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O mito de São Tiago no Liber Sancti Jacobi

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CAPÍTULO 3: O MITO DE SÃO TIAGO E O LIBER SANCTI JACOBI: A

3.1. O mito de São Tiago no Liber Sancti Jacobi

Os mitos são em uma definição simplista, arquétipos para as ações humanas. Atualmente os mitos são encarados como adversos à história. Embora, os mesmos enunciem histórias de origem e exemplos. Considerando o mito como uma “história exemplar”, podemos aludir a Eliade (1998, p. 350), todo mito, independentemente da sua natureza, enuncia um acontecimento que teve lugar in illo tempore e constitui, por isso, um precedente exemplar para todas as ações e “situações” que, depois, repetirão este acontecimento”. De certa forma, os peregrinos que seguiam em viagem à Compostela, seguindo o exemplo do próprio apóstolo que viajou pela

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Conforme citado anteriormente, já existiam documentos que conjecturavam a existência do túmulo apostólico na Península Ibérica. Por sua vez, após a descoberta, segundo Rucquoi (2011, p. 16), na segunda metade do século IX, uma carta atribuída a León, bispo de Jerusalém, dirigida aos reinos francos, vândalos, godos e romano, passou a circular pelos diferentes reinos cristãos da Europa ocidental, atestando as circunstâncias da translação milagrosa dos restos mortais de São Tiago da Terra Santa para Galiza.

58 Península e a ela retornou após a glória do martírio, fim de repousar e a rogar em favor daqueles cristãos.

Figura 8. Detalhe do Liber Sancti Jacobi55.

Nas palavras de Croatto (2001, p. 209), o “mito é o relato de um acontecimento originário, no qual os deuses agem e cuja finalidade é dar sentido a uma realidade significativa”. Nesse sentido, o Liber Sancti Jacobi, sintetiza enquanto narrativa/texto, a origem a tradição compostelana. Não importa, se as relíquias presentes na Península Ibérica, são ou não pertencentes a um apóstolo de Cristo.

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Disponível em: https://meanderingmac.files.wordpress.com/2013/11/calixtinus-1-x3pe9c.jpg Acesso em: 08/12/2017.

59 Enquanto narrativa, o mito acerca da presença dos restos mortais de São Tiago, em Compostela é um símbolo, por implicar em uma “sequência narrativa, uma cadeia de episódios que se configuram em um acontecimento determinado”. (CROATTO, 2001, p. 210-211). Deve-se levar em consideração que os protagonistas dos mitos, possuem características divinas, ou seja, os deuses agem nos mitos. E no que tange ao cristianismo, no que se refere, aos milagres, tais circunstâncias são permitidas apenas por Deus.

Á vista disso, o Liber Sancti Jacobi, reúne um conjunto de histórias que possivelmente já circulavam há alguns séculos na Península Ibérica. Sendo assim, a crença da presença dos restos mortais em algum ponto da península, já faziam parte de uma cultura oral. A escrita do códice no século, serviria não apenas para legitimar ou promover o culto, mas também para reunir e dar sentido a uma realidade já existente na crença da existência dos restos mortais de um dos apóstolos de Jesus no mais ocidental dos reinos ibéricos, a Galiza. Deste modo a colocação de Maria do Amparo Tavares Maleval (2005, p. 19), ao pontuar que o Liber Sancti Jacobi é um importante documento-monumento, histórico, literário, litúrgico e musical, é concernente, já que parte do mito e se torna em seguida, o monumento e por sua vez, uma das bases para a peregrinação. Embora, os cristãos ao empreenderem a viagem, tenham a intenção de tocar as relíquias do santo, as tradições seladas no códice, são guia e fundamento para partir rumo a Compostela. Se seguirmos a definição que Le Goff (1990, p. 548), faz do documento-monumento, ao afirmar que “o documento é monumento, que resulta do esforço das sociedades históricas para impor ao futuro – voluntária ou involuntariamente – determinada imagem de si próprias”. Podemos situar o Liber Sancti Jacobi como a narrativa que moldou a imagem das peregrinações a Compostela.

Destarte o mito e a tradição, presentes no Liber Sancti Jacobi, acrescentamos que outras narrativas, também exerceram o seu papel para a formação e a legitimação do mito e culto compostelano na Península Ibérica. Deduzimos tais considerações, devido à concepção de outro importante documento, escrito no mesmo século que o Códice Calixtino, a História Compostelana.

A Historia Compostelana trata-se de uma história de registros (registrum), nos quais os documentos oficiais eram compilados de forma a constituir-se em uma coleção de textos históricos ligados entre si por descrições

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narrações de cenas, feitos e acontecimentos que lhe davam um rítmico e coerente fio narrativo. (SINGUL, 1999, p. 113).

A Historia Compostelana em síntese é uma crônica que se destina a falar dos feitos da Sé Apostólica de Compostela e os de seu primeiro arcebispo, D. Diego Gelmírez. Dessa maneira, o Liber Sancti Jacobi, funciona como um instrumento que visa o preenchimento das lacunas documentais que fundamentavam o culto jacobeu. Além dos aspectos políticos, as narrativas do Códice Calixtino exerceram uma influência considerável nas correntes culturais europeias do século XII. O Liber Sancti Jacobi reúne uma coletânea com mais de 20 composições musicais, que representam os primeiros exemplos polifônicos da música medieval. Nessas composições o culto popular e o oficial se encontram, pois, as músicas que eram cantadas no caminho e nas pousadas foram reunidas e influenciaram a compilação da obra. Por isso, consideramos que o Liber Sancti Jacobi, fomentou não apenas o culto jacobeu e a afirmação política dos reinos cristãos frente à presença muçulmana na Península Ibérica, bem como, suscitou um desenvolvimento na cultura cristã do Medievo. Sendo assim, o itinerário que comporta o Caminho de Santiago tem sido um centro de transmissão cultural, e é incentivador das origens da identidade, da língua e literaturas hispânicas, divulgadas através dos mosteiros, abadias, hospitais, catedrais e igrejas românicas e góticas, pertencentes aos povoados e cidades dos reinos da Reconquista. Além disso, colaborou com as

canções de Gesta, com as poesias e as narrativas56 do período.

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