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2.5 O PRINCÍPIO PETRINO

2.5.2 O ministério petrino como presença concreta de Cristo

2.5.2.1 Colegialidade e primado

Balthasar, em O complexo antirromano, após situar Pedro no interior da “constelação cristológica” de todos os tempos, passa então a falar sobre a figura específica de Pedro perpetuada na Igreja Católica através da Igreja de Roma. Pedro, ao receber de Jesus a missão de ser pedra da Igreja, deve presidir a mesma na caridade, garantindo a presença de Jesus ressuscitado no interior desta.181

Assim, a Igreja de Roma, ao ser fundada por Pedro e Paulo, desde os primeiros tempos foi reconhecida como a que “preside na caridade”. Balthasar recorda que Irineu de Lião (+202), argumentando contra os gnósticos, afirmava que a verdadeira doutrina se encontra tangível e garantida na ininterrupta sucessão dos bispos da Igreja. Em particular, Irineu fazia referência à Igreja de Roma que exercia a maior autoridade por sua antiguidade e fundação apostólica, sendo ponto de referência para as demais Igrejas.182

O autor suíço ainda argumenta que, nos tempos dos padres apostólicos e sub- apostólicos, a Igreja já era auto-compreendida como comunhão na fé e na caridade garantida na unidade dos fiéis com o seu bispo e dos bispos entre si, união que se tornava visível no bispo de Roma.183

São Cipriano (+ 258) vê o primado de Roma essencialmente como cronológico e de honra e não tanto juridicamente. Já o Sínodo de Sárdica (343-344), atribui importância jurídica ao bispo de Roma nos casos controversos e define como “cabeça” a sede do apóstolo Pedro. Também destaca-se a contribuição dos Papas Sirício e Leão Magno na sistematização do primado jurídico de Roma. Balthasar vê aqui, uma

180 Cf. BALTHASAR, H. Le Complexe Antiromain, p. 186 à 189; Cf. BALDINI, A. Principio Petrino e Principio Mariano ne “Il Complesso Antiromano di Hans Urs von Balthasar”, p. 81 e 82.

181Cf. BALTHASAR, H. Le Complexe Antiromain, p. 189 e 190. 182Cf. BALTHASAR, H. Le Complexe Antiromain, p. 190 e 191. 183Cf. BALTHASAR, H. Le Complexe Antiromain, p. 191 e 192.

concentração unilateral, acentuando fortemente Pedro como fonte originária em meio aos outros símbolos reais da constelação cristológica das origens.184

2.5.2.2 Amor, direito e poder

Diante da luta de opiniões e da ocorrência de heresias no seio da Igreja concebida como comunhão na caridade, é necessário a existência de uma instância jurídica suprema. Sob esta base é que se pode afirma a “com-presença” do amor, do direito e do poder na Igreja.185

Utilizando o pensamento de Johann Adam Möhler, Balthasar explica que a Igreja, entendida como comunhão no amor, em virtude do Espírito Santo que a habita, possui graus de unidade visível que auto-representam a unidade invisível da mesma. Assim, os graus podem ser descritos como: a unidade da comunidade no bispo; dos bispos no bispo metropolitano e no sínodo particular; unidade do episcopado inteiro; unidade no primado da sede romana como ponto visível de unidade do episcopado.186

Segundo Möhler, a esfera do direito se articula na Igreja, concentrando-se numa pessoa, para poder eficazmente opor-se ao desregramento originado do pecado. Dentro desta esfera, o mesmo autor faz a distinção entre “oposição” – que designa uma fecunda realidade intraeclesial – e contradição – que é fator herético externo que visa a destruição da unidade da Igreja. Aqui, Möhler reconhece o primado como instituição divina e vê a dinâmica intraeclesial entre o episcopalismo e o papalismo como saudável.187

Enfim, as instâncias do primado e do direito da sede romana são elementos essenciais à conservação da unidade no amor, sobre o qual a Igreja foi constituída em Jesus Cristo.

184 Cf. BALTHASAR, H. Le Complexe Antiromain, p. 193 à 195; Cf. BALDINI, A. Principio Petrino e Principio Mariano ne “Il Complesso Antiromano di Hans Urs von Balthasar”, p. 85 e 86.

185Cf. BALDINI, A. Principio Petrino e Principio Mariano ne “Il Complesso Antiromano di Hans Urs von Balthasar”, p. 86.

186Cf. BALTHASAR, H. Le Complexe Antiromain, p. 195 à 197. 187Cf. BALTHASAR, H. Le Complexe Antiromain, p. 197 à 200.

2.5.2.3 O ministério e a Igreja santa

Prosseguindo a análise do ministério petrino, Balthasar faz uso da revisitação que Möhler opera nas fontes patrísticas, principalmente em Santo Agostinho.

Segundo a visão de Agostinho, o ministério deve estar ancorado na Igreja santa ou Columba.188 Esta é depositária dos poderes de Cristo, podendo exercer

validamente o seu ofício mesmo diante da indignidade do ministro, que está subordinado ao agir do único sacerdócio de Cristo bom pastor. No exercício do ministério, os pastores tornam visível a ligação existente entre Cristo esposo e a Igreja esposa. E as palavras que dizem, não são suas, mas aquelas escutadas do Esposo. E seguindo a grandiosidade de seu ministério radicado na Igreja santa, ao perdoar os pecados dos outros em união a Cristo, os ministros tomam consciência de seus próprios pecados e fraquezas.189

Seguindo a visão de Agostinho, Balthasar apresenta duas tarefas do ministério: a primeira tarefa do ministério eclesiástico é manter viva na Igreja de todos os tempos a forma da cruz. Isto já foi percebido na profecia de Jesus a Pedro sobre a morte com a qual ele deveria glorificar a Deus. Aqui, o teólogo suíço recorda que a cruz é elemento constitutivo de toda a Igreja, não sendo a marca somente dos ministros ou da Igreja pura e santa, mas também da Igreja pecadora, que se revolta muitas vezes contra o ministério instituído.190

A segunda tarefa do ministério, vem da necessidade de mostrar como a columba pode ser realizada na Igreja terrestre, não a relegando somente ao plano da Jerusalém celeste. Balthasar, neste sentido, fala da necessidade dos ministros modernos mostrarem não só a presença de Pedro e dos demais apóstolos, mas

188O termo Columba, utilizado por Agostinho, repercute a imagem dos dois namorados do Cântico dos cânticos [5,2: “...ouvi o meu amado que batia: ‘Abre (...) pomba minha sem defeito’”]. Ele usa esta imagem em referência à Igreja, como a “única pomba de Cristo”, numa linguagem que denota o amor esponsal de Cristo à sua esposa pura. É a Igreja do amor, a que Balthasar chamou mais tarde de Igreja mariana, que em Maria possui o seu núcleo imaculado. Esta Columba porta dentro de si o ministério. Cf. LEAHY, B. O princípio mariano na Igreja, p. 28 e 29.

189Cf. BALTHASAR, H. Le Complexe Antiromain, p. 200 à 207; Cf. BALDINI, A. Principio Petrino e Principio Mariano ne “Il Complesso Antiromano di Hans Urs von Balthasar”, p. 88 e 89.

igualmente a presença concreta de Maria na Igreja visível. Pois Maria é o único membro da Igreja visível que corresponde plenamente à Igreja pura e santa (Ef 5,27).191