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O mito da originalidade e a obra de Éolo Maia

7. O MITO DA ORIGINALIDADE: ASPECTOS DE UMA ARQUITETURA

7.2 O mito da originalidade e a obra de Éolo Maia

Ser original não é ser diferente mas é descobrir sua origem. (Amílcar de Castro) Como aponta Gullar (1993), a preocupação dos artistas com o novo é relativamente recente. Ela decorre das transformações sociais que passaram a definir a idade moderna5. A obediência aos modelos clássicos, que caracterizava as

manifestações artísticas pré-modernas, deu lugar à busca da originalidade e do objeto de caráter singular. Com sua orientação para o futuro, a modernidade também assegurou sua permanência através da renovação constante. Neste sentido, Éolo Maia esteva comprometido com o projeto moderno.

Não me classifico como nada, porque não tenho nada predeterminado, só sei que quero fazer arquitetura com prazer e contemporaneidade. A vida é muito dinâmica, eu mudo todo dia, e a arquitetura é uma expressão cultural que se reflete em meu trabalho. As fórmulas se tornam uma chatice, e a ânsia de estar na onda é um erro. Não se pode ser fechado, dogmático. É preciso ter liberdade total (MAIA. In ROCHA, 2002).

De fato, as vanguardas artísticas do início do século XX acreditaram que a modernidade pressupunha o rompimento total com o passado em privilégio da criação autônoma. Neste momento histórico, constitui-se o “mito da originalidade”, não apenas na arquitetura, mas nas artes em geral, apenas questionado pela crítica regionalista durante o período pós-moderno.

Como aponta Kapp (2004), não é possível criar a forma arquitetônica a partir do nada, senão de outras formas, ou seja, de arquiteturas produzidas anteriormente. De fato, esta parece ser uma característica constitutiva das artes, já que as novas descoberta não desqualificam as anteriores, somando-se a elas na totalidade dos conhecimentos sobre a disciplina, ao contrário do que se observa na evolução do conhecimento científico que ocorre por substituição ou superação dos paradigmas. Para, Gullar (1993) a similaridade entre a Eneida de Virgílio e a Odisséia de Homero demonstra

5 Várias vezes durante a história a palavra modernidade foi utilizada para expressar a consciência

de uma época que se distingue de uma época “antiga”; não apenas no Renascimento, mas no próprio século XX. HABERMAS (1987) aponta o primeiro emprego da palavra moderno em fins do século V para marcar o limite entre o passado, até então romano-pagão, e o presente, oficialmente cristão

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que a expressividade e a originalidade das obras de arte não dependem da preocupação com o novo.

Tanto nas artes como nas tecno-ciências, a invenção decorre sempre de uma demanda externa objetiva, mais do que de um desejo pessoal. Do mesmo modo, em arquitetura o novo advém da necessidade de solução dos problemas técnicos e construtivos, do aperfeiçoamento dos modos de utilização do espaço e da atualização da maneira como o homem se posiciona frente ao mundo.6

Essencialmente, a busca do novo pelo novo é incompatível com o caráter de permanência da arquitetura. Uma arquitetura pautada por valores imediatos e efêmeros é incapaz de resistir ao tempo, condenando-se à obsolescência. Como aponta Gullar:

(...) a busca do novo pelo novo, além de empurrar o artista para o aleatório (por não trabalhar no âmbito de uma linguagem, sua experiência não se acumula nem se aprofunda), leva-o a substituir a obra pelo projeto da obra e a suprir a impotência dela enquanto linguagem visual (que ela não consegue ser) pelo discurso verbal (GULLAR, 1993:43).

A arquitetura de Éolo Maia confirma a hipótese de que ser original não demanda a invenção de formas inéditas. Sua obra atesta que é possível ser original a partir da utilização de formas e elementos de outras arquiteturas. A invenção, neste caso, consiste em estabelecer novas relações entres as partes de um objeto, em contraposição às concepções que privilegiam o ineditismo da forma arquitetônica. A psicologia da Gestalt afirma que o significado das partes dependem do seu contexto e que a mudança desse contexto gera uma mudança no significado.

As coisas familiares vistas num contexto não familiar tornam-se perceptivelmente novas, assim como perceptivelmente velhas (VENTURI, 1999:48).

Nessa contradição constrói-se o caráter original da obra de Éolo Maia. Em lugar da forma arquitetônica inédita, Éolo privilegiava a utilização de formas já experimentadas por outros arquitetos, de maneira análoga ao que Venturi denominou de “elemento convencional”.

O arquiteto deve aceitar os métodos e os elementos que já dispõe. Fracassa com freqüência quando tenta per se a busca de uma forma promissoramente nova e a pesquisa de técnicas promissoramente avançadas (VENTURI, 1995:47).

6 Para uma abordagem existencial da arquitetura, Cf. NORBERG-SCHULZ (1983) e BRANDÃO

Essa concepção de originalidade não apenas torna inoperante o pernicioso mito do gênio criador, mas situa a história da arquitetura para além do simples registro de experiências passadas, concebendo-a como depositária das antecipações possíveis de uma prática futura.

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