de Mateus49 que um proprietário de terras saiu bem cedo para contratar trabalhadores para sua vinha. Ainda antes que amanhecesse o dia, já acertara com vários deles, prometendo-lhes determinada quantia ao final do expediente. Nas horas que se seguiram, novos trabalhadores foram sendo recrutados. A uma hora do término da jornada, as contratações ainda não haviam terminado. Quando chegou o momento de assalariar os trabalhadores, uma surpresa: começando pelos últimos contratados e chegando aos primeiros, deu a todos a mesma quantia. Indignados, os que estiveram mais tempo sob o forte calor do sol começaram a reclamar, chamando injusto ao dono da vinha. Este tentou lhes explicar que não procedia com injustiça, mas com generosidade.

Não seria mais fácil ter pago e dispensado em primeiro lugar os que trabalharam todo o dia e depois surpreender os retardatários com tamanha demonstração de generosidade? Por que pagar primeiro os trabalhadores das últimas horas, criando falsas expectativas para os outros e despertando amargura e ciúmes desnecessários, Nouwen (1997) se pergunta?

Não havia antes me ocorrido que o dono da vinha poderia desejar que os trabalhadores das primeiras horas pudessem se regozijar com a

49

generosidade dispensada aos que vieram mais tarde. Nunca me passou pela cabeça que ele possa ter agido supondo que aqueles que haviam trabalhado todo o dia na vinha ficariam muito agradecidos por terem tido a oportunidade de trabalhar para o seu patrão e ainda mais por reconhecerem como ele é uma pessoa generosa. É preciso que haja uma íntima reviravolta para aceitar esse modo de pensar isento de comparações. (p.113).

Há uma ingenuidade do dono da vinha ao presumir que os trabalhadores estariam tão felizes em sua presença que nem sequer lhes ocorreria estarem se comparando. Para Nouwen, a pergunta do dono da vinha aos trabalhadores das primeiras horas é a expressão de perplexidade de um amante incompreendido: “Por que vocês teriam inveja diante de minha generosidade?”; “por que estão tão amargos?” (p.113). Ainda de acordo com esse autor, é o mesmo espanto que vem do coração do pai quando diz a seu filho: “Meu filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu”.

A descoberta do pai da parábola e do dono da vinha não, respectivamente, como um patriarca divinizado nem como um patrão estereotipado, mas como figuras prenhes de dádivas e de compaixão, que não condicionam o amor e a generosidade ao comportamento de seus filhos e trabalhadores, poderá conferir duradoura gratidão àqueles que com eles se relacionam. E dificilmente essa gratidão não será passada adiante.

A compaixão e a generosidade são flagrantes na história dos “dois filhos perdidos”. Difícil não se render a elas. O pai não é um chefe inacessível que fica em casa, não se altera, e espera que seus filhos venham a ele, desculpem-se por seus desatinos e prometam se emendar. Ao contrário, deixando de lado sua posição de autoridade, dispara em direção a eles, ignorando desculpas ou promessas de mudanças e os reconduz à mesa, não para continuarem filhos para sempre, mas para se tornarem futuros pais compassivos. As mãos que perdoam, consolam, curam e oferecem uma celebração devem, doravante, ser as dos filhos, não obstante haja uma sutil configuração social para que se mantenham como filhos indefinidamente, numa incorrigível dependência. Como sucessores, os filhos devem assumir o lugar do pai e oferecer a outros a mesma compaixão que ele lhes dedicou, reproduzindo uma paternidade que não tem nada a ver com poder ou controle, mas com misericórdia. E que, portanto, não pode ser fonte de heteronomia, mas de autonomia.

Henri Nouwen aponta três caminhos para uma paternidade verdadeiramente compassiva: pesar, perdão e generosidade. O sentimento de pesar permite ver além dos muros próprios e dar conta dos infortúnios alheios; abre o coração para uma solidariedade sincera com o próximo. Perdoar, por sua vez, permite transpor a barreira e acolher os outros sem esperar nada em troca. E a generosidade faz com que se ultrapasse o razoável, o esperado, o

previsível. Na parábola, o pai se dá todo aos filhos. Chega a dizer ao mais velho: “Tudo o que é meu é teu”. Ao mais novo, que chega pedindo para ser tratado como a um dos empregados, cumula de presentes. Tornar-se como o pai, portanto, é reproduzir tamanha generosidade, abrindo mão muitas vezes do conforto e da autopreservação tanto quanto dos recursos próprios. Nouwen lembra que a palavra generosidade inclui o prefixo “gen”, também encontrado em palavras como “gênero”, “geração”. Esta palavra vem do latim genus e do grego genos e indica que somos da mesma espécie. Ou seja, generosidade é um doar que vem do conhecimento desse laço íntimo. Ser generoso é agir com base na verdade – e não no sentimento – de que aqueles que devo perdoar são da mesma “parentela”. A generosidade cria