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O movimento musical da Paraíba na primeira metade do século

O forte movimento musical consolidado na Paraíba, que ficou nacionalmente conhecido, se deu de fato a partir dos anos de 1980. No entanto, houve antes da concretização desse período, importantes referenciais para a música no Estado que, por diferentes perspectivas, conduziram um processo rico e diversificado de promoção, difusão, vivência e formação musical nesse universo.

A diversidade musical do Estado e seu reconhecimento nacional

Na primeira metade do século. XX, a Paraíba começava a se destacar no cenário

musical brasileiro. Uma das personalidades marcantes que contribuiram para esse reconhecimento, principalmente no que se refere à cidade de João Pessoa, foi Gazzi de Sá. Com um trabalho desenvolvido com os estudantes da Capital, principalmente do Lyceu Paraibano7, revelou-se importantíssimo para o desenvolvimento da cultura musical na cidade. Segundo Domingos de Azevedo: “Gazzi de Sá abriu caminho, preparou o terreno, mobilizando a opinião pública, ensejando pronunciamentos e sensibilizando vocações e valores” (AZEVEDO, 1977, p.14).

Até então, o movimento musical da cidade estava dependente de artistas vindo de outros estados, principalmente do Rio de Janeiro, contatados por Gazzi de Sá. Em 1929 Gazzi

7 Licey Paraibano-fundado em 1745 pelo sacerdote italiano Gabriel Malagrida, que padeceria nos cárceres da

Inquisição em Lisboa. Esse estabelecimento, mantido pela Companhia de Jesus, funcionava como seminário que, dotado de aulas de latim e humanidades, funcionou como primeiro estabelecimento geral de ensino (Mello, 1956)

fundou a Escola de Piano Soares de Sá. Foi responsável também pela fundação da escola de música Anthenor Navarro, que passou a ser o principal fórum do ensino na Paraíba, irradiando música, de forma intensa, pelos diversos recantos da capital. A escola foi o ponto de partida para o pólo musical instrumental que se estabeleceu na Paraíba, a partir da década de 1950.

Um dos pontos fortes no ensino e do desenvolvimento da música na Paraíba foi a implantação do Canto Orfeônico nas Escolas Públicas em 26 de abril de 1932, porém só oficializado no governo do interventor Gratuliano de Brito, através do decreto 948, de 12 de março de 1934. Assim, o canto orfeônico passou a ser ministrado no estado, sendo o professor Gazzi de Sá o grande responsável por esse ensino. Ao tomar conhecimento do trabalho desenvolvido com o canto coral, com a música instrumental e com o ensino da música nas escolas públicas, Villa-Lobos - mentor da implantação do Canto Orfeônico no Brasil, ao ser designado para chefiar e organizar a primeira Missão Artística Nacional - escolhe a Paraíba como uma das sedes, entre quatro estados selecionados dentro da região Norte - Nordeste. A missão tinha como objetivo proferir conferências “cívico-artístico-musicais”, além de apresentações de canto com profissionais de reconhecimento nacional.

Voltando ao Rio de Janeiro, Villa-Lobos no seu relatório escreveu:

Tenho a satisfação de aqui transmitir as impressões que colhi no desempenho do honroso encargo que V. Excia. me confiou na EXCURSÃO ARTÍSTICA a quatro estados do Norte do Brasil. Sobre João Pessoa posso dizer: público e elite em boa formação, bem capazes de se tornarem o ideal público das artes nos estados do Brasil. Não encontrei elementos vocacionais aproveitáveis para instrumentos de sopro. Essa cidade é felicíssima em possuir um chefe de governo com perfeita inclinação e compreensão artística, interessando-se vivamente pelos problemas educacionais da Arte, sobretudo pela musicalização da juventude paraibana. Seria de grande alcance, para a consolidação da propaganda de Arte Brasileira, nos estados do Norte, se o ministério da Educação e Saúde divulgasse por todo o Brasil o exemplo daquele ilustre governador que prestigia com amor e convicção as honestas realizações de arte que transitam pelo Estado da Paraíba do Norte, novembro de 1952, sendo governador do estado o ministro José Américo de Almeida (AZEVEDO, 1977, p. 62).

Para se ter uma maior compreensão da importância do prof. Gazzi de Sá no cenário musical brasileiro como também do conceito do movimento musical paraibano na primeira metade do século XX, reproduziremos uma carta do maestro Villa-Lobos encaminhada a Gazzi de Sá.

FIGURA 06 – Carta de Villa-Lobos a Gazzi de Sá Fonte: Azevedo, 1977, p. 56.

Gazzi de Sá era amante do Canto Coral. Em abril de 1937, fundou o Coral Villa- Lobos, grupo destinado a difundir e desenvolver o canto no estado. Este grupo teve participação decisiva na vida musical da Paraíba. Com a criação do Coral Villa-Lobos, Gazzi de Sá sentiu a necessidade de trazer para João Pessoa músicos de qualidade técnica e de renome nacional e internacional, para realização de concertos na Capital. Inicialmente realizaram concertos em João Pessoa,Guiomar Novais - considerada a maior expressão como pianista na America do Sul - e o violonista André Segóvia, célebre no mundo violonístico.

A seguir, a fim de ilustrar o movimento musical consolidado em João Pessoa no final dos anos de 1920 e início dos anos de 1930, apresentamos programas dos primeiros concertos realizados na cidade de João Pessoa neste período: Em 06 de Outubro de 1929 foi realizado no Salão Nobre da Escola Normal “Audição de Piano dos alunos de Santinha8 e de Gazzi de Sá”.

8 Santinha de Sá - esposa de Gazzi de Sá

FIGURA 07 - Audição de Piano dos alunos da PRF. Santinha de Sá e Gazzi de Sá Fonte: Azevedo, 1947, p. 42.

No dia 02 de março de 1937 aconteceu o primeiro concerto cultural, tendo como atração a pianista Guiomar Novais. No programa, Villa-Lobos escreve: “Nem por mais tempo se poderia retardar a verdadeira interpretação do papel da música na formação das gerações novas e da necessidade inadiável do alevantamento do nível artístico do nosso povo” (AZEVEDO, 1977, p. 47).

FIGURA 08 - Primeiro concerto Cultural (Pianista convidada: Guiomar Novais) Fonte: Azevedo, 1977, p. 47.

No dia 23 de novembro de 1938, às 20h30, no Theatro Rex, apresentou-se a cantora lírica Bidú Sayão. Esse concerto foi dedicado ao governador, Argemiro de Figueiredo, e ao prefeito da Capital, Osvaldo Trigueiro. Os acompanhamentos de piano foram realizados pelo maestro Werther Politano.

FIGURA 09 - Concerto com a cantora lírica BIDÚ SAIÃO Fonte: Azevedo, 1974, p. 72.

Numa quarta-feira, dia 20 de Outubro de 1937, no Cine Rex, às 19h30, aconteceu o “FESTIVAL DE ARTES” com a participação do Coral Villa-Lobos e Orquestra, sob a regência do professor Gazzi de Sá. Esse concerto foi importante e registrou a participação de uma orquestra arregimentada pelo maestro. Para esse concerto, a orquestra era composta por: três primeiros violinos, quatro segundos violinos, um violoncelo, dois contrabaixos; uma flauta; um flautim, um oboé; um clarinete9, um trompete; um trombone; uma tuba; um saxofone e um par de tímpanos.

9 Clarinete- o clarinetista nesse concerto era Severino Araújo, que mais tarde criou a orquestra Tabajara, hoje

FIGURA 10 - Apresentação do Coral Villa -Lobos e Orquestra Fonte: Azevedo, 1974, p. 74.

A partir dessa série de recitais, fica evidente que João Pessoa já era um cenário propício para um desenvolvimento musical consistente, possuindo um público que apreciava música de concerto e músicos que, mesmo os não profissionais, almejavam uma formação e uma prática consistente.