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O MECANISMO DE FORMAÇÃO E SEPARAÇÃO DO CAVACO

2. REVISÃO DA LITERATURA

2.3 O MECANISMO DE FORMAÇÃO E SEPARAÇÃO DO CAVACO

O mecanismo de separação do cavaco em materiais dúcteis tem sido controverso na literatura. Subbiah (2006) realizou um extenso trabalho que aborda o mecanismo de formação do cavaco, e mostrou que existem duas escolas de pensamento. A primeira delas considera a teoria que a formação do cavaco é realizada por uma forma especial de endentação, que ocorre ao redor da aresta de corte da ferramenta, sem qualquer tipo de fratura. A outra escola de pensamento considera que o material sofre uma fratura, e ocorre uma separação que leva a formação de uma nova superfície.

A Figura 10 mostra o mecanismo proposto de endentação, através da deformação plástica intensa do material ao redor da aresta de corte da ferramenta com raio r (SUBBIAH, 2006).

Figura 10 - Endentação ao redor da aresta de corte da ferramenta

Fonte: Albrecht (1960) apud Subbiah (2006). Simbologia: r=raio da aresta de corte; P=Pressão; vcav=Velocidade de saída do cavaco.

A teoria que a formação do cavaco ocorre através de um processo sem separação do cavaco está baseada na observação das seções dos cavacos formados (SUBBIAH, 2006). Os materiais dúcteis não apresentam uma trinca visível à frente da aresta de corte da ferramenta. Essa observação fez Shaw (2005) concluir que, como não há evidências de formação de trinca, o processo de usinagem não deve ser modelado dessa forma. A Figura 11 mostra um cavaco gerado em um material dúctil, sem a formação de trincas visíveis à frente da ferramenta.

Figura 11 - Formação do cavaco sem trincas visíveis

Fonte: Cook et al. (1954) apud Subbiah (2006)

O processo de formação de cavaco semelhante à endentação foi defendido por Madhavan et al. (2000) apud Subbiah (2006). O autor comparou as linhas de fluxo de um processo de endentação com um do processo de usinagem e mostrou as semelhanças existentes. No processo de endentação, as linhas de fluxo não se rompem, mas são curvadas ao redor da ponta do endentador. No processo de

usinagem, as linhas de fluxo geradas na zona de deformação primária são alongadas e parecem dobrar ao redor da aresta da ferramenta, como na endentação. A Figura 12(a) mostra as linhas de fluxo em um processo de endentação, e a Figura 12(b) mostra as linhas de fluxo em um processo de usinagem. Os autores argumentaram também, por meio do cálculo da tensão a frente da ferramenta, que segundo eles é compressiva, e não permite a abertura de trinca.

Figura 12 – Linhas de fluxo: (a) no processo de endentação; (b) no processo de usinagem

(a) (b)

Fontes: (a) Madhavan et al. (2000) apud Subbiah (2006), (b) Trent e Wright (2000).

A segunda escola de pensamento, segundo Subbiah (2006), considera que a formação do cavaco se dá por separação através de mecanismos de fratura. Ao avaliar o modelo de Piispanen (1937), na Figura 13, verifica-se que o material se desloca como um baralho de cartas. Apesar do autor não mencionar no trabalho, para formar o cavaco, é necessário que o material, representado pelo trecho a-b se desloque e ocupe a posição a’-b’. Para haver este deslocamento, é necessário que ocorra uma separação, e consequentemente a formação de uma trinca (SUBBIAH,2006).

Figura 13 – Modelo de formação do cavaco semelhante ao baralho de cartas

Segundo Atkins (2003), no processo de usinagem ocorre simultaneamente a ação de uma trinca próxima a aresta de corte da ferramenta, e deformação plástica intensa, com a sobreposição do efeito do atrito na região. Subbiah (2006) também concluiu, a partir de ensaios, e observação da raiz do cavaco em microscópio eletrônico de varredura, que ocorre fratura dúctil e trinca na região de contato da aresta de corte da ferramenta, causando a formação de uma nova superfície e o cavaco. A Figura 14 apresenta um detalhe, indicado pela seta, que mostra, segundo Subbiah (2006), a formação da trinca na região da raiz do cavaco em uma liga de alumínio Al-2024 T3.

Figura 14 – Fratura dúctil na formação do cavaco

Fonte: Subbiah (2006)

A conclusão que ocorre fratura dúctil na região de formação do cavaco, realizada por Subbiah (2006), baseou-se em um extenso trabalho de testes e avaliação da raiz do cavaco, a fim de obter amostras que comprovassem a existência de trincas, nem sempre possíveis de serem observadas.

Ao verificar as linhas de fluxo na Figura 12(b) é possível notar que, mesmo que ocorra abertura de trincas, tem-se uma deformação plástica intensa do material, ao redor da aresta de corte da ferramenta, que consome uma grande quantidade de energia. A abertura de uma trinca na região pode eventualmente alterar a energia gasta no processo de usinagem.

Para gerar uma nova superfície é necessário desprender certa quantidade de energia. Na usinagem, a energia para formar uma nova superfície é considerada desprezível por diversos autores (MERCHANT,1945; SHAW, 2005; CHILDS, 2010). Um argumento utilizado é que a energia necessária para separar os átomos da

interface, e formar uma nova superfície é muito baixa na maioria dos metais e, quando comparada à energia do processo de deformação plástica do cavaco, é considerada desprezível. Atkins (2003) contestou essa teoria muito aceita referente ao processo de usinagem e afirmou que, em algumas condições essa energia deve ser considerada. Segundo Atkins (2003), o trabalho realizado na usinagem é despendido na deformação plástica nas zonas de cisalhamento primária e secundária, no atrito na interface e na formação de uma nova superfície. Sendo esta última energia associada à tenacidade à fratura do material.

Subbiah (2006) avaliou as energias despendidas no processo de usinagem. O autor realizou um ensaio de usinagem em um tubo de cobre tipo OFHC com 38,1mm de diâmetro, e aplicou o modelo de Atkins para a usinagem. As condições utilizadas em corte ortogonal foram um ângulo de saída da ferramenta de 30°, velocidade de corte vc=1,2 m/min (10 rpm), e profundidade de corte ap=1,1 mm. As espessuras de corte variaram de h=15 µm até 75 µm. Os valores das energias específicas U, referentes à deformação plástica, ao atrito e à separação do cavaco obtidos, são apresentados na Tabela 2.

Tabela 2 – Energias específicas na usinagem segundo modelo de Atkins

h (µm) Uplast (GJ/m3) Uatrito (GJ/m3) Useparação (GJ/m3)

15 373,82 0,47 0,36

35 297,66 0,33 0,15

50 267,93 0,29 0,11

70 249,27 0,27 0,08

Fonte: Subbiah (2006)

Os resultados apresentados na Tabela 2 mostram que a energia despendida na separação do cavaco e formação de uma nova superfície é muito baixa, e se aproxima da energia devido ao atrito apenas para pequenas espessuras de corte, comum apenas em micro corte. Em condições de usinagem mais usuais, com avanços maiores, a energia de separação e formação da superfície pode ser desprezada.

Ao avaliar os dois mecanismos de formação do cavaco para materiais dúcteis apresentados, percebe-se que podem coexistir algumas características dos dois modelos, ou seja, deformação plástica intensa ao redor da aresta de corte da

ferramenta, com a possibilidade de abertura de uma trinca. Entretanto, uma trinca eventualmente aberta deve ser rapidamente fechada, devido à existência de tensões altamente compressivas na região. Assim, supõe-se que é possível realizar a modelagem do processo de usinagem tanto considerando a abertura de uma trinca na região, quanto desprezando esse efeito, devido às baixas energias envolvidas no processo.

Outra questão interessante é avaliar e confirmar a existência de abertura de trinca por mecanismo de fratura em outros materiais, além da liga de alumínio e de cobre avaliada por Subbiah (2006).