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Capítulo III – CONQUISTADOR, DESBRAVADOR E HERÓI

3.1 O Núcleo de Especiais

O Núcleo de Especiais surgiu no final dos anos de 1990, tendo o horário das 12h20 aos sábados para a exibição de suas produções ficcionais e de documentários. A sua primeira produção foi a série de documentários Os 20

gaúchos que marcaram o século XX, onde foram retratadas as 20 maiores

personalidades do Estado sul-rio-grandense. Segundo Alice Urbim (2007, p. 48), gerente de produção da RBS TV, o Núcleo de Especiais já surgiu com o intuito de fomentar a regionalização da produção, valorizando e difundindo as expressões culturais do Estado.

Em seguida, o Núcleo passou a exibir os Curtas gaúchos, a partir da seleção das melhores produções realizadas no Rio Grande do Sul entre os anos de 1989 a 1990, e tendo como estreia o premiado Ilha das Flores (1989) de Jorge Furtado. Segundo o diretor do Núcleo de Especiais, Gilberto Perin (2009, p. 21), no ano de 2001 o Núcleo de Especiais lançou a série Mundo grande do sul que abordou as histórias das etnias que formaram o Estado. Além disso, foi lançado também o

lendas do imaginário gaúcho numa mistura de reconstituição e não-ficção; o Contos

de inverno, dramaturgia escrita para a RBS TV, numa parceria com a Casa de

Cinema de Porto Alegre e o Histórias curtas em que as produções resultam de um concurso público patrocinado pela emissora para a produção de oito curtas anuais.

O diretor ainda destaca que algumas dessas produções são feitas inteiramente pelo Núcleo dentro da RBS TV. Há a possibilidade de uma outra produtora apresentar um projeto ou ser convidada pelo Núcleo de Especiais, sendo que nesse caso a RBS TV financia a produção que é gerida pela empresa que vai realizar o trabalho. Outra maneira de apresentar a produção regional nesse espaço é através da compra dos direitos de exibição dos filmes realizados pelas produtoras no Rio Grande do Sul. Perin (2009, p. 22) salienta que todas as produções que vão ao ar estão vinculadas diretamente ao Núcleo de Especiais, tanto na questão artística como nos aspectos de produção, sendo que, a partir dessa gestão, é possível preservar a qualidade técnica e o aprimoramento artístico dos conteúdos que são exibidos.

Os documentários veiculados na RBS TV se propõem a fazer conexão entre a história gaúcha recente e suas raízes culturais, buscando sempre uma linguagem criativa e comunicativa, como destaca Alice Urbim. Para a gerente de produção, as histórias curtas de sábado, como o público chama todos os episódios,11 fazem parte da vida do gaúcho.

O Trensurb passa os especiais da RBS TV como sessão de cinema para os funcionários. No Memorial do Rio Grande do Sul, a história do Rio Grande está guardada viva no arquivo para pesquisa. Nas escolas, crianças e adolescentes aprendem quem são os heróis, escritores e os anônimos que fazem e fizeram a história do Rio Grande a partir dos programas produzidos pelo Núcleo (URBIM, 2009, p. 29).

Essa passagem reforça o que propomos como hipótese a respeito da utilização do mito do “gaúcho” como projeto de memória que o Grupo RBS mantém para o Estado sul-rio-grandense. Sendo que a própria emissora acaba por se intitular como responsável em produzir documentos audiovisuais que contam a

11 Atualmente a emissora renomeou o espaço da grade de exibição das produções do Núcleo de

Especiais como Curtas Gaúchos. Segundo Raul Costa Jr. (2009, p. 37), o Curtas Gaúchos é um programa que nasceu da necessidade, pois sem produção suficiente para atender a demanda de um programa semanal, buscou-se fora, no mercado, curtas prontos. A audiência foi um sucesso absoluto e a improvisação necessária virou um produto necessário.

história do Rio Grande do Sul. No entanto, essas histórias deixam muitos personagens de fora, como podemos ver no caso da série A Conquista do Oeste, que, ao abordar a origem do Estado e a constituição do gaúcho, exclui o negro, que não é citado e nem ao menos lembrado como etnia explorada no período das Charqueadas, ou ainda, não é mencionado como grupo que contribuiu na Guerra dos Farrapos, formando o conhecido pelotão dos Lanceiros Negros. Ao contrário, a série mostra apenas a figura do “o gaúcho” associada a uma população branca, advinda dos emigrantes europeus, sendo que, paradoxalmente, o ideal do gaúcho que buscam representar e construir como identidade provem da Campanha, na qual, inclusive, a mistura de etnias é enorme justamente por ser uma região de fronteira.

No entanto, o que mais chama a atenção é que nessa ressignificação na série de documentários, o discurso desse gaúcho altaneiro provém dos próprios filhos e netos dos emigrantes que se instalaram nas regiões da serra, norte e noroeste do Estado sul-rio-grandense e que saem dessas regiões para buscar novas oportunidades em outros lugares, já que essas regiões do Rio Grande do Sul não oferecem a qualidade de vida que eles almejam. A série de documentários A

Conquista do Oeste, é o exemplo disso, ao ilustrar esse discurso identitário

ressignificado que os migrantes constroem nos espaços onde se fixaram. Em decorrência disso, a análise percorrerá os 13 episódios na busca de compreender como é construída essa identidade, que se consolida a partir de um dado projeto de memória que se baseia na mitificação da figura do gaúcho.

Isso nos leva a identificar que os traços culturais que são mais enfatizados nesse produto midiático para a figuração desse “gaúcho”, são os elementos pertencentes da cultura tradicional gauchesca difundida pelo movimento tradicionalista, resultado de uma construção de memória e de identidade gaúcha que opera a partir da mutação do “gaúcho migrante estranho” para o “gaúcho migrante amigo”, que se relacionam às três ideias-imagens: Conquistador, Desbravador e Herói como será demonstrado a seguir.

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