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1. A ESCOLA COMO ORGANIZAÇÃO

1.3. Modelos de análise organizacional

1.3.3. O modelo (micro) político

Há ocasiões em que deves manter-te calmo, em que reinará em teu acampamento uma tranquilidade semelhante à do interior das mais espessas florestas. Ao contrário, quando precisares fazer movimentos e barulho, imita o fragor do trovão. Se for preciso ficar firme em teu posto, fica imóvel como uma montanha. Se tiveres que sair para pilhar, age rápido como o fogo. Se for preciso ofuscar o inimigo, sê como o relâmpago. Se for preciso esconder teus projetos, sê obscuro como as trevas. Evita movimentos inúteis.

Sun Tzu

A Arte da Guerra

Em alternativa ao pulso de ferro da burocracia que transforma a previsibilidade em inflexibilidade e as organizações em ilhas, incapazes de dar resposta ao inesperado, às circunstâncias locais e às mudanças de necessidades (Hargreaves, 1998), surge o modelo político como uma possível contracifra da vida organizacional, acrescentando novas suposições e outras problemáticas (Estêvão, 2018).

A política atravessa a cápsula do tempo. Como afirmam Baldridge & Deal (1983, p.10), a “política - poder, conflito e manipulação - é um jogo tão antigo quanto a espécie humana. Foi bem articulado por Maquiavel e representou uma estratégia seguida por muitos dos nossos bem-sucedidos líderes e estadistas”. As manobras perenes da política

25 foram a inspiração de escritores, determinaram a ascensão e a queda de impérios, elevaram ou apagaram personagens das páginas dos livros de História e a sua batuta continua a ditar o compasso pelo qual o mundo avança.

Essas transmutações da sociedade geram novas expectativas e compulsões nos indivíduos. Como resposta a essas forças económicas, sociais e psicológicas, os indivíduos movimentam-se na defesa dos seus próprios interesses, dentro dessa intrincada teia (Burns, 1961). No discurso precursor do mesmo autor, sobre as organizações como sistemas políticos, surge a analogia da política como “moeda de troca de recursos” (ibidem, p.279), ou seja:

Para viver, como nós, com outros homens, devemos nos colocar em uso e fazer uso dos outros. Nos dois sentidos, transformamos pessoas completas em recursos, em habilidades, informações, posses, direitos, utilizáveis por outros (…) Argumenta-se aqui que a política é a exploração de recursos, tanto físicos quanto humanos, para alcançar mais controle sobre os outros e, portanto, estarmos mais seguros, ou mais confortáveis, ou mais satisfeitos com a existência individual (ibidem, p.278).

O acolhimento da ideia que as organizações assumem uma “conexão bastante estreita entre objectivos, estruturas, actividades e resultados” (Baldridge & Deal, 1983, p.7) em que os membros são entendidos como “actores racionais cujo comportamento seria e deveria ser guiado pelo que era melhor para o bem-estar colectivo” (ibidem, p.7), é abalado pela metáfora política que “encoraja-nos a ver as organizações como redes soltas de pessoas com interesses divergentes que se juntam por motivo de conveniência pessoal (ganhar a vida, desenvolver uma carreira, defender uma meta ou objetivo pessoal) (Morgan,2006,p.189).

Quando Estêvão (2018) enuncia no seu trabalho, a introdução da dimensão política, pelas perspectivas pós-modernas de análise organizacional, também faz referência à contestação causada pelo receituário racional:

[…] as organizações são definidas fundamentalmente como “sistemas políticos” (March, 1991:17), como “arenas políticas”, que albergam uma variedade complexa de indivíduos e de grupos. Elas são “coligações de interesses” que têm diferentes metas, valores, crenças e percepções da realidade, onde se intersectam, na luta pelo poder, racionalidades plurais que destroem, por seu turno, o mito da racionalidade do modelo one best way (ibidem, p. 22).

26 O arquétipo político nasce assim por geração espontânea nas organizações, sendo um meio de “criar ordem e direção entre as pessoas com interesses diversos e potencialmente conflituantes” (Morgan, 2006, p.178), permitindo aos indivíduos “acertar suas diferenças por meio da discussão e negociação” (ibidem, p.179).

Na mesma latitude, encontramos a interpretação tecida por Costa (1996, p.78) em que:

As organizações, concebidas como miniaturas dos sistemas políticos globais, são percepcionadas, à semelhança destes, como realidades sociais complexas onde os actores, situados no centro das contendas e em função de interesses individuais ou grupais, estabelecem estratégias, mobilizam poderes e influências, desencadeiam situações de conflito, de coligação e de negociação tendo em conta a consecução dos seus objectivos.

Já no discurso de Blase & Bjork (2010, p.240) encontramos a definição de Blase sobre micropolítica, onde realça a interface conflito-cooperação:

Micropolítica refere-se ao uso de poder formal e informal por indivíduos e grupos para atingir seus objectivos nas organizações. Em grande parte, a acção política resulta de diferenças percebidas entre indivíduos e grupos, associada à motivação de usar o poder para influenciar e/ou proteger. Embora tais acções sejam conscientemente motivadas, qualquer acção, conscientemente motivada, pode ter “significado político” em uma dada situação. Acções e processos cooperativos e conflituosos fazem parte do âmbito da micropolítica. Além disso, factores macro e micropolíticos interagem frequentemente (Blasé, 1991, p.11).

A política organizacional é assim encorajada na maioria das organizações porque incentiva este dualismo entre competição e colaboração, ou seja, “os membros de uma corporação são, ao mesmo tempo, cooperadores em uma empresa comum e rivalizam pelas recompensas materiais e intangíveis da competição bem-sucedida entre si” (Burns, 1961, p.261).

Esta ambivalência também está expressa em Morgan (2006), quando refere que se impõe a existência de cooperação entre os indivíduos na consecução de uma tarefa comum, mas sincronicamente, esses armistícios são facilmente esquecidos, com a promoção de guerrilhas travadas por recursos limitados, progressões na carreira ou

27 Dos trabalhos desenvolvidos por Baldridge & Deal (1983) sobre o processo político, brotou uma série de suposições, a saber:

1. A inactividade prevalece

Nem todos se sentem seduzidos pelo processo político, aliás “para a maioria das pessoas, na maioria das vezes, o processo de formulação de políticas é uma actividade desinteressante e pouco recompensadora” (Baldridge & Deal,1983,p.51), consentindo assim que pequenos grupos de elite pilotem o processo.

2. Participação fluída

A composição dos espaços de decisão sofre alterações regulares, mesmo quando os assuntos políticos têm a capacidade de engajamento. Isto porque as pessoas não se prendem à sua demanda durante muito tempo, ocorrendo um habitual vaivém de pessoal no processo de tomada de decisões. Consequentemente, essas decisões “são geralmente feitas por aqueles que persistem” (ibidem, p.51).

3. A maioria das organizações sociais são fragmentadas em grupos de interesse com objectivos e valores diferentes

Esses grupos assemelham-se a tribos que vivem num “estado de coexistência armada” (Baldridge & Deal,1983,p.51). Perante um cenário apolíneo de recursos abundantes, os grupos mantêm-se apenas em sentinela, envolvendo-se ocasionalmente em conflitos mínimos só para garantir os seus benefícios. Todavia, quando irrompe uma crise de recursos e se começam a acastelar nuvens de incerteza, os grupos mobilizam-se para defender os seus interesses e digladiam-se com outros grupos de pressão, tanto externos como internos.

4. O conflito é normal

Vulgarmente o conflito é interpretado como um sinal de debilidade da comunidade. No entanto, num sistema social dinâmico e fragmentado é entendido como uma força

28 motriz natural e positiva que desencadeia uma mudança organizacional saudável. No entendimento de Morgan (2006, p.191):

[…] o conflito é normal e sempre estará presente nas organizações. O conflito pode ser pessoal, interpessoal ou entre grupos rivais ou entre coalizões. Ele pode surgir em estruturas organizacionais, papéis, atitudes e estereótipos ou por causa de uma escassez de recursos. Pode ser explícito ou encoberto.

5. A autoridade é limitada

Através do seu trabalho, Baldridge & Deal (1983, p.52) constaram que nas “universidades, a autoridade formal prescrita em um sistema burocrático é severamente limitada pela pressão política que os grupos podem exercer”. Assim, as decisões não são simplesmente ordens burocráticas, que os funcionários devem executar, mas, em vez disso, são resultado de compromissos negociados entre grupos de interesses concorrentes.

6. Os grupos de interesse externos são importantes

O processo de tomada de decisões, especialmente em instituições públicas, não decorre num vácuo. É permeável às pressões de grupos de interesses externos que influenciam o processo de formulação de políticas.

O modelo político, na perspectiva de Estêvão (2001) encaixa algumas das suposições já anteriormente elencadas e acrescenta outros pontos. Assim, genericamente enfatiza:

y a importância da micropolítica nas organizações; y nãoàneutralidade de valores;

y a existência de várias fontes e tipos de poder;

y os processos de determinação de objectivos, por conflito, negociação e no dissenso;

y as decisões baseadas nos objectivos dos grupos dominantes; y as relações instáveis com o meio;

29 y a importância de grupos externos como grupos de interesse e de pressão.

Na esteira de Baldridge & Deal (1993, p.50), o modelo político "pressupõe que as organizações complexas podem ser estudadas como sistemas políticos em miniatura, com dinâmicas de grupos de interesse e conflitos semelhantes aos da cidade, estado e outras situações políticas”.

Esta afirmação serve-nos de trampolim para uma breve análise das organizações educativas através das lentes da política visto que “estudos políticos empíricos revelaram fortes descobertas sobre a ocorrência omnipresente e natural da micropolítica no quotidiano das escolas (Blase & Bjork, 2010, p.241).