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O Multiculturalismo e Interculturalidade como Prática Contra-hegemônica de Direitos

1 A REPRODUÇÃO DO PENSAMENTO COLONIAL: O SISTEMA DE PROTEÇÃO

2.2 Multiculturalismo (s): Entre Ignorâncias e Saberes

2.2.2 Multiculturalismo e Pluralismo Jurídico: A Concepção Pós-colonialista de Direitos

2.2.2.1 O Multiculturalismo e Interculturalidade como Prática Contra-hegemônica de Direitos

Sob este ponto de vista, necessário se faz uma analise do multiculturalismo que transceda a concepção de multiculturalismo como fenômeno, sendo esta concepção a análise de culturas, etnias e raças convivendo no mesmo tempo e espaço. A análise a ser feita, diz respeito ao multiculturalismo como “as formas possíveis de articular esta pluralidade cultural na multidão de âmbitos nos quais este fenômeno produz conflitos nas sociedades democráticas contemporâneas.” 177

De acordo com o pensamento crítico do multiculturalismo, o capitalismo se tornou o grande precursor dos direitos humanos internacionais, manipulando-o ao longo das décadas, de acordo com as conveniências econômicas e geopolíticas. Diversas violações de direitos humanos não foram devidamente investigadas e punidas pelos instrumentos internacionais de proteção de direitos humanos por falta ou por interesses econômicos.

No entanto, o fenômeno da globalização que proporcionou o maior contato entre as culturas acarretou em mudanças nos valores que dizem respeito à diferença e identidade. Assim, “em décadas recentes têm surgido novos agentes sociais e políticos, e se têm revalorizado o papel de outros agentes: povos indígenas, grupos de imigrantes, movimentos ecológicos, de gênero, de homossexuais [...]” 178

Em resposta ao poder hegemônico e por meio de diversas lutas em defesa de minorias, sejam elas étnicas, raciais e sociais foram desenvolvidas diversas práticas contra-hegemònicas de defesa de direitos humanos, por meio do que Boaventura denominou de diálogo intercultural de direitos humanos. Nesse sentido, busca-se por meio de discursos e instrumentos anti-capitalistas, a promoção dos diversos entendimentos entre os povos sobre

177

RIDRIGUEZ, Ángel Rivero. Critica Del Libro. El Multiculturalismo e la Política de Reconocimiento. p.203. Dispinível em: file:///D:/Meus%20Documentos/Downloads/221-221-1-PB%20(1).pdf.Acesso em 20/01/2015. “ A su vez, el multiculturalismo como problema hace referencia a las formas posibles de articular esa pluralidad cultural en la multitud de âmbitos en los que este fenómeno produce conflictos en las sociedades democráticas contemporáneas.” (Tradução Nossa)

178

OLIVÉ, Leon. Los Retos de Las Sociedades Multiculturales: Interculturalismo y Pluralismo. Cuadernos Inter c.c.mbio, Año 8, n.9, 207-227, p.209

dignidade humana ao reconhecimentos global, em detrimento dos localismos globalizados propostos pelos direitos humanos tradicionais.

O multiculturalismo nesta proposta emancipadora se torna instrumento essencial diante da dificuldade da estrutura tradicional de direitos humanos em atender a pluralidade de demandas sociais da contemporaneidade. Afirma Antônio Carlo Wolkmer sobre o multiculturalismo que “abre-se a discussão para a consciente busca de alternativas capazes de desencadear diretrizes, práticas e regulações voltadas para o reconhecimento à diferença de uma vida com maior identidade, autonomia e dignidade.” 179

Partindo-se desse entendimento, o multiculturalismo emancipatório pressupõe a coexistência entre culturas diferentes, sejam elas majoritárias ou minoritárias, onde o reconhecimento dos direitos à diversidade prevalece em face da homogeinização, ocorrendo ainda um diálogo intercultural que promove o desenvolvimento social.

O multiculturalismo tradicional assenta-se na idéia de reconhecimento das diferenças, mas sem abrir mão da prevalência da cultura eurocêntrica sobre as demais. Foram construídos pelos valores ocidentais liberais a idéia de que seus princípios constituem no maior desenvolvimento do pensamento humano, seja na área econômica, cultural ou social, e, portanto, seus valores devem ser universalmente reconhecidos. Nesse sentido, o multiculturalismo conservador reconhece que outras culturas podem acrescentar algo à cultura ocidental, mas a cultura ocidental possui preeminência por estar alicerçada nos direitos humanos universais. 180

A crítica do multiculturalismo emancipatório ao multiculturalismo conservador assenta-se ainda no fato que este último não reconhece que sua cultura está também assentada em particularismos, reconhecendo somente os particularismos de outras culturas, as quais devem ser reconhecidos. Isso é para esta corrente um grande empecilho para concretização de direitos humanos, pois cada sociedade pressupõe que sua cultura seja mais completa que as demais, fato que é normal tendo em vista a pluralidade cultural. Por isso, “aumentar a consciência de incompletude cultural até seu máximo possível é uma das tarefas mais cruciais para construção de uma concepção multicultural de direitos humanos.” 181

Em sentido oposto ao multiculturalismo liberal, a interculturalidade assenta-se em uma política de igualdade, no sentido que todos devem ter acesso a uma vida digna através de uma

179 WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo Jurídico, Direitos Humanos e Interculturalidade. Revista Sequência, n° 53, p.113-128. Dez.2006. p.117.

180 SANTOS, Boaventura de Sousa. Dilemas de Nosso Tempo: globalização, multiculturalismo e conhecimento. (entrevista com Boaventura de Sousa Santos). Currículo Sem Fronteiras. V.3, n.2, p.5-23. Jul/2003.

redistribuição de renda que supra todas as necessidades da população de maneira igualitária. Por outro lado, tendo em vista que as políticas de igualdade não atendem demandas de reconhecimento de minorias, sejam elas raciais, étnicas ou sexuais, as quais sofrem discriminações diversas face às maiorias. O multiculturalismo emancipatório ou concepção intercultural de direitos humanos traz consigo, além de uma política igualitária, uma política de reconhecimento das diferenças. 182

Direitos humanos que produzam efetiva proteção devem, desta maneira, estar fundamentados em um multiculturalismo que reconhece a incompletude das diversas culturas, estabelecendo-se uma relação de reciprocidade na absorção dos diversos conceitos de dignidade humana. Segundo Boaventura de Souza Santos 183:

[...] estas são premissas de um diálogo intercultural sobre a dignidade humana que pode levar, eventualmente, a uma concepção mestiça de direitos humanos, uma concepção que, em vez de recorrer a falsos universalismos, se organiza como uma constelação de sentidos locais, mutuamente inteligíveis, e se constitui em redes de referências normativas capacitantes.

Para os teóricos do multiculturalismo contra-hegemônico, necessário se faz o tratamento diferenciado das minorias e dos países colonizados para que a discriminação e menosprezo cultural histórico sejam amenizados. Ao invés de um universalismo homogeneizante, o diálogo intercultural deve ser experimentado, considerando e aprendendo por meio das diversidades. Da mesma maneira, os valores liberais tidos como absolutos devem ser revisitados tendo em vista a multiplicidade de valores individuais e coletivos dos povos.

2.2.2.2 Pluralismo Jurídico: Um Diálogo Necessário para Concretização de Direitos