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O NATIVISMO OU MOVIMENTO NATIVISTA GAÚCHO

CAPÍTULO 2 TRADICIONALISMO E NATIVISMO

2.2 O NATIVISMO OU MOVIMENTO NATIVISTA GAÚCHO

por Anthony Wallace no seu estudo publicado na revista American Antrhopologist (Vol. 58: 1956) como um movimento de revitalização. Nesse artigo Wallace define o conceito de revitalização como: “um esforço deliberado, organizado e consciente dos membros de uma sociedade para construir uma cultura mais satisfatória”3. A revitalização

é, então, um tipo especial do fenômeno de mudança cultural, pois é inovadora e gera um novo sistema de relações e características culturais na sociedade onde acontece. Ou autor cita Linton dizendo que: “‘Movimentos nativistas’, por exemplo, são movimentos de revitalização caracterizados por uma forte ênfase na eliminação de pessoas, costumes, valores, e/ou materiais estrangeiros...” (LINTON: 1943)4. É por esse motivo que Wallace coloca o nativismo dentro dos movimentos de revitalização, pois encontra vários movimentos que se utilizam da caracterização esboçada por Linton. A formulação de Wallace torna-se importante para esta pesquisa já que ele observa o nativismo através do conceito de revitalização como se fosse um tipo de transformação cultural, e em certa medida seria o que acontece com o nativismo gaúcho. Segundo Marshall Sahlins, o conceito de Nativismo já era expresso por Linton em 1943, assim os movimentos nativistas são um dos itens na pauta antropológica há mais de cinquenta anos (SAHLINS, 1997:134). No seu texto O pessimismo sentimental e a experiência etnográfica o autor observa a definição de Nativismo expressada por Linton: “qualquer tentativa consciente e organizada, por parte dos membros de uma sociedade, de reavivar ou perpetuar aspectos selecionados da sua cultura” (LINTON, 1943:220).

ideias da escola sociológica de Chicago para elaborar a tese-matriz do tradicionalismo gaúcho.

3 Tradução deste artigo disponível em:

http://missao.info/wpcontent/uploads/2007/11/wallace.pdf 4Ver:

http://www.jstor.org/discover/10.2307/663272?uid=3737664&uid=2&uid=4& sid=21102915585493

O Nativismo existe hoje como uma das correntes ideológicas dentro da cultura gaúcha e segundo alguns autores e intelectuais do gauchismo, poderia se caracterizar como movimento artístico e social. Para identificá-lo devemos observar os processos históricos, sociais e culturais que marcaram sua conformação até a atualidade. A primeira menção do termo “nativista” no contexto do gauchismo brasileiro aparece na Carta de Princípios do MTG de 1961, aprovada na edição do VIII Congresso Tradicionalista (SANTI, 2004:49), ainda vigente. No texto lê-se o seguinte parágrafo: “XIX - Influir na literatura, artes clássicas e populares e outras formas de expressão espiritual de nossa gente, no sentido de que se voltem para os temas nativistas.” (SARAIVA, 1961)5. Independente das formulações teóricas, o

movimento nativista surge no seio do tradicionalismo.

Na década de 70, a iniciativa de uma rádio de Uruguaiana de organizar o 1º Festival da Canção Popular de Fronteira deu impulso para trazer à região um formato muito similar ao dos festivais do Rio de Janeiro. Este evento de caráter eclético permitia todos os gêneros, dentre os quais a música regional gaúcha faria parte. Os compositores Júlio Machado e Colmar Duarte Dois competiram com uma milonga que tinha esse marcado caráter musical, e que foi desclassificada. Depois desta situação Duarte e Machado idealizaram um festival onde fossem aceitas somente canções gaúchas. Ainda nesse ano (e com a mesma milonga) ganharam o 1º Festival Artístico-Cultural Tradicionalista, organizado pelo CTG Poncho Verde (SANTI, 2004:54). No ano seguinte, Duarte seria eleito presidente do CTG Sinuelo do Pago e levaria a cabo, com a ajuda da diretoria, o projeto de organizar o festival só com músicas gaúchas. Assim nasceria a 1ª Califórnia da Canção Nativa, nome aprovado por unanimidade pela diretoria do CTG. O termo Califórnia “[...] vem do grego e significa ‘conjunto de coisas belas’”, de acordo com o escrito na contracapa do disco do festival6.

A 1ª Califórnia da Canção Nativa teve um sucesso de público muito grande, mas o resultado do festival foi muito contestado pelos compositores participantes. Há relatos que mostram a desconformidade dos tradicionalistas com a escolha da canção ganhadora, dizendo que esta era um samba canção e que não era música gaúcha. Neste relato,

5 Elaborado por Glaucus Saraiva em 1961 no VII Congresso Tradicionalista Gaúcho. Disponível em:

http://ideiailtda.com.br/clientes/mtg/pag_cartadeprincipios.php

6 LP da 1ª Califórnia da Canção Nativa do Rio Grande do Sul. São Bernardo do Campo: Copacabana, 1982.

encontra-se uma referência de que os tradicionalistas estariam representados pelo “grupo nativista”, de Telmo de Lima Freitas e outros companheiros. Eles seriam os que encabeçavam o protesto contra o resultado do festival. Ressalto que o relato coloca já o termo “nativista” como uma tendência musical que formava parte do tradicionalismo e partilhava a ideologia deste movimento (UCHA, apud SANTI, 2004:22). Como detalhe, podemos adicionar que a criação da 1ª Califórnia é reivindicada pelo Movimento Tradicionalista Gaúcho. Um dos seus idealizadores, o folclorista Paixão Côrtes, em entrevista de 1981, declara que esta iniciativa abriu espaço para a criação de outros festivais. Também proporcionou o desenvolvimento da música gaúcha e a busca de Novos Rumos, da qual Paixão Côrtes disse ser uma espécie de tendência em que “a perfeição e a originalidade da letra, aliada à renovada linha melódica, possa traduzir o Rio Grande do passado, do presente e também um novo horizonte de progresso” (SANTI, 2004:34). A efervescência cultural a partir da 1ª Califórnia foi notória no Rio Grande do Sul, que se tornou epicentro dos festivais. A partir deste momento a música regional gaúcha passa a ter um novo espaço artístico que se tornaria propício para a criação e se transformaria em arena de disputas estéticas e ideológicas entre as duas linhas, tradicionalista e nativista.