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CAPÍTULO 4: ANÁLISE DE DADOS

4.2 VARIÁVEIS LINGÜÍSTICAS EXPLANATÓRIAS

4.2.2 O morfema de pessoa e número

A escolha desta variável deveu-se ao fato de que ela é um dos principais aspectos abordados por Chomsky (1981) no que se refere ao licenciamento do sujeito nulo. Lobato (1986), como foi visto no capítulo 2 desta dissertação, afirmou que nas línguas pro-drop, que permitem a utilização do sujeito nulo, a flexão verbal funciona como principal regente para a posição de sujeito, se relacionando com a flexão manifesta. Isso também é dito por Duarte (1995), ao afirmar que o português brasileiro passa por um processo de importantes mudanças em relação à realização ou não do sujeito pronominal que está relacionado à simplificação do nosso modelo flexional, devido à redução ocorrida no quadro pronominal. Ao comentar sobre o morfema de 3ª pessoa, Duarte (1995) afirma que apesar da 1ª e 2ª pessoas estarem perdendo a opção pelo sujeito nulo, o mesmo não acontece com a 3ª pessoa que continua a usufruir dessa opção. Isso se deve à perda da riqueza funcional do paradigma.

Ao estudarmos essa variável, foram observados os seguintes fatores, indicados abaixo com os respectivos exemplos, para verificarmos até que ponto a morfologia flexional seria a responsável pela presença do sujeito nulo:

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a) morfema zero.

(25) Não, eu corria um bocado. (SP01)

(26) com’é que vai pa rua e volta bebo?” (SP01)

(27) Se você dá a lição (SM12)

(28) ela foi lá em casa recramá com minha mãe (SP06)

(29) e dexô eu com um menino (SM04)

(30) e nós, se pegasse um (SP01)

(31) Quando foi um dia, nós pegô, rapaz, a porra de um galo aí (SM01)

(32) aí eles arrumava uma sacolinha (SP07)

(33) porque é muito pirracentas demais (SM03)

b) morfema de 1ª pessoa do singular.:

(34) Sinto, ‘quele...aquele tempo era bom demais, antigamente... mais (SP01)

(35) e...eu bato, fico com raiva (SM03)

c) morfema de 1ª pessoa do plural.

(36) ‘tamo batalhando pra podê mantê a família (SP05)

(37) aí nós fiquemo morando uns tempo (SM01)

d) morfema de 3ª pessoa do plural.

(38) aí, depois conversaro bastante (SP04)

(39) poque eles passam os medicamento tudo caro, (SP08)

O morfema zero foi escolhido como um fator de grande importância, pois pode servir a várias pessoas, conforme exemplos ilustrativos (25) a (33), mostrados acima. Já o morfema de 1ª pessoa do singular, só é realizado em alguns tempos. O morfema de 1ª pessoa do plural é o único que não é ambíguo, pois se refere somente a essa pessoa, não sendo utilizado por nenhuma das outras pessoas do discurso. É o morfema mais informativo da pessoa do sujeito. O mesmo não acontece com o morfema de 3ª pessoa do plural que tanto pode se ligar à 2ª quanto à 3ª pessoa do plural.

Lucchesi (2004), observou em seus estudos sobre o parâmetro do sujeito nulo no português afro-brasileiro que o morfema que mais favorece essa realização é o morfema de 1ª pessoa do plural –mos. Isso ocorre por ser este o morfema que apresenta uma maior saliência no paradigma flexional. O morfema da 1ª pessoa do singular e o –m final da 3ª pessoa do plural, este mais precisamente um morfema de

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número, se mostraram num estágio intermediário. Ele concluiu que o que mais favorece a realização do sujeito pronominal é a ausência de qualquer morfema flexional.

Duarte (1995) também chegou a essa conclusão ao afirmar que o licenciamento do sujeito nulo se dá pela perda do traço semântico de pessoa na categoria gramatical, que é responsável pela identificação das três pessoas gramaticais. Desse modo, resta somente o traço sintático que nos leva aos quatro morfemas analisados em nossos estudos: -o, -ei (1ª pessoa do plural); -mos (1ª pessoa do plural); -m (3ª pessoa do plural) e morfema zero. O que vem ocorrendo é que a desinência –mos está deixando de ser utilizada e as desinências –o e –ei estão limitadaS a dois tempos verbais (presente, pretérito perfeito do indicativo). A desinência –m, como nos diz Duarte (1995), vem sendo omitida com freqüência nos registros mais informais, principalmente entre os falantes que possuem uma baixa escolaridade. Isso faz com que a desinência zero seja marcada negativamente em relação ao número e pessoa, mostrando a perda da flexão isoladamente.

Ao verificarmos essa variável obtivemos os seguintes resultados, em nossos estudos, expostos na Tabela 3:

Tabela 3 – A realização do sujeito pronominal na fala popular do município de Poções-BA, segundo a variável morfema de pessoa e número (nível de significância: .038)

MORFEMA DE PESSOA E Nº Nº DE OC. / TOTAL FREQ. P. R.

morfema de 1ª p. do singular 385/626 62% .50

morfema zero 1302/2272 57% .51

morfema de 3ª p. do plural 6/12 50% .45

morfema de 1ª p. do plural 25/51 49% .25

TOTAL 1718/2961 58% ---

O que podemos observar é que o morfema de 1ª pessoa do singular e o morfema zero mantiveram-se como fatores neutros em relação à realização pronominal do sujeito, com peso relativo de .50 e .51, respectivamente, que, de certa forma reflete os resultados percentuais de freqüência de uso desses dois morfemas – um pouco acima da freqüência geral. Já o morfema de 3ª pessoa do plural obteve

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50% de realização pronominal, um pouco abaixo da freqüência geral de 58%, o que se refletiu no peso relativo de .45. Esses números revelam um pequeno desfavorecimento do uso do sujeito pleno, com esse morfema. O morfema de 1ª pessoa do plural, no entanto, foi o que mais favoreceu o sujeito nulo, com 49% de ocorrência para a realização do sujeito e peso relativo de .25. Isso acontece por ser este o morfema mais informativo da pessoa do sujeito, não necessitando, assim da realização do sujeito pronominal para que isso ocorra. Nos estudos realizados por Lucchesi (2004) também encontramos o morfema de 1ª pessoa do plural como o que mais favorece a utilização do sujeito nulo, apresentando 31% de ocorrências e peso relativo .76 para a realização desse tipo de sujeito. Já o morfema de 1ª pessoa do singular, também revelou ser um fator neutro em relação à realização do sujeito nulo, o que ocorreu também em nossos estudos, apresentando 29% de ocorrências e peso relativo de .51. O mesmo ocorre com o morfema zero que apresenta, no trabalho de Lucchesi (2004), 26% de ocorrências e peso relativo de .48, revelando ser também um fator neutro, apesar de indicar uma pequena queda. Quanto ao morfema de 3ª pessoa do plural, encontramos 32% de ocorrências e peso relativo de .57, demonstrando um leve desfavorecimento na realização do sujeito nulo, o que também pode ser observado em nossos estudos sobre a realização do sujeito pronominal. Desse modo, fica mais uma vez comprovada a importância da flexão verbal no licenciamento do sujeito nulo, confirmando o que foi dito por Duarte (1995) e Lobato (1986).

A seguir estaremos analisando os dados referentes ao traço semântico [+/- humano] que tem se revelado de grande importância no estudo das categorias vazias no português do Brasil.

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