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pesar de essa perspectiva ser fortemente desenvolvida na Psicologia contemporânea, não se pode dizer de forma alguma que é um fenômeno exclusivo dessa área de conhecimento. Encontra-se também esse movimento no campo da Sociologia, da Antropologia, da Economia, da Administração, da Lingüística e da Filosofia (IBÁÑEZ, 1993).

A perspectiva construcionista é resultante de três movimentos distintos. O primeiro é o da Filosofia, a partir da reação ao representacionismo do conhecimento, por entender que o conhecimento não é meramente uma tradução de algo que pertence à realidade, já que esta realidade é constituída por objetos da natureza que são produtos de interações historicamente construídas, decorrentes de processos sociais dos seres humanos (SPINK e FREZZA, 2000, p. 28). Portanto, o conhecimento é sempre o resultado de uma construção coletiva que gera a realidade e as versões que temos dela e, por isso, o conhecimento não é algo que alguém tem, mas é algo que as pessoas fazem juntas.

O construcionismo reconhece a linguagem como prática social e que constitui a base da sociedade, sendo uma das formas de interações sociais fundamental para essa perspectiva. As pessoas que convivem na mesma cultura e que compartilham a mesma língua contribuem rotineiramente para a criação de um sistema conceitual, que molda a ação social de seus integrantes ou segundo Iñiguez (2002, p. 13)“... falar é construir o mundo, construir nossa experiência psicológica, construir nossas emoções, ou seja, a fala deve ser entendida como uma forma de ação.”

Além disso, como já vimos, o conhecimento é resultado de um processo histórico particular e relativo à cultura na qual foi produzido, portanto, não universal. Ou seja, o conhecimento em

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uma determinada comunidade sobre um determinado tema pode ser muito distinto em outro local ou época.

Outro movimento vem da Sociologia do Conhecimento, que critica a concepção da verdade como conhecimento absoluto. A verdade, de acordo com Ibáñez (apud SPINK e FREZZA, 2000, p. 29) “são sempre específicas e construídas a partir das convenções pautadas por critérios de coerência, utilidade, inteligibilidade, moralidade”. O que a abordagem construcionista advoga é que a verdade deve ser questionada, colocar-se em dúvida a forma pela qual nos ensinaram a olhar o mundo e a nós mesmos. Tal verdade problematizada pode levar a busca de sua origem, seu processo, a quem beneficia e a quem prejudica. Exige um esforço do pesquisador, nesse sentido, de desfamiliarizar conceitos profundamente enraizados na cultura, já que ela se refere ao padrão de desenvolvimento refletido nos sistemas sociais de conhecimentos, ideologias, valores, leis e rituais quotidianos. E assim, promove o ato político do pesquisador em se posicionar frente ao mundo.

E, por fim, o construcionismo também é resultado do movimento na Política, como a busca do empoderamento de grupos socialmente excluídos.

A perspectiva construcionista preocupa-se, então, com a explicação dos processos por meio dos quais as pessoas descrevem, explicam ou dão conta do mundo (incluindo a si mesmas) em que vivem. Ela se difere das demais perspectivas tradicionais de pesquisa no momento em que incorpora a noção de que os conceitos que se utiliza para explicar e descrever são socialmente construídos, produtos das interações humanas e que toma para si o ato de convidar o pesquisador a participar ativamente dos processos de transformação social. “Impõe-se, em contrapartida, a necessidade de explicitação de nossas posições: não a escolha arbitrária entre opções tidas como equivalentes, mas a opção refletida a partir de nossos posicionamentos políticos e éticos” (SPINK e FREZZA, 2000, p. 32:33).

Nesse sentido, a compreensão de que os conhecimentos compartilhados nos espaços da Comunidade Monte Moriá e nas Conferências Preparatórias (Regionais e Estadual) da Conferência Nacional de Economia Solidária, não são individuais, nem empíricos, mas ao contrário, esse espaço é co-produzido por práticas discursivas e sua produção de sentidos, relacionando a história construída com as circunstâncias que as pessoas estão vivendo, definindo posicionamentos e, portanto, participando da constituição de suas intersubjetividades. “O foco está na compreensão da construção de sentidos no espaço de vida do indivíduo, grupo, instituição ou comunidade” (SPINK, 2003, p. 16).

Portanto, é nesse conceito que se sustenta a possibilidade de investigar as interfaces existentes entre os sentidos presentes que circulam numa comunidade que busca se organizar e auto gerir-se em prol de geração de trabalho e renda digna a todos os envolvidos e os sentidos presentes em um documento de domínio público, como o Documento Base da I Conferência Nacional de Economia Solidária, que possibilitou compreender a trama social em que as pessoas constroem seu modo de ver e entender a vida, sob os princípios da Economia Solidária.

Assim, esta pesquisa de campo foi sendo elaborada com o enfoque da perspectiva construcionista, em que os acontecimentos foram social e historicamente considerados, porque uma multiplicidade de vozes estava sendo reconhecida como integradora dos sentidos e das ações praticadas pelos atores sociais envolvidos no tema pesquisado.

Por isso, o ponto de partida da pesquisa era conhecido, porém, o método e os procedimentos técnicos foram sendo constituídos durante o caminho. Esse caminho investigativo começou nas visitas que foram realizadas junto ao grupo de trabalho informal da Comunidade Monte Moriá, nos contatos e nas conversas realizadas com o pastor e sua esposa, a pastora, as mulheres integrantes do projeto, os voluntários e os profissionais convidados. Mais tarde, com os atores sociais envolvidos no movimento da Economia Solidária, encontrados em reuniões preparatórias e avaliativas das Conferências Municipal e Estadual, além da Nacional.

Entretanto, ao mesmo tempo em que a pesquisa de campo estabeleceu um contato mais direto com a vida cotidiana, ela exigiu uma metodologia capaz de se envolver com a polissemia e a polifonia que aconteciam no processo dialógico concomitante ao processo da pesquisa (que já é, em si mesma, uma construção social). Nesse sentido, é que foi sendo assumida uma metodologia de pesquisa, cuja postura epistemológica estava alinhada com as particularidades típicas de uma pesquisa de campo qualitativa em Psicologia Social do Trabalho e, por conseguinte, foi sendo trabalhado um referencial teórico que sustentasse essa produção. “Para fazer isso, não há métodos bons ou ruins; há simplesmente maneiras de estar no campo-tema, incluindo a poltrona da biblioteca. Método, nada mais é do que a descrição do ‘como’, ‘onde’ e ‘o quê’” (Spink, P. K., 2003).

O processo a ser estudado foi então definido e, com ele, também foram definidos alguns pressupostos para a pesquisa, pois se optou em estudar o discurso tanto do grupo de trabalho informal supramencionado quanto do texto formalizado do documento base, utilizado nas discussões das conferências preparatórias da I Conferência Nacional sobre Economia

relação social a ser analisada não somente estará intermediada pela linguagem, mas principalmente, controlada por ela (IÑIGUEZ, 2004). Neste sentido, o controle dos discursos não necessariamente óbvios, está baseado em regras formais ou informais que afetam, codificam e prescrevem o comportamento das pessoas envolvidas e que têm enorme poder sobre as orientações das vidas humanas, levando a seguinte questão: “[...] não existe nenhum discurso que seja independente dos demais, um discurso nunca existe por si mesmo sem estar ancorado em algum outro [...] é conhecido pelo termo “intertextualidade” (IÑIGUEZ, 2004, p. 135).

Nesta pesquisa, sob a perspectiva construcionista, foi utilizado o método do estudo de caso (Yin, 1987), por ser uma forma particularmente apropriada para compreender condições contextuais, acreditando que elas poderão ser altamente pertinentes para o entendimento mais abrangente do fenômeno em estudo (no caso, a Economia Solidária). O grupo de trabalho informal da Comunidade Monte Moriá acompanhado com mais cuidado pareceu fonte privilegiada de informações sobre os desdobramentos do processo de incubação de uma cultura baseada nos princípios da Economia Solidária que o presente estudo pretende compreender. A seguir, contaremos como ocorreu a aproximação desta pesquisadora junto ao movimento da economia solidária, primeiramente no grupo de trabalho informal e depois nas conferências preparatórias e avaliativas sobre o tema.

Aproximação do Movimento da Economia Solidária

Tão logo ocorreu a definição do campo tema, foi iniciada a busca por um grupo de trabalho informal para transformá-lo em objeto de estudo desta tese. Surgiu, então, a possibilidade de acompanhar o grupo de trabalho informal da Comunidade Monte Moriá, localizado em Curitiba, capital do Paraná. Assim, em fevereiro de 2005, em uma reunião na Universidade em que leciono, foi possível contatar com a Pró-Reitoria de Promoção Humana, que estava coordenando um projeto de Extensão Universitária denominado Vivendo e Aprendendo existente desde julho de 2000, apoiado pela Universidade entre os anos de 2000 e 2005. Então, passei a freqüentar o grupo todas as quartas-feiras (das 15h às 17h), desde março de 2005 até novembro 2006. Durante este tempo participei dos encontros, observei as movimentações, as pessoas, anotando em meu diário de campo. Para efeitos desta contextualização, divide-se a história em dois momentos: o primeiro antes do meu ingresso no

grupo e o segundo momento durante a minha participação que se subdividiu também em dois momentos: o primeiro o de observação e o segundo o de intervenção.