• Nenhum resultado encontrado

“Às vezes modelos em tamanho natural de construções desejadas que a efemeridade e a urgência tornam “reais” muito depressa; outras, situações mais fantasistas, que a madeira ou o cartão permitem, coisas com rodas ou alçapões, móveis representações que transfiguram, iludem e mudam a envolvência da representação, ao transfigurarem-se à nossa vista.” (Dias & Ventura, 2003, pp. 11-16)

Perante um novo entendimento do espaço cénico e teatral, a plasticidade da cenografia vai adquirir outra dimensão e importância, em que a criação de objetos cénicos tridimensionais passam a ser entendidos como peças de arte.

“Através da reinterpretação de objectos comuns em novos contextos, redefinem-se as coordenadas para a apreensão do real onde, frequentemente, os elementos do quotidiano são conjugados sob uma nova perspectiva, permitindo descobrir outros aspectos da realidade.”(Ribeiro, s.d., p. 4)

Com o reconhecimento do seu potencial cénico surge uma nova tipologia de cenários, marcada pela conceção de objetos tridimensionais de índole performativa e constituídos por estruturas efémeras, que vão permitir uma variação de usos e possibilidades em palco assim como uma nova dinâmica nas mudanças de cenários.

Enquanto objeto único, estes dispositivos vão assumir um papel importante em muitos momentos da ação teatral, distinguindo-se não só pelos seus movimentos e transformações inesperadas diante dos espetadores, como

|

pela sua autonomia e capacidade de resposta aos sucessivos atos teatrais, em que “cada objecto de cenografia é tão importante como cada intérprete, posso quase dizer isso… e às vezes, são eles que salvam a interpretação.” (Ribeiro, 2003, p. 38)

Subjacente a esta tipologia de dispositivo cénico evolutivo, ou seja, multifacetado, transformável e possivelmente móvel, está a sua aptidão na criação de um lugar, no sentido em que apenas a sua presença e as suas características permitem tanto a organização como as apropriações do espaço de representação onde estes se inserem, quer seja este um espaço teatral tradicional como o teatro à italiana, assim como um espaço pouco convencional do qual são exemplo armazéns ou espaços públicos. Como exemplo desta característica, a cenografia para o espetáculo de Propriedade Privada realizado pelo arquiteto João Mendes Ribeiro é um exemplo notável na medida em que a sua versatilidade e autonomia transcendem a sua restrição ao espaço cénico para o qual estava destinado, e é posteriormente reutilizado e inserido num novo contexto de cariz absolutamente distinto, ou seja, é transposto para o espaço público adquirindo por sua vez a denominação de Propriedade Pública.

1. ARQUITETURA E ARQUITETOS-CENÓGRAFOS EM

CENOGRAFIA | INFLUÊNCIAS E CONTÁGIOS

Este relevo do papel atribuído ao dispositivo cénico enquanto objeto inteligente, gerador e impulsionador da ação e dos movimentos dos intérpretes já enunciado, juntamente com o seu cariz arquitetónico, é uma característica bastante

evidente nos projetos cénicos do arquiteto e cenógrafo João Mendes Ribeiro. Particularmente marcados pela relação natural entre a sua experiência e formação de âmbito arquitetónico com a prática cenográfica, salientam a interdisciplinaridade dos seus trabalhos assim como uma abordagem singular e contemporânea ao nível do novo diálogo formulado entre a cenografia e arquitetura.

“Eu diria - afirma João Mendes Ribeiro - que transporto claramente ideias da arquitetura para a cena, mas ao mesmo tempo a cena permite-me uma experimentação que não tenho em projetos de arquitetura. E de alguma forma, essa experimentação que me é permitida quando faço trabalhos para teatro e para a dança é-me útil também para a arquitetura.”

(Ribeiro, 2013, p. 2).

Os projetos cénicos realizados por arquitetos-cenógrafos são frequentemente caracterizados por um “contágio” arquitetónico evidente, onde questões regularmente debatidas em arquitetura como o espaço, a luz, a escala e a materialidade são também colocadas e experienciadas exaustivamente em cenografia. Porém estas mesmas questões colocam-se sob um novo contexto, conjugando-se com outras questões inerentes à prática cenográfica como o movimento dos intérpretes, a sua finalidade e associação à dramaturgia, e inevitavelmente à efemeridade dos dispositivos cénicos.

| “A própria origem do imaginário do cenógrafo que

não é arquitecto, é diferente da do cenógrafo-arquitecto. Este tende a pensar a partir do equilíbrio formal de peças de desenho, o cenógrafo não arquitecto tende a trabalhar a partir de metáforas e de elipses mais

fantasiosas.” (Ribeiro, 2003, p. 26)

Associada a esta questão é também a ideia da possibilidade de experimentação que a cenografia permite, realçando a proximidade que existe entre a fase de projeto/conceção, e entre a fase da obra/construção nas artes cénicas, que em arquitetura não é possível. Tal como afirma João Mendes Ribeiro, “quando fazes arquitetura desenhas e naturalmente a separação entre atelier e a obra é muito evidente. Primeiro fazes o projeto, depois avanças para a obra, e mesmo quando constróis, estás a construir não estás a habitar. Ali não, a questão da habitabilidade coloca-se logo no primeiro momento. “ (RIBEIRO, 2013, p. 6)

Também fundamentais tanto em arquitetura como em cenografia, é a figura humana e a habitabilidade dos espaços ou seja, enquanto elemento gerador da ação o objeto cénico encontra-se estritamente relacionado com o corpo e movimentos dos intérpretes, em que os cenários “(…) são entendidos enquanto lugares habitáveis cuja caracterização é determinada pelas circunstâncias e propósitos da acção ou pelo movimento dos corpos no espaço, no sentido de criar um sistema formalmente coerente e dramaticamente funcional” (Ribeiro, 2007, p. 81)

É neste contexto que se torna bastante evidente a nova dimensão que a cenografia obtém ao afastar-se da

bidimensionalidade e da conceção estática dos cenários tradicionais utilizados até ao início do século XX, passando a conceber cenários tridimensionais e tendencialmente interativos e habitáveis através da aplicação dos conceitos de flexibilidade e de transformabilidade, e desenhados segundo os modos de apropriação do espaço cénico, ou seja, do palco.

2. TIPOLOGIAS DE ESPAÇO CÉNICO | CENA ABERTA

Os projetos cenográficos encontram-se intimamente ligados aos locais onde decorre a ação, ou seja, o palco. Neste sentido, estes projetos “agrupam-se, de acordo com as suas características, segundo tipologias distintas no que toca à apropriação do espaço do palco”. (RIBEIRO, 2007, p. 82)

Segundo o arquiteto-cenógrafo João Mendes Ribeiro, existem duas tipologias principais. A primeira corresponde a uma reconfiguração do palco, onde são reestabelecidos e impostos novos limites da caixa de palco, em que por “oposição à caixa negra, espaço aparentemente ilimitado, propõe-se a construção de um espaço deliberadamente limitado, com qualidades intrínsecas de lugar” (RIBEIRO, 2007, p. 83). Já a segunda tipologia, categoria de análise na presente investigação, adota uma utilização do palco enquanto “cena aberta” (RIBEIRO, 2007, p. 82) explorando o espaço cénico através do recurso a objetos pontuais autónomos que marcam a área do palco. Nesta última tipologia enquadram-se tanto os dispositivos pontuais que se encontram fixos na sua disposição em palco como os dispositivos cénicos móveis e transformáveis.

|

Em ambos os casos, apresentando de forma constante uma “tensão entre os objectos cénicos e o espaço do palco” (RIBEIRO, 2007, p. 83), a cenografia vai proporcionar e definir a ideia de lugar, através da própria proporção, escala e relação do dispositivo com a estrutura do palco questionando ou redefinindo os limites da ação.

a. Dispositivos Cénicos |

Fixos e