• Nenhum resultado encontrado

O método qualitativo e o fundamental papel da frequência de uso

No documento laurieferreiramartins (páginas 115-120)

CAPÍTULO III – PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS

3.2. O método qualitativo e o fundamental papel da frequência de uso

O presente trabalho tem como objetivo a investigação dos marcadores discursivos derivados dos verbos “olhar” e “ver” em configuração imperativa, a partir do equacionamento entre o método qualitativo de análise e o cálculo da frequência de uso.

Diversos autores, tais como Johnson et al. (2007) e Schiffrin (1987), defendem uma associação entre as análises qualitativa e quantitativa dos dados. Segundo Johnson et al. (2007), o método misto é tido como o terceiro maior paradigma de pesquisa e tem por característica a convergência entre os dois principais paradigmas de pesquisa, a saber: o qualitativo e o quantitativo. Schiffrin (1987), por sua vez, aponta que as análises qualitativa e quantitativa são comumente associadas, embora nem sempre se realizem de maneira simétrica. Segundo a autora, sob o ponto de vista qualitativo, acredita-se que um número elevado de ocorrências seja capaz de contribuir para a análise correta de determinados padrões; no que tange à perspectiva quantitativa, acredita-se que um número elevado de ocorrências forneça significância estatística à análise.

Reichardt e Cook (1979) traçam um paralelo entre os atributos de cada um desses paradigmas, evidenciando que a pesquisa qualitativa tende a ser mais subjetiva – à medida que se assume a existência de um sujeito-pesquisador –, holística e crente em uma realidade dinâmica; já a pesquisa quantitativa seria mais objetiva, particularista e crente em uma realidade estável, por exemplo.

Por sua vez, Mason (2006) destaca que, enquanto a pesquisa qualitativa nos permite entender a dinâmica dos processos sociais, das mudanças e dos contextos

88

Observamos, ainda, o predomínio dos MDs derivados do verbo “ver” em amostras mais antigas (séculos XV, XVII, XVIII e XIX). Tal fato nos permite pressupor que, com o tempo, estes marcadores discursivos foram cedendo lugar aos MDs derivados do verbo “olhar”, cuja representatividade aumenta através dos séculos.

sociais, explorar contornos situacionais e estabelecer estratégias e comparações entre processos, a pesquisa quantitativa nos permite prever padrões e mudanças sociais, bem como apontar tendências, semelhanças e medidas. Entretanto, para a autora, a pesquisa qualitativa tem uma vantagem explicativa mais precisa, pois se preocupa com a explicação em sentido mais amplo.

Mesmo diante de numerosas diferenças, Tashakkori e Creswell (2007) apontam que várias pesquisas, tanto na área das ciências sociais (em que predomina o paradigma qualitativo) quanto no campo das ciências biológicas (em que o paradigma predominante é o quantitativo), utilizam métodos mistos. Os autores constatam que diferentes estudiosos trabalham com dois tipos de questões de pesquisa, dois tipos de procedimento de coleta, dois tipos de dados, dois tipos de análise – cada tipo corresponde a um paradigma distinto.

Assim sendo, as pesquisas que utilizam métodos mistos combinam, de maneira simétrica ou assimétrica, métodos em pesquisa quantitativa e métodos em pesquisa qualitativa, para que se possa ter uma maior compreensão do objeto em estudo.

É nesse contexto que procuraremos, em nossa análise, equacionar a pesquisa qualitativa e o cálculo da frequência de uso no que diz respeito à análise dos MDs derivados dos verbos de percepção visual “olhar” e “ver” em configuração imperativa.

Uma vez que os objetivos de nosso trabalho são descrever, pontualmente, os diferentes usos dos MDs investigados, compreender o contexto em que cada construção ocorre e identificar os possíveis padrões construcionais que emergem na interação, faz-se necessária a metodologia qualitativa.

Do mesmo modo, entendemos que o levantamento da frequência de novos padrões de uso – procedimento quantitativo –, mais do que uma ferramenta metodológica, constitui um mecanismo fundamental de mudança linguística, haja vista que um padrão construcional torna-se gramaticalizado, ao longo do tempo, mediante o aumento da frequência do novo par forma-sentido. Nesse sentido, o cálculo da frequência de uso é fundamental para que se possam atestar os estágios do processo de gramaticalização (BYBEE, 2003; VITRAL, 2006; MARTELOTTA, 2009). Bybee (2003, 2010, 2011) aponta que o aumento da frequência de uso das construções estaria diretamente relacionado a determinadas mudanças

características do processo de gramaticalização, tais como interpretação dos itens como uma unidade construcional, redução e erosão fonética nas construções gramaticais, enfraquecimento da força semântica original e expansão funcional das novas construções para novos contextos de uso. Ainda, o cálculo da frequência é coerente com uma abordagem construcional da gramaticalização (TRAUGOTT, 2011a, 2011c), haja vista que, realizado sincrônica e diacronicamente, nos permite mapear os quatro níveis de mudança: macroconstruções, mesoconstruções, microconstruções e construtos (TRAUGOTT, 2008a, 2008b).

3.3. Os procedimentos de análise dos dados

Conforme já sinalizado, nossa pesquisa tem como objetivo geral explicar o processo de mudança linguística envolvido no desenvolvimento dos marcadores discursivos derivados dos verbos “olhar” e “ver” em configuração imperativa a partir da abordagem da gramaticalização de construções. Nesse sentido, pretendemos descrever cada uso dos MDs investigados – evidenciando que as novas microconstruções apresentam especificidades que as diferem das demais construções –, identificar os possíveis padrões construcionais que emergem na interação e propor a existência de um possível esquema construcional. Para tanto, demonstraremos como características formais e funcionais são relevantes à pesquisa em gramaticalização de construções, especialmente, no que diz respeito às necessidades discursivas negociadas na interação, à emergência de novas construções, à formação de um esquema construcional e ao fundamental papel da frequência de uso.

Assim, visando ao cumprimento dos objetivos de nosso trabalho, o tratamento dos dados apresentado no Capítulo IV se realizará mediante os seguintes procedimentos estabelecidos a partir do equacionamento entre a análise da frequência de uso e a análise qualitativa: (i) identificação do padrão que configura a macroconstrução que envolveria o processo de gramaticalização dos MDs investigados com base em uma perspectiva pancrônica; (ii) identificação de cada um dos padrões construcionais que compõem as mesoconstruções que estariam da base do processo de gramaticalização dos MDs investigados, também a partir de

uma perspectiva pancrônica; (iii) análise de cada par forma-sentido que configura cada microconstrução em uma perspectiva sincrônica; e (iv) sistematização dos MDs derivados de “olhar” e “ver” em um esquema construcional com base nos quatro níveis de esquematicidade propostos por Traugott (2008a, 2008b).

CAPÍTULO IV

ANÁLISE DE DADOS:

os níveis de esquematicidade dos marcadores discursivos

derivados de “olhar” e “ver” em configuração imperativa e em P2

Este capítulo dedica-se à sistematização dos MDs derivados dos verbos “olhar” e “ver” em configuração imperativa e em P2 a partir dos quatro níveis de esquematicidade propostos por Traugott (2008a, 2008b) para a abordagem construcional da gramaticalização – macroconstrução, mesoconstrução, microconstrução e construto.

Inicialmente, identificaremos o padrão construcional que configura a macroconstrução, ou esquema altamente abstrato, que estaria na base do processo de gramaticalização. Para tanto, equacionaremos o cálculo da frequência de uso dos MDs derivados de “olhar” e “ver”, em forma simples e em forma composta, e a análise qualitativa de algumas ocorrências levantadas nos corpora analisados. Neste trabalho, conforme já sinalizado no Capítulo III, a diacronia tem como objetivo comprovar, quando possível, os resultados encontrados em uma perspectiva sincrônica – estamos cientes de que os corpora selecionados para a constituição da amostra para a análise de dados constituem apenas um recorte parcial da língua.

Posteriormente, passaremos ao cálculo da frequência de uso e à identificação de cada uma das mesoconstruções – prefaciação, opinião/sustentação, discurso reportado, interjeição e contraexpectativa – identificadas tanto no corpus oral quanto no corpus escrito, as quais agrupam microconstruções que apresentam similaridades entre si. Em seguida, analisaremos, em uma perspectiva sincrônica, cada microconstrução com MD dentro de sua respectiva mesoconstrução, de maneira a apontar as particularidades do par forma-sentido em função de seu contexto de atuação discursiva, bem como a demonstrar in loco a (inter)subjetivização que envolveria as novas construções com os MDs investigados, as quais, a partir da reiteração de uso, foram (e têm sido) incorporadas à gramática da língua.

Por fim, apresentaremos nossa proposta de esquema construcional para os MDs derivados dos verbos “olhar” e “ver” em configuração imperativa e em P2, demonstrando que a abordagem construcional da gramaticalização nos permite pensar na extensão de padrões baseados em exemplos e nas mudanças específicas em microconstruções, as quais articulam esquemas gerais, ao mesmo tempo em que são por eles afetadas.

No documento laurieferreiramartins (páginas 115-120)