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O MOVIMENTO PENDULAR OU O BECKETT MINIMALISTA

No documento Poética da penúria: a ator beckettiano (páginas 67-71)

CAPÍTULO II. BECKETT: O DRAMATURGO DOS SILÊNCIOS

2.6 O MOVIMENTO PENDULAR OU O BECKETT MINIMALISTA

o primeiro pesquisador a formular a “teoria sobre os pêndulos”. Em 1583, ao comparar as oscilações de um lustre pendurado no teto da catedral de Pisa, na Itália, com as batidas de seu coração, Galileu afirmou que o tempo para completar o movimento do lustre é sempre o mesmo e independe da distância percorrida pelo pêndulo. Ao ser afastado de sua posição de equilíbrio, oscila sob a ação da gravidade, graças ao movimento de rotação da terra. É o peso, da ação gravitacional exercida pela Terra, que é a força motriz ou geradora do movimento pendular. O pêndulo determina o ritmo da marcha dos ponteiros de um relógio e a duração dos vaivéns de cada movimento não depende da sua amplitude, e sim, de seu comprimento20.

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Galileu Galilei (1564 – 1642) foi assíduo defensor da doutrina copérnica, que consistia em afirmações sobre o movimento da Terra e a estabilidade do sol. Depois de aperfeiçoar a luneta, descobriu manchas solares e afirmou que a Terra era redonda. Por esse motivo, foi fortemente atacado pela igreja e por teólogos, sendo julgado e condenado, em 1633, o que lhe valeu prisão domiciliar até o fim de seus dias. Mesmo recluso, continuou com seus experimentos sobre a gravidade e a queda livre dos corpos. Permaneceu em silêncio por sete anos e faleceu em 1642. Passou sua vida a indagar, a pesquisar, a descobrir e a certificar, através dos recursos da experiência, a verdade e as leis

Na música, conforme afirma Silvio Ferraz, uma sequência de repetições melódicas, regulares ou não, faz o tempo assegurar o passado pela repetição de seus elementos e reservar ao presente a espera de uma nova repetição no futuro. É a constante reinvenção do modelo melódico original que desestabiliza o equilíbrio do discurso, colocando-o em movimento (FERRAZ, 1998, pp. 29-30). O jogo de equilíbrio e desequilíbrio, presente em grande parte das configurações melódicas conhecidas, pode ser também comparado a um movimento pendular. E como no pêndulo, há um ponto de partida - uma nota - da qual a melodia se afasta para depois retornar, também no movimento resultante das forças centrífuga − força que se afasta ou procura desviar-se de um centro − e centrípeta − força que se aproxima ou procura dirigir-se a um centro.

Assim como ocorre no pêndulo, existe um desenho melódico devido às forças de afastamento e retorno à ação, seja no movimento ou no repouso. Afinal, são forças dinâmicas ou estáticas que delineiam o movimento ou a forma estacionária da melodia. Quando repetido, o modelo dinâmico pendular pode adquirir novas características ligadas à intensidade. Algumas melodias podem chegar a comportar um grau de repetição exaustivo, onde um mesmo elemento é infinitamente repetido, praticamente sem nenhuma variação; “um choro interminável”, por exemplo, ou um fruir prolongado. No caso do choro, a curva melódica espelha o movimento. A melodia é infinita, pois o possível fim da frase coincide com o seu reinício e o movimento pendular é uniforme. Não vem ao caso se a melodia resulta monótona, pois o que importa é que sua “curva” seja infinita e que não busque uma conclusão. Ela se torna uma máquina de movimento infinito, sem finalização plausível a não ser a sua interrupção.

A mesma sensação é produzida pela maioria dos textos de Beckett. Falar em música dentro da obra de Beckett é também pensar no ritmo de suas frases. A divisão métrica é incerta e não é possível subjugar a complexidade melódica a uma estrutura de compassos. A repetição métrica está antes no pulso constante e sempre marcado. Sobre este pulso, diversas inflexões são possíveis, podendo corresponder, a cada novo acento, um tempo forte de um compasso qualquer. Em muitos casos não existe uma estrutura rítmica repetitiva e sim um pulso que se repete diferenciado por novas intensidades. Como ressalta Silvio Ferraz, a repetição é afirmação. Ela atualiza o modelo original em novo modelo;

da física. Foi referência aos descobridores da natureza e um dos responsáveis pela revolução científica do séc. XVII.

é repetição de repetições (FERRAZ, 1998, p.66). E as palavras reduzem a importância de seu significado semântico, para ganhar em significado sonoro, musical.

Na maioria das vezes em que Beckett assumiu a direção teatral de algum de seus textos, foi feito um forte trabalho de convencimento junto aos atores, no sentido de proferirem suas falas de forma monocórdia. Ou seja: o texto dito a uma mesma altura, sem variações melódicas. Foi assim com Billie Whitelaw, em Footfalls, ou com Jessica Tandy, em

Not I. Estando em outra posição, o trabalho de Beckett se resumia a

instruir os diretores a descobrirem a monocordia implícita nas frases ditas pelos atores. É possível notar essa evidência em Berceuse (Rockaby, no original), de 1986, com Pierre Chabert, dirigindo Catherine Sellers ou na montagem nova-iorquina de Play, em 1977, com Sloane Shelton (M¹), Suzanne Costallos (M²) e Donald Davis (H), sob a direção de Alan Schneider. Depois de testadas, essas informações passavam a fazer parte das rubricas da peça.

Beckett também expressava sua preocupação com o movimento através das palavras. Revelava sua fascinação com a forma e o balanço das frases. Nas estruturas de suas peças, seus princípios de organização baseavam-se na pulsação e no balanço que eram expostos em pequenas unidades. Nas peças teatrais em que suas personagens atuam em duplas (En Attendant Godot, Fin de Partie, Happy Days e Rough for Theatre I), o jogo de perguntas e respostas mantém acesa a chama do diálogo, mesmo que intercalado por silêncios. A cada retomada das falas, solidifica-se a ideia de uma estrutura pendular, interminável, reforçando ainda mais suas características minimalistas.

Como já fora observado, as características encontradas na dramaturgia de Beckett aproximam o autor da arte minimalista. Da mesma forma, é importante frisar que o fenômeno pendular na música não significa, necessariamente, uma estrutura minimalista. A abrangência é maior neste caso. Talvez fosse mais correto afirmar que a estrutura de afastamento e aproximação de uma frase melódica coincida com a estrutura da música minimalista e, consequentemente, com uma possível partitura musical beckettiana. Esta teoria ganha força ao percebermos a estrutura de composições de Philip Glass, Morton Feldman, Michel Nyman e outros tantos que criaram suas obras baseadas em textos do dramaturgo irlandês.

CAPÍTULO III. O TEATRO DE BECKETT: ATUADORES CONSAGRADOS

3.1 O OLHAR DE JONATHAN KALB SOBRE O ATOR

No documento Poética da penúria: a ator beckettiano (páginas 67-71)