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O Método do Averaging para Sistemas Descontínuos

Com o enfraquecimento das hipóteses do método do averaging para sistemas contínuos, e com o atual interesse nos sistemas de Filippov, é natural questionar-se se o método do averaging pode ser estendido para sistemas descontínuos.

Recentemente, Llibre, Novaes e Teixeira responderam a essa pergunta, e desenvolveram uma adaptação do método do averaging para sistemas descontínuos, que se baseia na Teoria do Grau de Brouwer e na regularização de um sistema de Filippov.

Nessa sessão, temos por objetivo introduzir as principais ideias necessárias para tal genera- lização e enunciar os resultados obtidos.

4.4.1

A Regularização de Teixeira-Sotomayor

A principal ideia do processo de regularização é aproximar um sistema descontínuo 𝑍(𝑡, 𝑥) por uma família a um parâmetro de campos vetoriais contínuos 𝑍𝛿(𝑡, 𝑥) de forma que:

lim

𝛿→0𝑍𝛿(𝑡, 𝑥) = 𝑍(𝑡, 𝑥).

Seja 𝐷 um aberto de R𝑛. Denotamos os pontos de R × 𝐷 por (𝑡, 𝑥), e vamos nos referir à

variável 𝑡 como o tempo. Seja 𝑓 : R × 𝐷 → R uma função de classe 𝒞1 que possui 0 como valor

regular, e denote Σ = 𝑓−1(0).

Sejam 𝑋, 𝑌 : R × 𝐷 → R𝑛 dois campos vetoriais contínuos e assuma que 𝑋, 𝑌 e 𝑓 são 𝑇-periódicos na variável 𝑡.

Considere o sistema de Filippov: ˙𝑥 = 𝑍(𝑡, 𝑥) = ⎧ ⎪ ⎪ ⎪ ⎨ ⎪ ⎪ ⎪ ⎩ 𝑋(𝑡, 𝑥) se 𝑓(𝑡, 𝑥) > 0, 𝑌(𝑡, 𝑥) se 𝑓(𝑡, 𝑥) < 0, (4.4.1)

e denote 𝑍 = (𝑋, 𝑌 ).

Com a ajuda da função sinal 𝑠𝑔𝑛 definida em R − {0}:

𝑠𝑔𝑛(𝑦) = ⎧ ⎪ ⎪ ⎪ ⎨ ⎪ ⎪ ⎪ ⎩ 1 se 𝑦 > 0,1 se 𝑦 < 0, (4.4.2) podemos reescrever (4.4.1) da seguinte forma:

˙𝑥 = 𝑍(𝑡, 𝑥) = 𝐹1(𝑡, 𝑥) + 𝑠𝑔𝑛(𝑓(𝑡, 𝑥))𝐹2(𝑡, 𝑥), (4.4.3) onde: 𝐹1(𝑡, 𝑥) = 𝑋(𝑡, 𝑥) + 𝑌 (𝑡, 𝑥) 2 e 𝐹2(𝑡, 𝑥) = 𝑋(𝑡, 𝑥) − 𝑌 (𝑡, 𝑥) 2 .

Definição 4.4.1. Uma função contínua 𝜑 : R → R é dita uma função de transição se 𝜑(𝑢) = −1 para todo 𝑢 ≤ −1, 𝜑(𝑢) = 1 para todo 𝑢 ≥ 1 e 𝜑(𝑢) > 0 para 𝑢 ∈ (−1, 1).

Definição 4.4.2. Dada uma função de transição 𝜑 : R → R, a 𝜑-regularização de 𝑍 = (𝑋, 𝑌 )

é a família a um parâmetro de funções contínuas 𝑍𝛿, com 𝛿 ∈ (0, 1], dada por: 𝑍𝛿(𝑡, 𝑥) = 𝑋(𝑡, 𝑥) + 𝑌 (𝑡, 𝑥) 2 + 𝜑𝛿(𝑓(𝑡, 𝑥)) 𝑋(𝑡, 𝑥) − 𝑌 (𝑡, 𝑥) 2 , (4.4.4) onde: 𝜑𝛿(𝑢) = 𝜑 (︂𝑢 𝛿 )︂ .

Note que um sistema de Filippov admite uma regularização natural em que a função de transição é definida da seguinte forma:

𝜑(𝑢) = ⎧ ⎪ ⎪ ⎪ ⎪ ⎪ ⎪ ⎪ ⎪ ⎨ ⎪ ⎪ ⎪ ⎪ ⎪ ⎪ ⎪ ⎪ ⎩ 1 se 𝑢 ≥ 1, 𝑢 se −1 < 𝑢 < 1,1 se 𝑢 ≤ −1. (4.4.5) e é imediato que lim

𝛿→0𝜑𝛿(𝑢) = 𝑠𝑔𝑛(𝑢).

Em [71], Sotomayor e Teixeira, mostraram que o processo de regularização introduzido acima, aplicado a sistemas descontínuos em R2 que possuem uma reta de descontinuidade,

fornece a mesma extensão das órbitas através da reta de descontinuidade que a estabelecida pela convenção de Filippov. Em [74], Teixeira generalizou o processo de regularização para campos vetoriais descontínuos definidos em um espaço de dimensão finita.

4.4.2

Teorema Principal

Com a notação introduzida acima, enunciamos abaixo a generalização do método do avera- ging para sistemas descontínuos:

Teorema 4.4.3 (Método do Averaging para Sistemas Descontínuos). Considere o seguinte sistema descontínuo: ˙𝑥 = 𝜀𝐹 (𝑡, 𝑥) + 𝜀2𝑅(𝑡, 𝑥, 𝜀), (4.4.6) com 𝐹(𝑡, 𝑥) = 𝐹1(𝑡, 𝑥) + 𝑠𝑔𝑛(𝑓(𝑡, 𝑥))𝐹2(𝑡, 𝑥), 𝑅(𝑡, 𝑥, 𝜀) = 𝑅1(𝑡, 𝑥, 𝜀) + 𝑠𝑔𝑛(𝑓(𝑡, 𝑥))𝑅2(𝑡, 𝑥, 𝜀),

onde 𝐹1, 𝐹2 : R × 𝐷 → R𝑛, 𝑅1, 𝑅2 : R × 𝐷 × (−𝜀0, 𝜀0) → R𝑛 e 𝑓 : R × 𝐷 → R são funções

contínuas e 𝑇 -periódicas na variável 𝑡 e 𝐷 é um subconjunto aberto de R𝑛. Suponha que 𝑓 seja

de classe 𝒞1 e que possui 0 como valor regular.

Defina a função promediada:

𝐹0(𝑥) =

∫︁ 𝑇

0

𝐹(𝑡, 𝑥)𝑑𝑡. (4.4.7)

Suponha que as seguintes condições são válidas:

1. 𝐹1, 𝐹2, 𝑅1, 𝑅2 e 𝑓 são localmente Lipschitz com respeito à variável 𝑥.

2. Existe um conjunto aberto e limitado 𝐶 ⊂ 𝐷 tal que, para |𝜀|> 0 suficientemente pequeno, cada órbita que inicia em 𝐶 atinge a região de descontinuidade somente em regiões de costura.

3. Para cada 𝑎 ∈ 𝐶 com 𝐹0(𝑎) = 0, existe uma vizinhança 𝑈 ⊂ 𝐶 de 𝑎 tal que 𝐹0(𝑧) ̸= 0

para cada 𝑧 ∈ 𝑈 − {𝑎} e 𝑑𝐵(𝐹0, 𝑈, 𝑎) ̸= 0.

Então, para |𝜀|> 0 suficientemente pequeno, existe uma solução 𝑇 -periódica 𝑥(𝑡, 𝜀) de (4.4.6) tal que 𝑥(0, 𝜀) → 𝑎 quando 𝜀 → 0.

Não demonstraremos o teorema acima neste trabalho, porém a ideia principal de sua prova é estudar o sistema regularizado:

˙𝑥 = 𝜀𝐹𝛿(𝑡, 𝑥) + 𝜀2𝑅𝛿(𝑡, 𝑥, 𝜀), (4.4.8)

onde:

𝐹𝛿(𝑡, 𝑥) = 𝐹1(𝑡, 𝑥) + 𝜑𝛿(𝑓(𝑡, 𝑥))𝐹2(𝑡, 𝑥), 𝑅(𝑡, 𝑥, 𝜀) = 𝑅1(𝑡, 𝑥, 𝜀) + 𝜑𝛿(𝑓(𝑡, 𝑥))𝑅2(𝑡, 𝑥, 𝜀),

em que 𝜑 é a função contínua definida em (4.4.5). Para esse sistema contínuo, podemos definir a equação promediada:

𝐹0𝛿(𝑥) =

∫︁ 𝑇

0

𝐹𝛿(𝑡, 𝑥)𝑑𝑡.

Com as hipóteses do Teorema 4.4.3 e alguns resultados técnicos, pode-se mostrar que as hipóteses do método do averaging para sistemas contínuos são satisfeitas para esse sistema, e portanto existe uma solução periódica 𝑥𝛿(𝑡, 𝜀) para 𝜀 suficientemente pequeno, de forma que 𝑥𝛿(0, 𝜀) → 𝑎 quando 𝜀 → 0, para cada 𝛿 ∈ (0, 1].

Com isso, através do estudo das aplicações de Poincaré do sistema (4.4.6)e de (4.4.8), pode- se mostrar que as soluções periódicas da regularização estendem-se a soluções periódicas do sistema descontínuo.

Para uma demonstração detalhada deste resultado, citamos o artigo [51], e além disso, referenciamos na bibliografia diversos trabalhos que exibem aplicações deste método, como por exemplo [44, 45, 46].

Ciclos Limite em Sistemas de Filippov

com Descontinuidade em S

1

Atualmente, existe uma grande quantidade de trabalhos sobre sistemas planares descontí- nuos que são lineares por partes [4, 17, 19, 21, 29], entretanto a maioria dos autores consideraram uma reta como variedade de descontinuidade do sistema.

Para o estudo local de um sistema planar, como por exemplo o comportamento ao redor de uma singularidade, é suficiente estudar sistemas de Filippov que possuem uma reta de descontinuidade, pois toda superfície de descontinuidade regular é localmente uma reta. Porém, para o estudo de comportamentos globais, como a existência e localização de ciclos limite, a variedade de descontinuidade desempenha um papel fundamental para a obtenção de resultados, e assim não se pode ter conclusões gerais a partir do estudo destes sistemas.

Com essa motivação, aliado à pouca quantidade de trabalhos envolvendo outros tipos de descontinuidades além da reta, estudaremos a existência de ciclos limite em sistemas de Filippov que possuem um círculo como variedade de descontinuidade, que representa a mais simples das variedades fechadas 1-dimensionais, e com isso podemos aplicar os conceitos apresentados no capítulo anterior.

Primeiramente, introduziremos a ideia central da Teoria Descontínua de Vogel, que nos motivou a escolher um círculo como variedade de descontinuidade. Na segunda sessão, mostra- remos como construir um ciclo limite costurante na configuração centro-foco, e analisaremos a dinâmica do sistema construído. Na terceira sessão, estudamos a existência de um ciclo li- mite costurante que bifurca do encontro de duas tangências do tipo dobra (dobra-dobra) na configuração centro-sela.

5.1

Teoria Descontínua de Vogel

Considere duas famílias de trajetórias, 𝑆 e 𝑅, geradas por sistemas dinâmicos autônomos definidos no plano, e seja 𝑇 uma curva delimitante, isto é, uma curva fechada sem auto- intersecção definida no plano.

A dinâmica estudada na Teoria Descontínua de Vogel é descrita a seguir. Seja 𝑝 um ponto no interior da região delimitada por 𝑇 , então existe uma curva 𝛾 pertencente a família 𝑅 que passa por 𝑝. Considere o ponto 𝑞 ∈ 𝑇 que é atingido pela curva 𝛾, e assuma que agora o movimento é controlado pela família 𝑆, assim, existe uma curva 𝜓 pertencente a 𝑆 que passa por 𝑞. Se a curva 𝜓 não volta a intersectar 𝑇 , então a trajetória por 𝑝 termina em 𝑞, caso

contrário, o movimento volta a ser controlado pela família 𝑅 e o processo é iterado novamente. Em resumo, o comportamento do sistema é governado por 𝑅 ou 𝑆, à medida em que a trajetória atinge a curva delimitante 𝑇 . Esquematicamente, temos a seguinte situação:

𝑅 𝑆

𝑇

Figura 5.1: Exemplo de uma trajetória nos sistemas de Vogel.

Similarmente aos sistemas de Filippov, temos que estudar sistematicamente como definir as trajetórias, considerando as tangências das famílias 𝑅 e 𝑆 com a curva 𝑇 , assim como as regiões em que as trajetórias apontam pra direções contrárias. Podemos encontrar a descrição destes formalismos em [60].

Este tipo de dinâmica pode ser utilizada para estudar sistemas mecânicos em que um choque ocorre quando a curva 𝑇 é atingida, assim como o movimento de uma massa que se move em uma superfície formada por dois níveis separados por um penhasco. Outro exemplo de aplicação aparece no estudo dos osciladores dentes de serra, em que um condensador é carregado até que a tensão em seus terminais seja suficiente para produzir uma descarga. Uma interpretação física mais detalhada, assim como outros exemplos de aplicação, podem ser encontrados em [60] e em suas referências.

Em todos os exemplos citados anteriormente, a curva 𝑇 onde ocorre a troca das leis que governam a dinâmica é uma curva homeomorfa a um círculo. Além disso, os sistemas de Filippov planares são utilizados para modelar exatamente os problemas que envolvem leis diferentes que são trocadas à medida que a trajetória atinja uma determinada curva. Assim, é natural estender os conceitos presentes na Teoria Descontínua de Vogel para a sistemática dos sistemas de Filippov.

Com o intuito de explorar a riqueza desta teoria no contexto dos sistemas não-suaves defini- dos no capítulo anterior, estudaremos a seguir sistemas de Filippov que são lineares por partes e possuem um círculo como variedade de descontinuidade.

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