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3.1 Os caminhos metodológicos

3.1.1 O Método Bick

O método desenvolvido por Esther Bick (1964) nasce com o intuito de sua criadora em promover auxílio na prática com bebês o que permitiu uma experiência prática nos primeiros anos de formação de terapeutas infantis da Clínica de Tavistock. O objetivo do treinamento é o de desenvolver uma observação minuciosa que pretende abarcar não apenas uma atitude manifesta do que é observado, mas as reações próprias do observador para uma possível compreensão psicodinâmica da situação vivenciada. Posteriormente, esta técnica foi introduzida como parte do curso de formação de psicanalistas na Sociedade Britânica de Psicanálise e se estendeu para outros institutos de formação por todo o mundo (PICCININI; MOURA; RIBAS; BOSSA; OLIVEIRA; SCHERMANN e CHAHON, 2001).

O método oferece uma excelente oportunidade de observar o desenvolvimento de um bebê em sua relação com seus cuidadores, oferecendo a oportunidade de se acompanhar como se originam e desenvolvem tais relações. O método tradicional consiste na observação de um bebê desde o seu primeiro dia de vida, em seu ambiente familiar, estendendo-se até o seu segundo ano de vida. Para tanto, o observador deve estabelecer o contato com os pais antes do nascimento do seu filho, realizar uma entrevista inicial com os mesmos e estabelecer um acordo de que as visitas aconteçam uma vez por semana, com duração de uma hora e em dia e horário estabelecido de forma regular.

Durante as observações é importante que não se faça notas para não interferir na atenção livre do observador. Após as visitas o observador redige um relato sobre a mesma e o material é levado para supervisão. É de extrema importância que cada nova observação seja realizada só após a supervisão da visita anterior (BICK, 1964). Com isto, o método Bick de observação está dividido em três fases: a observação, a anotação e a supervisão.

Na primeira etapa o observador ocupa um papel fundamental no método, pois precisa despojar-se de preconceitos teóricos e pré-julgamentos, tendo o cuidado de produzir o mínimo de interferência possível, para assim captar o inesperado, e para tanto, de acordo com Houzel (1997), criar em si um espaço psíquico livre de a priori. Tal posição do observador aponta que a técnica de observação mantém um estreito vínculo com o método clínico psicanalítico, com a tendência na utilização de seus princípios, tais como a atenção flutuante, a transferência e a contratransferência.

Para Perez-Sanchez (1983) é importante para o observador, colocar-se ao fundo da situação observada, para não chamar atenção para si e deixar que a cena observada ocorra com espontaneidade. Recomenda ainda, não se fazer perguntas, não tomar iniciativas, de forma a manter a imparcialidade, pois assim ele está assumindo um papel. E caso dirijam

alguma pergunta no decorrer da observação, deve-se tentar responder com naturalidade, o mais brevemente possível, a fim de que a resposta não interfira de alguma forma ou estimule a conversação em prejuízo ao processo.

Entretanto, faz-se necessário que o observador sinta-se incluído no ambiente familiar, para experimentar o impacto emocional advindo da entrada do bebê na família, sem que o mesmo sinta-se comprometido a desempenhar papéis que possam vir a atribuir-lhe, como conselheiro ou cuidador. Fato que deve ser esclarecido no momento da primeira entrevista com os pais.

Para Rustin (1989), o observador ao realizar sua tarefa não define um foco para observação, todavia, pode ter interesse nas experiências e sensações corporais do bebê; na relação deste com sua mãe, principalmente ligados à amamentação ou outro tipo de alimentação, cuidados de higiene, entre outros; processo de desmame; tolerância ausência materna; interação do pai com o bebê; sentimentos e reações dos irmãos (se houver); a relação da mãe com outros adultos significativos e a forma como eles podem oferecer um ambiente de sustentação e cuidado infantil.

A observação, contudo, não é apenas visual, ela envolve todos os sentidos (CHBANI; PEREZ-SANCHES, 1998), pois há um intenso processo de comunicação inconsciente entre mãe/bebê/observador, que se reflete na reação-surpresa do observador, uma vez que este entra em contato com tendências comuns, sentimentos de ambivalência, agressividade presentes no ser humano, mas em geral vivenciados como alheios.

O medo de invadir também é muito comum neste tipo de observação, no entanto, na sutileza do cotidiano, o observador é invadido e surpreendido pela violência das palavras, sensações e gestos ambivalentes, bem como pelos medos mais primitivos de solidão e desamparo (LOPES; VIVIAN; OLIVEIRA-MENEGOTTO; DONELLI; CARON, 2007).

Com isto parte-se para um ponto chave, a importância de reconhecer a contratransferência do observador. Bick (1964) aponta sua relevância para o aprendizado, uma vez que permite ao observante reconhecer e conter os sentimentos contratransferenciais por meio das supervisões. O observador entrega-se à observação, permitindo o uso positivo da contratransferência na procura por algo que possa entrar em contato nos participantes da cena observada. Contudo, o mesmo precisa observar o risco de se impermeabilizar e proteger-se dos sentimentos suscitados pela observação.

A segunda fase consiste no relato escrito das observações que devem ser redigidas, se possível logo após as visitas para que o material produzido tenha o máximo de riquezas possíveis das cenas observadas. No relato deve-se levar em consideração o olhar do

observador acerca da cena presenciada, uma vez que o mesmo deve estar atento à ressonância afetiva do clima emocional que se estabelece na família, o que é complementado por Mélega (1990, p. 22):

Outro aspecto fundamental deste método é que o observador não é neutro [...]; ele não registra apenas as condutas, mas também o clima emocional da situação observada – usando para isto a percepção. Deste modo tenta-se apreender a realidade sensorial e a realidade psíquica.

A terceira fase consiste, portanto na supervisão de preferência realizada por um psicólogo experiente. Oliveira-Menegotto, Menezes, Caron e Lopes (2006) aponta que a supervisão é um aspecto do método que merece destaque. Nesta fase a supervisão focaliza-se nos pólos que integram a observação: aquilo que é observado – a díade mãe/bebê – e o observador. Estes pólos são indissociáveis uma vez que dependendo do instrumento de observação-observador o que será observado sofrerá alterações (SOUSA, 1995).

A supervisão funciona como um continente para o observador, através dela o mesmo tem oportunidade de ser observado, acompanhando seu desenvolvimento junto à família. Desta maneira é possível criar uma nova rede de significados para suas vivências (PERGHER; CARDOSO, 2008).

A função continente do supervisor é semelhante à função do pai que sustenta a mãe no cuidado do bebê. O supervisor assume uma posição de terceiro, que permite conter o impacto emocional da situação de observação (SANDRI, 1997).

Segundo Rustin (1989), o método não só treina a observação, mas contribui na reflexão a cerca das interações entre o bebê, a mãe e os demais cuidadores. Ou seja, permite ao observador esteja atento não só ao desenvolvimento do bebê, mas também na sua relação com sua rede de cuidado. A regularidade das observações, as quais são realizadas no mesmo lugar e na mesma hora da semana, demarca um setting constante. Este último estabelece o estreito vínculo com a Psicanálise, pois permite atenção aos mínimos detalhes, observação do contexto, tipo de contrato de trabalho, supervisão continuada e compreensão dos conflitos, sentimentos e dinâmica estabelecida no ambiente observado. Além disso, a duração de dois anos, proposta pelo método, permite que a observação percorra por um período muito importante, uma vez que, segundo Oliveira-Menegotto, Menezes, Caron e Lopes (2006) os mesmos se configuram como fundante na vida emocional do ser humano.

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