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6 O SILENCIAMENTO NO DISCURSO EXPOGRÁFICO: REFLEXÕES DE UMA

6.2 O (não) dito na exposição de longa-duração do Museu Imperial

Os museus se caracterizam dentre as mais antigas e reconhecidas instituições do campo da cultura e do patrimônio e atuam diretamente na construção da memória coletiva.

Longe de ver nessa memória coletiva uma imposição, uma forma específica de dominação ou violência simbólica, acentua as funções positivas desempenhadas pela memória comum, a saber, de reforçar a coesão social, não pela coerção, mas pela adesão afetiva ao grupo, donde o termo que utiliza, de "comunidade afetiva". (HALBWACHS, apud POLLAK, 1989.)

Halbwachs insinua a seletividade da memória em um processo de conciliação entre memória coletiva e memórias individuais. No âmbito da memória, assim como aponta Le Goff (1984), é notável que essa possa servir tanto para a dominação e

domesticação dos homens quanto para a sua libertação. Partindo desse pressuposto, é necessário que haja uma análise crítica de seu uso nos denominados lugares de memória, segundo Pierre Nora (1993). A materialização do invisível, nesses determinados espaços, é apresentada, na dicotomia memória x esquecimento e na rememoração, como suporte para a criação da chamada “memória coletiva”.

O conceito de fidedignidade, enquanto sinônimo de veracidade, é pautado na análise dos museus históricos, uma vez que se parte de um pressuposto que aquilo que é apresentado nas exposições é verossímil. Contudo, o rearranjo de informações e as ocultações, em especial de figuras sociais são realizadas a ponto de servirem a interesses específicos.

O discurso produzido nos museus, como previamente enfatizado, não é neutro e, assim como Chartier (1987) assinala, as percepções do social também não são discursos neutros. Chartier aponta que as lutas de representações têm tanta importância como as lutas econômicas para compreender os mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta impor, a sua concepção de mundo social, seus valores e seus domínios. O uso dos lugares de memória por parte da sociedade nos exprime o receio do esvaimento e a necessidade, cada vez mais constante, dos artifícios de memória. "Menos a memória é vivida do interior, mais ela tem necessidade de suportes exteriores e de referências tangíveis de uma existência que só vive através delas” (NORA, 1993, p.12).

Toda instituição museal apresenta um determinado discurso sobre a realidade. Este discurso, como é natural, não é natural e compõe-se de som e silêncio, de cheio e de vazio, de presença e de ausência, de lembrança e de esquecimento (CHAGAS, 2006, p.30).

O apontamento de Chagas faz alusão ao cerne de um dos pontos que mais questionamos na construção dessa pesquisa. Ao decidir o que é dito, escolhemos também o “não dito” e esse vazio acompanha uma ideologia a que nos caberá sempre questionar ao quê ou a quem caberá a exclusão.

Toda exposição é uma violência topográfica, uma vez que a prática comum aos museus é espetacularizar o objeto, extirpando seu valor de uso sem considerar a sua outra posição, ou seja, sua historicidade. Cada objeto apresenta uma experiência vivida na relação com os homens, uma vez que

eles próprios podem ser extensões do corpo. Mas a operação museológica rouba pedaços do mundo, prende-os nas vitrines e deixa-os morrer, para prometer-lhes vida eterna nos templos do chamado patrimônio histórico. (RAMOS, 2004, p. 137).

Scheiner (2008) aponta o que pode ser denominado como “liberdade de experiência”, uma vez que a apreensão das exposições museológicas se dá através dos sentidos. Sabemos, certamente, que narrativas não são imparciais, e a histórica nem tampouco se afasta da parcialidade. A solução apresentada pela autora para o conflito seria os instrumentos de mediação, o que, como já apontado, não é ofertado à totalidade dos visitantes no Museu Imperial.

Torna-se cada vez mais claro como mecanismos informacionais, nesse caso utilizado no Museu Imperial, servem para reforçar, rasurar, combater ou fabricar determinados discursos como, em nossa análise, a biografia de D. Pedro II.

A análise crítica dos processos sociais (...) conduz à construção da noção de trajetória como série de posições ocupadas por um mesmo agente (ou um mesmo grupo) em um espaço ele mesmo em devir e submetido a incessantes transformações. Tentar compreender uma vida como uma série única e suficiente em si mesma de eventos sucessivos sem outra ligação que a associação a um “sujeito” cuja constância é apenas aquela de um nome próprio é quase tão absurdo quanto tentar explicar um trajeto no metrô sem levar em conta a estrutura da rede, ou seja, a matriz das relações objetivas entre as diferentes estações. Os acontecimentos biográficos definem-se antes como alocações e como deslocamentos no espaço sócia, isto é, mais precisamente, nos diferentes tipos de capital que estão em jogo no campo considerado. (BOURDIEU, 1996, p.81)

Desde sua concepção, o MI não buscou apresentar uma reconstrução de um período histórico, e sim a exaltação aos elementos monárquicos que servissem a um ideal proposto. “O Museu Imperial não é o museu do cotidiano; ele celebra o Império e sua etiqueta. Procura ser uma amostra do que havia de ‘melhor’ no país, conforme a moda daquele tempo” (SANTOS, 2006, p. 98). A narrativa expográfica fazia, e faz até os dias de hoje, uma apologia a um período da história do Brasil e a um suposto modo de vida de uma determinada parcela da sociedade. Nessa construção, outros personagens da “história da vida privada” foram ocultados, incluindo aqueles que fizeram parte do cotidiano dos monarcas, como as pessoas escravizadas27.

27 Cabe ressaltar que a exposição de longa duração passa por diversas modificações ao longo dos anos. Quando o projeto dessa dissertação foi apresentado à Comissão do PPGCI, ainda havia uma

Bourdieu (1996) propõe subverter a lógica imposta da apresentação oficial e encarar os fatos por meio de vestígios. Entretanto, o MI não buscou apresentar uma biografia do antigo proprietário da casa, D. Pedro II, por meio de vestígios, nem tampouco a reconstituição da casa histórica. Adaptamos a análise ao caso aqui pautado no acervo museológico, para reconstrução ampla do caráter social.