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CAPITULO I. O CONCEITO DE MÉTODO (AUTO)BIOGRÁFICO EM

1.3. O método (auto)biográfico em Ciências Sociais

Como referimos anteriormente, a utilização do método (auto)biográfico nas Ciências Sociais desenvolveu-se sobretudo a partir do movimento da Escola de

Chicago. Desde então, várias são as áreas que utilizam a investigação biográfico- -narrativa, quer como objecto de estudo, quer como método de investigação. No

âmbito da sua actuação, cada uma delas forneceu contributos relevantes para a compreensão, conhecimento e aplicação deste método.

41 Salientamos, a título de exemplo, a contribuição dada por três destas ciências: a Antropologia e Etnografia, a Análise Literária e Linguística e a Psicologia. Consideramos que uma breve referência às contribuições destas áreas do conhecimento auxiliar-nos-á na compreensão do método

(auto)biográfico e das vantagens da sua utilização (cf. Bolívar et al., 2001).

Assim sendo, podemos dizer que a Antropologia e a Etnografia facultaram a consolidação da narrativa como discurso escrito. Por outras palavras, os textos antropológicos passam a ser analisados enquanto discurso sobre o outro e enquanto veículo para o conhecimento da cultura na qual o sujeito se insere:

“En lugar de creer en posibles metodologías que permitan un acceso inmediato a lo real como algo ya dado, se trata (…) de buscar estructuras de construcción de lo real mediante prácticas narrativas” (Bolívar et al. 2001: 82).

No que respeita a Análise Literária e Linguística, assistimos à constituição da narratologia, ou seja, à construção de uma teoria de textos narrativos, permitindo a descrição do que constitui um sistema narrativo, e auxiliando, deste modo, na compreensão das variações e variantes inerentes à elaboração de um relato. Assiste-se a uma preocupação e a um interesse gradual pela análise hermenêutica da linguagem, ou seja, a linguagem passa a constituir objecto de reflexão enquanto discurso e não apenas enquanto código linguístico. A este interesse não são extrínsecos os pressupostos ricoeurianos que atribuem à linguagem um papel preponderante no conhecimento da humanidade e na interpretação do “nosso ser-no-mundo em geral”.

Segundo o filósofo, a experiência humana é mediada pela hermenêutica e pela linguagem. Como tal, através do texto poético e narrativo, o ser humano toma consciência de si-mesmo, mediante a narração da sua história pessoal. Simultaneamente, o texto oferece também “a relação, a interpretação, a mediação

e a exposição ao outro”, como condição essencial para a construção de si-mesmo

e para a aquisição da consciência do mundo (cf. Gomes, 1999). Como refere Gomes, reportando-se a Ricoeur:

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“ A consciencialização de si-mesmo e a responsabilização da pessoa implica o reconhecimento da sua finitude – da sua dimensão espácio-temporal, do corpo próprio, enquanto único modo possível de o Homem habitar o mundo – e, simultaneamente, da imperiosa necessidade de transcender essa mesma finitude “num processo de transcendência de si” pela linguagem, pela cultura, pelo apelo ao transcendente, enfim, pela inquietação que o move na busca de sentido”

(1999: 23).

Por outras palavras, a linguagem assume-se enquanto meio de descoberta e de encontro com os outros e com cada um, “mediação entre o Homem e o

mundo, entre o Homem e os outros homens e entre o Homem e Si-mesmo” uma

forma de cada sujeito reinventar e redescobrir o real (cf. Gomes, 1999: 41). Neste sentido, a narrativa representará, segundo Ricoeur, a resposta à necessidade do ser humano em registar as configurações e reinterpretações que faz do real e o sentido que lhes atribui, o que confere à linguagem um carácter ontológico e justifica a sua análise hermenêutica pelos textos. Como sintetiza Gomes:

“O falar humano não se deixa reduzir aos sons ou às línguas particulares, ele brota de um querer dizer que atravessa todas as línguas. (…) Se a linguagem encarna a articulação por excelência da nossa humanidade, é por ela mesma solidária do espaço de interpretação, a linguagem não se deixa compreender senão a partir da motivação ou do fundo” (1999: 20).

A Psicologia deu também contributos importantes para a compreensão do conceito de narrativa e das potencialidades da sua utilização, tendo-se dedicado ao estudo das estruturas cognitivas e dos processos usados na compreensão, memorização e expressão de acontecimentos, enquanto instrumentos para o tratamento psicológico do Eu e dos sujeitos (cf. Bolívar et al., 2001).

Importa também salientar o papel que a Filosofia actual tem desempenhado na fundamentação conceptual e epistemológica da narratividade, ao considerar a vida como um relato, sujeito a revisões contínuas:

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"las personas son tanto escritores como lectores de su proprio vivir... la vida debía ser entendida como construida de un conjunto de elementos similares (…) a los que se emplean en la narrativa literaria" (Bolívar et al., 2001: 89).

Ainda no âmbito da Filosofia, uma das teses mais relevantes do seu marco conceptual é aquela que entende a vida como um texto mental escrito ou falado, que relatamos a nós mesmos ou a outros e que é continuamente submetido a interpretações e reformulações por parte do sujeito/actor/narrador (cf. Bolívar et al., 2001).

A hermenêutica dos textos produzidos pelo narrador torna possível a realização da hermenêutica da vida humana, ou seja, possibilita a unificação dos diversos momentos e situações que a compõem, através de uma estrutura narrativa na qual o narrador se reconhece e se assume como personagem principal da história que relata, como sustentam Bolívar et al.:

“el sujeto tiene la capacidad de unificar la vida en una historia en la que se reconoce como personaje y narrador; y –por ello mismo – como autor de sus propios actos, como imputable y responsable, en suma, capaz de dar cuenta de sus propios actos y de afrontar las consecuencias” (2001: 94).

Em jeito de conclusão, podemos referir que a utilização da narrativa se faz numa dialéctica entre o eu e o outro, inscritos num contexto cultural determinado. Reflectindo sobre si próprio, sobre as suas acções e motivações e sobre as consequências das mesmas, o sujeito estrutura e orienta a sua acção na relação com o outro, revendo-se naqueles com quem interage.