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O modelo pedagógico adotado nos cursos jurídicos

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CAPÍTULO 1 – O ENSINO JURÍDICO NO BRASIL

1.1 BREVE DIAGNÓSTICO DO ENSINO JURÍDICO HOJE NO BRASIL

1.1.2 O modelo pedagógico adotado nos cursos jurídicos

Conforme ora explanado, as sucessivas reformas curriculares que foram efetuadas nos cursos de Direito, por si só, não foram capazes de resolver as questões da baixa qualidade do ensino e da visão positivista-legalista do fenômeno jurídico.

Deixou-se – e ainda se deixa – de ensinar, o direito e a justiça para ensinar de forma precária, na maioria das escolas do País, a lei, através de comentários que tocam as raias da evidência ou do uso frequente do argumento da autoridade. Observamos, com isso, uma crescente perda de significação social do Direito. (grifos dos autores) (SANTOS; MORAIS, 2997, p. 60)

Desta forma, observa-se que o ensino jurídico pugnou, quase que exclusivamente, pelo puro legalismo que se deriva da influência do positivismo quanto à concepção de Direito. Esta concepção está pautada no mito de que o Direito é neutro e imparcial. Este modelo legalista de ensino não foi capaz de possibilitar aos estudantes a aptidão para atuar em consonância com as transformações sociais do mundo contemporâneo. Transformações pedagógicas urgem. Entretanto, os cursos de Direito, em função do tradicionalismo histórico, apresentam uma resistência maior quanto às mudanças. Como ensinam Santos & Morais (2007, p. 61) as características desse ensino

(...) ainda estão ligadas ao velho modelo que privilegia o objeto e ao modelo discursivo centrado no professor. Neles, permanece a ideia de que bastam professores, alunos, códigos, manuais, salas de aula e um repertório de modelos práticos de processos juridicamente exemplares para a realização da formação jurídica do aluno. Relegadas a segundo plano, neste modelo tradicional, estão as atividades de pesquisa e extensão, e o desenvolvimento de uma visão crítica do fenômeno jurídico não figura como objetivo primordial a ser atingido.

O modelo pedagógico, em regra, esposado pelos professores de Direito, é o tradicional, baseado na aula-conferência. Nesta perspectiva pedagógica,

(...), acredita-se que a realidade jurídica seja possível de ser transmitida de forma cumulativa, sendo o aluno inteligente, aquele que possuir a capacidade de “armazenar” as informações. A mediação entre o aluno que deve memorizar as informações e o professor, tido como lugar de onde provem o saber, fecha o ato pedagógico e o processo ensino- aprendizagem, tornando-se obstáculo à reflexão e a especulação criativa. (BERTASO; NAKALSKI, 2001, p.45)

Este modelo pedagógico da aula-conferência enfatiza o professor como único detentor do saber e coloca o aluno em situação de receptor passivo de conhecimentos, resultando num verdadeiro ensino autoritário e abstrato, caracterizado pelo adestramento dogmático-legalista, eivado de convicções e, ainda,

reprodutor da ideologia dominante, geralmente totalmente afastado do debate, da crítica e dos fenômenos sociais.

Interessante mencionar que, conforme indicam os estudiosos, esse modelo de aula esteve presente desde as raízes históricas do ensino jurídico em nosso país, servindo ao propósito de manutenção da ordem social e econômica dominantes.

Acoplado a um projeto de dominação, não poderia ser outro o tipo de ensino ministrado nas Faculdades de Direito: formalista, elitista, dogmático. Assim os profissionais poderiam bem representar os seus papéis de defensores de uma ordem ora liberal, ora conservadora, ora iluminista. (OLIVO, 2000, p.61)

A aula expositiva, ainda que encontre defensores, apresenta diversas limitações apontadas pelos autores pesquisados que comprometem, de alguma maneira, o senso crítico dos alunos, pois, conforme acima mencionado, coloca-os em um papel de inércia e passividade, uma vez que debates não são suscitados, posto que o ensino privilegia os códigos e a doutrina, não havendo diálogo com a realidade social na qual os alunos estão inseridos. Acerca das limitações encontradas na aula expositiva, Godoy (1997, p. 78/79) apresenta as seguintes considerações:

- Pouca participação do aluno em função da comunicação unilateral (sic) característica desta técnica de ensino.

- Considera a classe como um grupo uniforme, não levando em conta o fato de que os alunos possuem estilos de aprendizagem diferenciados. - Não considera o fato de que muitos ou alguns alunos não possuem os conhecimentos prévios necessários.(sic)

- Não favorece o desenvolvimento das habilidades intelectuais mais complexas (aplicação, análise, síntese e julgamento) que levem (sic) o aluno a pensar sobre o que aprendeu.

- Não possibilita que o professor realize a função de avaliação acompanhando o aprendizado (ou não) do aluno. (sic)

- Às vezes cria o hábito de os alunos estudarem através (sic) de suas anotações de classe não recorrendo à bibliografia indicada pelo professor.

(sic)

Freire (2005, p. 65) denominou este tipo de aula de “narração de conteúdos”, o que dá substrato ao que este autor define como “ensino bancário”. Na concepção bancária de educação “a única margem de ação que se oferece aos educandos é a de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los” (FREIRE, 2005, p. 66). Aqui

não há oportunidade para que o aluno acesse sua criatividade e autonomia, representando a via inversa do que Freire entende por educação, a saber: o processo de busca do conhecimento.

(...) nesta distorcida visão da educação, não há criatividade, não há transformação, não há saber. Só existe saber na invenção, na reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os homens fazem no mundo, com o mundo e com os outros.

(...) Na visão “bancária” da educação, o “saber” é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber.

(FREIRE, 2005, p. 67)

A educação “bancária” transforma os alunos em meros receptáculos passivos do conhecimento, pois repousa na condição de antidialógica. Aos alunos cabe apenas a tarefa de memorizar os conteúdos de forma mecânica, sem que lhes seja oportunizado o desenvolvimento da consciência crítica, promovendo a sua domesticação e lhes retirando a condição de sujeitos ativos e co-participantes de seu processo educacional e, ainda, de agentes transformadores da sociedade em que estão inseridos (FREIRE, 2005, p. 68).

Este modelo educativo evoca àquele do século XIX, onde a prática pedagógica era a da instrução. Esta funciona como um manual, visto que objetiva que se aprenda o “como fazer”, “como proceder” um trabalho (WEIL, 2000, p. 65), mas não leva à construção do saber crítico e à autonomia do aluno. É quase uma ignorância erudita que dota o aluno exclusivamente de conhecimentos técnicos, enciclopédicos, deixando de lado a reflexão crítica acerca das questões profundas da humanidade e da civilização. É algo totalmente divorciado dos saberes do senso comum que os alunos trazem para a sala de aula e, ainda, totalmente apartado e descontextualizado da dinâmica social em que estão inseridos. Como preconiza Freire (1996, p. 33) “(...) transformar a experiência educativa em puro treinamento técnico é amesquinhar o que há de fundamentalmente humano no exercício educativo: o seu caráter formador”. (grifos nossos)

Porém, o que se tem observado é que, ao que parece, historicamente, as faculdades de Direito, adotaram a postura pedagógica de, nos dizeres de Bastos (1998, pág. 283) “meros centros de transmissão de conhecimento jurídico oficial”, tornando-se locais de pouca reflexão e pouca produção de pesquisa. Este ensino

excessivamente dogmático caracteriza-se por estar totalmente divorciado dos demais conhecimentos que se fazem necessários para a compreensão da dinâmica do homem e da sociedade. É um ensino abstrato e sem vinculação com a realidade social em que ocorre (BASTOS, 1998, p. 293). Esse academicismo é ensino bancário, antidialógico e não apto a estimular o pensamento crítico dos alunos, que será o que permitirá que busquem pelas transformações sociais que se fazem necessárias.

Outra característica do ensino jurídico no Brasil, que favorece o academicismo e o ensino bancário, é a questão de ainda poderem ser encontrados os elementos improvisação e despreparo pedagógico de muitos professores. Ferreira Sobrinho (1997, pág. 25) destaca os aspectos marcantes de muitos professores dos cursos de Direito no Brasil: “descompromisso (professor de tempo parcial, por mero diletantismo), instabilidade (professor transitório) e baixa remuneração”.

A questão da qualificação dos docentes também ocupa os debates acerca da qualidade dos cursos de Direito. Atualmente observa-se que a legislação caminhou no sentido de aumentar as exigências quanto à titulação dos professores universitários. Entretanto, a titulação não garante, por si só, o bom desempenho do professor em sala de aula. Bastos (1998, p. 306) enfatiza a necessidade de que os cursos de mestrado e doutorado em ciências jurídicas incluam disciplinas de didática para que, além de formar um bom pesquisador, haja a possibilidade de se propiciar a formação de um educador do ramo do Direito.

Acerca do approach didático-pedagógico, o professor de Direito, conforme já narrado, via de regra privilegia o modelo de aula tradicional, tecnicista, pouco reflexiva, adotando uma postura de distanciamento dos alunos, uma vez que os considera meros coadjuvantes no processo de aprendizagem. Este professor ainda valoriza mais a capacidade de memorização de conteúdos por parte dos alunos do que a capacidade de análise crítica.

Este nos parece ser um modelo didático-pedagógico retrógrado, conservador, formalista, academicista, um verdadeiro “adestramento dogmático” nas palavras de Fachin (2000, p. 7), e precisa ser superado. Para tanto, novas diretrizes curriculares foram propostas para retirar esse ranço tradicionalista do ensino jurídico, transformando-o num ensino que contemple as inúmeras necessidades do futuro

operador do Direito, para que receba uma formação humanística, técnica e científica.

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