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O Mito de Nanã na Civilização Yorubá a partir de seus Orikis.

No documento Antropologia dos Orixas.pdf (páginas 82-87)

1- Introdução.

Devemos iniciar esclarecendo que o mito que temos desta divindade na diáspora é bem diferente do que temos originalmente na África e ainda nos dias de hoje.

Para entendermos melhor o que significa o Mito de Nanã em terras africanas devemos recorrer ao que vimos brevemente no ultimo texto sobre Obaluaiye no que se refere ao culto de Onile.

Nana segundo nos expõe Lépine, era cultuada, (ou cultuado) em uma região que ia do atual Níger até o Burkina Faso sob diversas designações e sob a égide de diversas lendas e simbolismos diferentes.

Em todos os casos Nana era ligado(a) à terra. Encontramos este mito muito presente tanto no contexto destas civilizações no período de caça e coleta quanto no agrícola. Isto o reafirma ainda mais como Orixá Onile e originalmente ligado a este culto e anterior a chegada de Oduduwa a Ile Ife. Ainda segundo o que nos conta Lépine, existem regiões em terras yorubás nas quais a maior parte das Divindades que conhecemos no panteão dos orixás na diáspora e na maioria das cidades yorubás é desconhecida e só se conhecem e cultuam Obaluaiye e Nana. Isto nos mostra claramente que se o culto de Olorun não está em todos os lugares da civilização Yorubá, o culto ao Onile está, por ser mais antigo.

Segundo vimos no texto sobre Oxumaré, quando Balandier fala sobre os Mitos da criação entre os Fon, cita Nana como sendo um ser andrógino,(e peço

neste momento que recorramos ao que vimos no mesmo texto para entender melhor esta questão nas relações do poder duplo na África).

Na questão do poder duplo Nana estará ligada sempre ao corpo social que cultua o Onile e, portanto aos administradores e conselhos populares mais distantes do culto de Olorun que normalmente estará ligado à realeza.

Desta forma, o culto de Nana é na África algo que se relaciona à resistência dos cultos ancestrais dos antigos autóctones anteriores a Oduduwa. Vemos elementos claros disso em uma lenda da diáspora da coletânea de Prandi que transcrevo abaixo:

“Nana proíbe instrumentos de metal em seu culto. A rivalidade de Nana e Ogum data de tempos Ogum o ferreiro guerreiro,

Era proprietário de todos os metais.

Eram de Ogum os instrumentos de ferro e aço. Por isso era tão considerado entre os orixás, Pois dele todas as outras divindades dependiam. Sem a licença de Ogum não havia sacrifício; Sem sacrifício não havia orixá.

Ogum é o Oluobé, o Senhor da Faca. Todos os orixás o reverenciavam.

Mesmo antes de comer pediam licença a ele Pelo uso da faca, o obé que se abatiam os animais E se preparava a comida sacrificial.

Contrariada com essa precedência dada a Ogum, Nana disse que não precisava de Ogum para nada, Pois se julgava mais importante do que ele.

“Quero ver como vais comer,

Sem a faca para matar os animais”, disse Ogum Ela usou o desafio e nunca mais usou a faca. Foi sua decisão, que no futuro,

Nenhum de seus seguidores se utilizaria de objetos de metal Para qualquer cerimônia em seu louvor

Que os sacrifícios feitos a ela Fossem feitos sem a faca,

Se considerarmos que o culto a Ogum está ligado ao ancestral Oduduá, que surge somente após sua chegada em terras yorubás, e que com ele vimos o advento da forja e conseqüentemente da vida urbana que segue as sociedades agrícolas e de caça e coleta quando predominava o culto de Nana e ao Onile, entendemos melhor o que representa esta resistência de Nana em usar a faca. Em uma sociedade na qual a ancestralidade determina relações de poder, vemos neste primeiro exemplo mais uma vez uma relação dupla entre o poder da ancestralidade que resiste para não perder seu lugar e o poder da tecnologia e das novas gerações que inova. Talvez ao observar isso teremos métodos mais eficazes para estabelecer relações com esta África que respeitem suas origens primordiais. O mesmo serve para nós filhos de suas diásporas que relutamos em enxergar nesta África nossas origens ancestrais somente porque grande parte de nós não têm mais a pele negra, e neste processo negamos muito de que nós mesmo ainda somos.

Nana, Senhora dos Mortos. Relação com a doença.

Na maior parte das terras na África onde é conhecida, Nana por ser relacionada à Terra assim como Obaluaiye, também se relaciona com os morte e com a Doença.

Também Nana é representada como a Morte por doenças no Odu Oyeku Meji que vimos no texto de Ogum

Vemos, em seus Orikis, representações claras disso, quando ouvimos: “Dono de uma bengala, não dorme e tem sede de sangue”

“Ele só poderá comer a massa no dia da festa se tiver matado alguém”

E sua relação com a doença e proteção aos que padecem de males quando ouvimos:

“Louvo a vida e não a doença”

Isto também nos fala da função sociológica do mito através do corpo sacerdotal ligado à medicina tradicional e que se relaciona ao mito de Nana.

Nana e a ancestralidade. Origens do mito

Por estar ligada ao culto ao Onile e conforme observamos acima, Nana está intrinsecamente ligada à ancestralidade, sobretudo a partir deste conceito segundo o culto ao Onile. Isto se evidencia quando ouvimos os versos:

“Presto homenagem aos ancestrais” “Minha mãe estava primeiro em Baribá”

“Venho saudar o Onile (dono da terra) para que ele me proteja.”

Temos aqui também dados históricos da origem do mito entre algumas cidades yorubás, proveniente originalmente da Terra dos Baribás, o que contribui com o que nos diz Lépine sobre o Mito.

Outro fator importante que não podemos deixar de ressaltar trata-se da referência direta tanto à ancestralidade quanto ao Onile que ratificam a importância de seu papel na estrutura desta sociedade de linhagens.

Código Moral de Nana e provérbios dos Orikis.

Nesta ultima parte nos ateremos mais aos aspectos do sistema moral e das funções pedagógicas e sociológicas do mito de Nana.

Segundo no expõe Bolanlé Awe em sua obra, os Orikis podem nos falar de fatos históricos e no caso de dois versos de Orikis de Nana vemos, além disso, a sua influência social assim como o domínio Yorubá dentre os Fon em dois versos:

“Orixá que impediu o Fon de circuncidar-se” (que pode estar relacionado com sua origem andrógina entre os Fon)

E também “Orixá que obriga o Fon a falar Nagô” (Provavelmente em uma alusão do domínio de Oyo ao Daomé até a época do Rei Glele que ao travar uma guerra com Oyo inverte a situação no século XIX)

Nos casos acima vemos claramente neste código moral a função sociológica do mito e um pouco da história da relação entre os Yorubás e os Fon. Vemos em outros versos sua função pedagógica, como por exemplo:

“O covarde não tem título”

Verso que nos mostra claramente que o covarde nesta sociedade é um transgressor moral.

“O Onile (dono da casa) mete medo no malfeitor”

Outro verso que também nos mostra claramente que o malfeitor é tratado igualmente como um transgressor moral nesta sociedade.

“Ele mata aquele que é mau”

Verso que nos reforça a transgressão moral do malfeitor. “Não se pode saber o que existe dentro de um saco”

Mostrando em sua função pedagógica que muitas vezes a curiosidade pode trazer problemas.

“Nós o chamamos sem dormir”

“Não morrer em casa, não morrer viajando”

Versos que relacionados ao culto da Senhora dos Mortos falam dos inconvenientes que a morte em lugares inapropriados podem trazer.

“Nada tirar de um centavo não o diminui”

Em uma alusão clara ao conceito de economia.

Em outros versos vemos fatores importantes que inspiram comportamentos e ao mesmo tempo descrevem o mito de Nana, mostrando bastante de sua função pedagógica e delineando um código Moral.

“Ele encontrou dinheiro, chefe devagarzinho” “Eu o primeiro a usar uma espada”

“Força para pegar inimigos”

“Ele não te conhece, ele não te felicita”

“Uma coisa semeada dentro de casa cresce até o lado de fora” “Ele faz tudo”

“Não se pode olhar no olho da morte”

“Sabemos o que ele faz, não sabemos o porquê”

“Ele divide a guerra em dois” (em uma alusão aos lados de que combatem os inimigos, mas que independente do lado tem mortes iguais)

“Ela faz o que bem entende” “Muito Velha”

“Invocamos depressa o Orixá”

“Nós o vemos divertir-se e não conhecemos os seus hábitos” “Ele tem força sem recorrer a remédios”

“Nós o olhamos, mas ele não desvenda o segredo” “Ele dá alegria para todo mundo”

“Se alguém for muito bom ele o mata” (no sentido da morte como redentora) “Ele é solitário, ele é conhecido”

Para concluir, temos em um verso de Oriki uma alusão a lenda que temos na diáspora e que nos diz:

Que nos faz pensar em Nana e conseqüentemente em como na nossa sociedade de consumo e ocidental nos recusamos ainda em defender tradições que são tão nossas que herdamos desta diáspora africana.

Salubá Iya Nana Osunfemi (Ivan Poli)

O Mito de Yemanjá na Civilização Yorubá a partir de seus

No documento Antropologia dos Orixas.pdf (páginas 82-87)