• Nenhum resultado encontrado

O Momento Atual do Artesanato

No documento UNIVERSIDADE FEEVALE (páginas 53-60)

4. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

4.3. ARTESANATO

4.3.4. O Momento Atual do Artesanato

A indústria não matou o artesanato como se poderia pensar e, felizmente nos dias atuais existem inúmeros esforço a fim de revitalizar esta prática.

Este movimento de revitalização do objeto artesanal no Brasil se tornou mais forte nas duas últimas décadas, com o surgimento de Organizações não governamentais, ONGs, cooperativas, fundações privadas e públicas, entre outros, que se dedicam a valorização dos conhecimentos, dos saberes e fazeres populares. Dentre estes, se destaca o trabalho do SEBRAE, com o programa Artesol. O SEBRAE iniciou seu projeto “Cara Brasileira”, em 1998. Desde então foram inúmeros programas de fomento ao artesanato e design (BORGES, 2011). O SEBRAE (2010) tem uma visão de que o artesanato é um bom veículo de transmissão de “brasilidade” e tem um grande potencial na geração de renda, já que 64,3% dos municípios brasileiros desenvolvem alguma atividade artesanal, em pesquisa do IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, dado este que fortalece suas iniciativas.

Segundo Borges (2011) o Artesol, Artesanato Solidário, também tem grande influência neste movimento de revitalização do artesanato. Tudo começou em 1998, com a antropóloga Ruth Cardoso, com o objetivo de combater a pobreza das regiões de grande seca. Nesta época o programa se chamava Comunidade Solidária e em 2002 passa a se chamar Artesol. Ao longo de sua trajetória foram desenvolvidos 98

projetos em dezessete estados do país. Um dos projetos, Fibras do Sertão, aconteceu nas cidades de Araci e Valente, na Bahia, em 1998. Lá, a principal atividade da região era o cultivo de sisal, vendo esta produção estagnada, muitos moradores foram embora. Para tentar reverter esta situação, o programa Artesanato Solidário, como se chamava na época, organizou e capacitou os artesãos da região, o resultados foram belas peças e a melhora na qualidade de vida destas pessoas através da venda de seu artesanato.

O meio acadêmico também está abrindo espaço para o artesanato. Segundo Borges (2011, p. 191), “As duas últimas décadas mostram que o divórcio entre as escolas de design e o fazer artesanal está acabando”. O artesanato começa a entrar nas universidades através dos programas de extensão. É o caso do laboratório O Imaginário, da Universidade Federal de Pernambuco, UFPE, composto por professores, alunos e profissionais. Dentre seus projetos na área artesanal está o “Conceição das Crioulas”, trabalho desenvolvido em uma comunidade quilombola, em Salgueiro, Pernambuco. Os artesãos produzem seus artigos em barro e fibra natural, figura 32.

O Imaginário desenvolveu inclusive as embalagens e a identidade visual do “Conceição das Crioulas”.

Figura 32 – Artesanato Conceição das Crioulas

Fonte: Disponível em http://www.oimaginario.com.br/site/?page_id=66. Acesso em 1 de novembro de 2012.

Outra universidade atenta a esta temática é a Universidade Feevale, em Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul, que tem em seu currículo do curso de design, a disciplina de Projeto I – Design Social. A disciplina trabalha em parceria com o projeto de extensão continuada “Design Social: Valorizando Territórios e Indivíduos”, que existe desde 2010, realizando seus trabalhos junto a comunidades carentes da região. Em um dos projetos foi realizado, junto aos artesãos, uma oficina criativa para que explorassem monumentos turísticos da cidade de Novo Hamburgo, incorporando estes elementos na produção do artesanato, figura 33. (DESIGN SOCIAL, 2012)

Figura 33 – Projeto Design Social: Valorizando Territórios e Indivíduos

Fonte: Disponível em <http://designsocialfeevale.wordpress.com/2012/03/ >. Acesso em 1 de novembro de 2012.

Os municípios também estão tomando iniciativas na área do artesanato, através de projetos de capacitação e revitalização, Borges (2011) exemplifica o que ocorreu na cidade de Canoas, Rio Grande do Sul em 2009, onde cem artesãs foram responsáveis pela decoração natalina utilizando sucata como matéria prima e muita criatividade, figura 34, junto à designer carioca Mana Bernardes, que dentre outros trabalhos desenvolve jóias com materiais como garrafa PET.

Figura 34 – Decoração Natal da Transformação

Fonte: Borges (2011, p. 88)

No município de Sapiranga, Rio Grande do Sul, há o projeto da prefeitura Tecendo Saberes, que oferece gratuitamente aula de tear aos moradores da cidade, o objetivo é capacitar estas pessoas, que ao final do curso recebem a carteira profissional de artesão, podendo assim comercializar o que fazem. Além do aperfeiçoamento que pode se tornar uma fonte renda há também o enriquecimento do convívio social. Algumas alunas são aposentadas e tem nesta atividade uma forma de permanecerem ativas e se sentirem valorizadas. Se percebe o orgulho que sentem ao explicar, generosamente, o que sabem de tecelagem e ao mostrarem seus produtos, entre eles xales, cobertas mantas, tapetes, todos feitos em tear manual, seja de pente liço, pedal, ou tear de pregos, também usam a técnica da grampagem e a matéria-prima utilizada é a lã.

O público é bastante variado, desde mulheres aposentadas a crianças. As aulas iniciam em março e terminam em dezembro, porém neste ano de 2012, acabam em outubro. Parte do que é confeccionado é vendido no próprio local ou em feiras, não há um ponto especifico de comercialização, muitas das peças produzidas pelas artesãs são destinadas a uso próprio, o número de artesãos por turma é em média de 21 alunos, figura 35.

Figura 35 – Projeto Tecendo Saberes

Fonte: Da autora, outubro 2012.

Todas essas iniciativas tem causado grande impacto social e econômico, uma verdadeira revolução silenciosa na América Latina, como diz o curador australiano Kevin Murray citado por Borges (2011). O artesanato pode dar uma qualificação e oportunidade aqueles que por vários motivos estão fora do mercado de trabalho. É um setor que gera emprego e renda e que não envolve apenas o artesão, mas também o produtor da matéria-prima, o fornecedor dos equipamentos, os que transportam ou vendem. Portanto, como explica Borges (2001, p. 212), “o artesanato absorve mão de obra de forma intensiva e gera uma melhoria da renda, sobretudo nos estratos inferiores da sociedade”. Conforme Borges (2011, p. 212) estima-se que o número de artesãos no país é muito grande:

Desde 2001, órgãos do governo vêm divulgando a existência de 8,5 milhões de artesãos no país, mas alertando que esse dado é impreciso, porque há um grande número de trabalhadores informais. Trata-se de uma atividade primordialmente feminina: calcula-se que 85% sejam mulheres. Muitas alternam a prática artesanal com outras ocupações, não a considerando como sua principal atividade. Outras deixam de se cadastrar nos projetos governamentais de artesanato por medo de perder benefícios como o Bolsa Família ou a aposentadoria, que. no caso da agricultura familiar, impede o aposentado de ter outra profissão. Com medo de que alguém as denuncie, as artesãs omitem essa prática.

Considerando este numero de 8,5 milhões de artesãos no Brasil, Borges (2011) cita Tânia Machado, presidente do Instituto Centro de Capacitação e Apoio ao Empreendedor, Centro Cape, e da Associação Brasileira de Artesanato (Abexa), que calcula uma contribuição de R$ 55 bilhões anuais, somando os salários estimados dos artesãos da cidade e do campo, portanto este setor estaria entre os cinco maiores contribuintes do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil.

Além do fator econômico, o artesanato representa uma mudança social ao transformar a realidade de artesões, que passam a ter acesso ao que não tinham, melhoram as suas vidas e de suas famílias, sentem-se mais valorizadas, por perceberem a riqueza de seu ofício. Entre os depoimentos, Borges (2011, p.215) conta que “vários artesãos contaram ter comprado casa, televisão, geladeira. Uma senhora foi ao dentista pela primeira vez em sua vida; outra conseguiu corrigir um estrabismo que lhe constrangia desde pequena”.

Para os que vivem no campo, a cidade grande deixa de ser a única opção para melhorar de vida, quando encontram em sua terra uma oportunidade. O artesanato tem promovido esta permanência no interior através dos programas de requalificação do artesanato. Estas artesãs conseguem trabalhar em suas casas, cuidam de seus filhos, sem passar horas no trânsito para se deslocar ao trabalho. (BORGES, 2011)

O “fazer artesanal” também se enquadra aos padrões do ecodesign, que tem a ver com a redução do impacto que um produto gera ao longo de todo o ciclo de vida, conforme Kazazian (2005), que apresenta um esquema chamado “Roda de Ecoconcepção”, figura 36,

Figura 36 – Roda da Ecoconcepção

Fonte: Kazazian (2005, p. 37)

Observando as etapas da “Roda de Ecoconcepção” é possível constatar, logo ao primeiro olhar que o artesanato se enquadra perfeitamente neste esquema.

Normalmente o artesão utiliza materiais naturais, que tem menor impacto ambiental por serem matérias-primas renováveis. Segundo Kazazian (2005) estes materiais produzidos pela natureza, são de origem vegetal ou animal e transformados pelo homem, podem se regenerar se houver uma exploração adequada. O processo de fabricação artesanal requer pouco ou nenhum uso de energia, portanto uma fabricação limpa, seu uso pelo consumidor não causa impactos por não necessitar de energia para o funcionamento.

Borges (2001) também ressalta o apelo sustentável que há no artesanato, por estar ligada historicamente ao aproveitamento de material local e reaproveitamento de resíduos, aspectos também encontrados na Roda de Ecoconcepção, onde se deve otimizar o fim da vida de um produto, dando-lhe um novo uso.

Outra etapa da Roda de Ecoconcepção fala na otimização da duração de vida do produto, uma forma eficiente de promover este uso prolongado é a criação de uma relação afetiva com o mesmo, pois para Kazazian (2005, p. 44):

O aspecto relacional é determinante para a durabilidade do objeto: guardamos os objetos em função das relações – utilitárias, hedonistas ou cognitivas – que estabelecemos com eles. Um objeto nos agrada porque desperta nossos sentidos. Nele depositamos uma vivência; nós o carregamos de significação, lhe pedimos que conte uma história quando ele materializa para nós um sentimento, a lembrança e um instante.

Portanto o artesanato também contribui neste ponto, da otimização da vida de um produto, pois o produto artesanal está, como citou Kazazian (2005) repleto de significação e histórias, não é fruto de mero modismo, nem descartável ao fim de uma tendência porque não é regido pela lei da obsolescência. .

No documento UNIVERSIDADE FEEVALE (páginas 53-60)

Documentos relacionados