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CAPÍTULO I – REVISÃO DA LITERATURA

3. Planos Gerontológicos Municipais: desafios aos decisores políticos a nível local

3.2. O movimento internacional “aging in place”

Aging in place, traduzido para português por Paúl (2005a) como envelhecer no

próprio lugar, é a política emergente do envelhecimento que se centra na discussão e compreensão das mudanças que ocorrem no envelhecimento e no seu ambiente envolvente (Pynoos, Caraviello & Cícero, 2009). Segundo Greenfield (2011) refere-se à capacidade de permanecer em casa, independentemente das mudanças ocorridas ao longo do ciclo de vida, tais como o declínio na saúde ou a perda de rendimentos, pelo que a permanência da pessoa idosa no seu meio natural é a opção preferencial de vida

Atualmente a problemática do envelhecimento passa por assegurar a permanência dos idosos nas suas próprias casas e comunidades, sempre tendo em conta as capacidades funcionais, a qualidade objetiva e a adequação do ambiente residencial, assim como, o bem-estar subjetivo, de forma a adaptar as características do ambiente às necessidades e capacidades dos indivíduos mais velhos (Paúl, 2005a; Fernández-Ballesteros & Rodriguéz, 2004).

Wiles, Leibing, Guberman, Reeve e Allen (2011) destacam o trabalho de Lawton, no campo da gerontologia ambiental, reforçando a importância da interação entre a competência pessoal e o ambiente físico da casa nas pessoas idosas, revelando como a transformações em casa, a instalação de meios que ajudem na mobilidade ou a eliminação de obstáculos, podem ajudar na manutenção da independência. Contudo, há uma preocupação no que concerne à qualidade e à adequação da habitação, como por exemplo, se está ou não isolada, se está ou não aquecida, o tamanho da casa e o seu design (Wiles et al., 2011).

Fonseca, Gonçalves e Azevedo (2008) referem que o conceito de lugar em que se habita parece não se resumir apenas a uma morada, remetendo também para a relação que se estabelece entre a pessoa e o ambiente físico, pelo que o conjunto das interações quotidianas que acontecem nesse ambiente/lugar pode ser responsável pela conceção, do que alguns autores intitulam, de “vinculação ao lugar” (Speller, 2005; Fonseca, et al., 2008). A vinculação à casa ou a outros lugares de referência, do passado, presente ou futuro, representam um importante contributo na formação e preservação da identidade dos indivíduos (Speller, 2005). Além de se constituir também como um aspeto importante para a preservação da saúde física e do bem-estar psicológico dos indivíduos (Duarte & Paúl, 2006). Aliado a esta situação, acresce o facto de existir, nas pessoas idosas, uma diminuição das capacidades de adaptação, que as torna mais sensíveis ao meio ambiente que as rodeia (Martins, 2006).

A revisão de literatura no domínio refere que com o avançar da idade, é cada vez maior a fidelidade ao conceito e o interesse da pessoa idosa em permanecer na própria habitação, reafirmando o seu relevante papel na manutenção da independência funcional, da autonomia e da atividade social, sendo o cenário eleito para a prestação de serviços de apoio, pelo que os idosos preferem confrontar-se pessoalmente com os desafios do envelhecimento no seu domicílio (Martin, Santinha, Rito & Almeida, 2012). A dificuldade de envelhecer em casa verifica-se quando a independência e a autonomia declinam e surge a dependência dos idosos face a terceiros, nomeadamente, família, amigos e vizinhos.

Na sociedade portuguesa aquilo que, geralmente, se verifica é um individuo que está encarregue da prestação de cuidados aos filhos e, em simultâneo, aos pais envelhecidos. Porém, os indivíduos muitas vezes não se sentem capazes e/ou competentes para desempenhar corretamente o papel de cuidador, mesmo no contexto familiar, potencializando sentimentos de ansiedade e stress, que consequentemente conduz ao aumentado do potencial de conflito entre o cuidador e o idoso. A ansiedade/stress associada à prestação de cuidados é um elevado preditor de sobrecarga emocional, devido ao tempo extenso, à intensidade dos cuidados prestados e à necessidade de enfrentar mudanças no ciclo de vida e no estilo e vida. Estas mudanças acarretam condicionantes não só para o cuidador e o idoso, como também para todos os elementos do agregado do meio familiar (Faria & Bastos, 2010).

Efetivamente é possível permanecer na casa, contudo é importante ter consciência destes riscos e desafios associados à dependência dos idosos a envelhecer em casa dos cuidadores familiares. Nesta ótica, Golant (2015) refere a necessidade de definir estratégias de coping em casa, sendo que estas estratégias incluem além das modificações no ambiente físico e apoio de cuidados familiares, o apoio através de políticas públicas que auxiliem na comparticipação de ajudas financeiras, ou seja, subsídios para apoio interno através de políticas nacionais e locais, de forma a equilibrar a capacidade de cuidados domiciliários e comunitários com os cuidados institucionais.

Como forma de descrever o ajuste emocional que os indivíduos possuem com os seus ambientes, Golant (2015) introduz o conceito de "normalidade residencial"

(“residential normalcy”) que identifica duas grandes categorias de experiência emocional

com o meio ambiente, nomeadamente o conforto residencial e o domínio residencial. O conforto refere-se aos sentimentos que os indivíduos possuem sobre o meio ambiente, como por exemplo prazer, desagrado, incomodo, sentimentos memoráveis, etc. O domínio refere-se a sentimentos de competência e controle do indivíduo sobre o ambiente. Segundo o autor, pode-se sentir desconforto enquanto mantém o domínio. Pode-se exibir maestria ao sentir desconforto. A normalidade residencial é o “sweet spot” onde um indivíduo ocupa a sua zona de conforto e sua zona de domínio simultaneamente. É exatamente esse quadro que pode então ser usado para descrever os benefícios e os desafios associados aos diversos ambientes residenciais.

Ao propor a construção teórica da normalidade residencial, Golant (2015) engloba a compreensão do modelo pessoa/ambiente inicialmente apresentado através do trabalho pioneiro do Modelo Ecológico do Envelhecimento de Lawton e Nahemow, em 1973. O pressuposto básico do modelo ecológico é que as transações pessoa-ambiente ocorrem durante longos períodos de tempo (Greenfield, 2011). Refletindo esse aspeto, o modelo ecológico geral do envelhecimento reconhece que os indivíduos podem iniciar mudanças ambientais, como propositadamente alterar o seu ambiente para maximizar a congruência entre as próprias necessidades e as ofertas do meio ambiente. Assim, o modelo ecológico do envelhecimento identifica os vários atores de diferentes sistemas sociais que, potencialmente, compõem o ambiente social de um indivíduo, incluindo membros da família, vizinhos, empresários locais, gestores de habitação, saúde e serviços sociais.

Concluindo, efetivamente, o ambiente assume um papel preponderante no envelhecimento bem-sucedido apesar de que a continuidade ambiental não é um pré- requisito para o envelhecimento bem-sucedido (Golant, 2015). Para envelhecer de forma bem-sucedida na comunidade é importante a integração de medidas de cariz ambiental e a consideração de medidas de teor social, de que é exemplo a prestação de serviços diversificados no domicílio e redes de vizinhança, bem como medidas de carácter tecnológico que, reunidas, respondam às reais necessidades das populações mais vulneráveis (Martín, et. al., 2012). É necessário, ainda, definir e unificar este domínio de investigação, prática e política, através de quadros teóricos para identificar semelhanças e diferenças entre o envelhecimento da população (Greenfield, 2011).