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O olhar mundividente de um prelado: Congresso de Chicago, Peregrinações,

3. A abertura à modernidade em Castro Meireles

3.2. O olhar mundividente de um prelado: Congresso de Chicago, Peregrinações,

O Concílio Plenário Português, realizado em Lisboa de 24 de Novembro a 03 de Dezembro de 1926, significou uma vontade de autonomia e um esforço de reorganização interna. Este acontecimento apanha Meireles a meio do seu mandato nos Açores. A situação resultante da Lei da Separação tinha levado a Igreja Católica a privilegiar uma acção concertada de todos os bispos à escala nacional. A preocupação com a unidade presidiu a todas as deliberações do colégio episcopal (Fontes, 2000: 166). Nesta sequência, começou a haver apenas um catecismo comum a todas as dioceses e um mesmo programa de estudo para os seminários do país. Os decretos do Concilio plenário português são um brado de união, um toque de reunião. O desiderato da unidade nas hostes a Igreja surge como um imperativo que permitiria resgatar os males da Igreja e da própria sociedade (Fontes, 2000: 167). Há, nos decretos do Concílio Plenário Português, claramente, uma linguagem de cariz combativo, que exprime bem a concepção da época, empenhada na reconquista cristã da sociedade.

Os resultados do Concílio Plenário Português não terão sido imediatos, mas foram, seguramente, duradouros, seja através da reorganização da vida interna da Igreja Católica e da aplicação da legislação dele decorrente, seja, sobretudo, através da capacidade de mobilização e iniciativa do movimento católico nas décadas seguintes. (Fontes, 2000: 169). É enorme o investimento feito no restauro e construção dos seminários portugueses, contribuindo para o facto de os católicos portugueses reforçarem a sua consciencialização e responsabilidade na formação dos candidatos ao sacerdócio. É curioso notar que D. António Meireles pensou em recorrer aos padres de São Suplício, com vista a que alguns dos seus membros orientassem o Seminário de Angra, todavia não o conseguindo. Castro Meireles teve uma intervenção eivada de brilhantismo numa das sessões do Concílio Plenário Português, o maior evento da Igreja Portuguesa no contexto histórico da I

República. O bispo mais novo da Igreja portuguesa dirige-se aos seus colegas no episcopado, a propósito do papel da Igreja no contexto da I República, da seguinte forma:

“Desajustada, antes hostilizada, pelos Poderes do Estado, a Igreja resistiu vigorosamente, amparada pelo amor dos seus filhos que compreenderam a necessidade de se salvarem por Ela. É a única força de disciplina, de ordem e de patriotismo de que dispõe a nossa Pátria amada. Só seremos invencíveis se Deus estiver connosco. Nós vimos exortar todos os fiéis a que orem sem interrupção pelos bons resultados desta magna assembleia de todos os Bispos Portugueses” (D. António Augusto de Castro Meireles (1926), “Governo Diocesano”, Boletim Eclesiástico dos

Açores, 650, pp.249-251).

Desta assembleia magna da Igreja em Portugal, a porção “diocese” foi assinalada como a estrutura que definia e enquadrava a legitimidade da Igreja Católica na sociedade, girando em torno dela as actividades de recristianização da sociedade. Este já era, entenda- se, um desiderato tridentino, que só atinge este processo de autonomia com a separação entre os poderes políticos e religioso, no primeiro quartel do século XX.

A Diocese de Angra do Heroísmo beneficia muito do espírito viajado de Meireles, assim como do seu conhecimento acerca do mundo. Muitas são as viagens que realiza enquanto Bispo de Angra do Heroísmo, não só inter-ilhas, como também ao estrangeiro e Continente. Na Figura 3.1., quisemos deixar de forma mensurada as deslocações que, de 1924 a 1928, Meireles efectuou: 1 8 3 2 4 1 0 2 0 3 0 2 0 0 0 10 10 0 0 0 4 0 0 0 1 2 3 4 5 6 7 8 1924 1925 1926 1927 1928 regionais continente nacional Europa madeira EUA

Uma das peregrinações que perduraram de forma indelével na memória da Igreja que reside nos Açores foi a romagem até Roma. Numa altura em que as viagens eram muito limitadas ao nível da realidade insular, é notável a quantidade de diocesanos dos Açores que se deslocaram até ao Vaticano:

“Vai abrir-se um ano de perdão jubilar em que a Santa Igreja convida todos os seus filhos a irem a Roma. Todos os que o possam fazer não devem hesitar perante sacrifícios, porque o Jubileu do Ano Santo tem por fim especialíssimo consolidar a Paz de Cristo no reino de Cristo” (Meireles, 1924: 355).

A adesão das populações católicas de todas as ilhas foi deveras impressionante, acentuando a unidade e a pronta resposta do povo de Deus das ilhas ao seu Bispo: “Felizmente o número de peregrinos aumentou muito consideravelmente. Todas as nossas ilhas, umas mais do que outras, deram o seu contingente.” (Boletim Eclesiástico dos Açores (1925), “A caminho de Roma”, 631, pp.8-9).

Na senda da peregrinação que o então Bispo dos Açores efectuou a Roma, levando vários membros da diocese, apraz-nos salientar a visita que os trinta sacerdotes que o acompanhavam fizeram ao maior diário católico do continente português – Novidades. A necessidade de aprendizagem, de contacto com outras realidades que não apenas as insulares, o sentido de promoção do clero açoriano, sempre foi uma preocupação do múnus pastoral de Castro Meireles nos Açores:

“Quiseram os dignos sacerdotes que fazem parte da peregrinação dos Açores a Roma dar-nos a honra de nos virem saudar. Trinta sacerdotes – é um numeroso contingente do ilustre clero dos Açores. Vindos até nós, com o seu zeloso e grande Prelado à frente, dizer-nos que é um bem recto e seguro o caminho que o Novidades está a percorrer. Estes amigos de longe queriam conhecer os modestos operários e o modo de funcionamento deste jornal” (Novidades (1925), “Os peregrinos dos Açores a Roma”, 3 de Maio de 1925, p. 1)

Quando Meireles terminou a visita que efectuou a Roma, os jornais fizeram eco da sua chegada da peregrinação a Roma, manifestando o seu apreço pela forma como decorreu a mesma:

“De regresso da peregrinação a Roma, chegou anteontem à sua cidade no paquete "Lima" o Sr. D. António de Castro Meireles, ilustre Prelado desta diocese. A cidade tem a honra de apresentar a V. Exa. os seus cumprimentos e boas-vindas. Esta foi segundo A Cidade a mais bem organizada peregrinação que foi feita à cidade eterna, nos últimos anos, felicitando pelo brilhante êxito alcançado, que mereceu de sua

santidade a classificação de “notável não só pelo número como pela qualidade” (A

Cidade (1925), “D. António Augusto de Castro Meireles”, 31 de Julho, 30, pp. 1).

A chegada do Bispo de Angra aos Estados Unidos ocorreu a 30 de Abril de 1926. Não existia outro bispo da Igreja católica que tivesse tantos padres e fiéis da sua diocese na América do Norte. Além da visita às inúmeras comunidades de emigrantes açorianos na América do Norte, Meireles nos EUA tinha também a intenção de participar no Congresso Eucarístico de Chicago. Além disso, a visita foi fundamental para os melhoramentos necessários ao Seminário de Angra, dada a comparticipação das comunidades da diáspora. O Congresso Eucarístico de Chicago, em 1926, iniciou-se a 08 de Julho de 1926. A reunião da delegação portuguesa desenrolou-se no Drake Hotel, sendo presidida pelo Primaz das Espanhas. Meireles expõe aí a sua tese sobre o papel da igreja (e do clero, em particular) de forma assertiva:

“O grande problema da Santa Igreja é a formação do clero. Os sacrários ficarão desertos sem sacerdotes. Urge portanto que cada Congresso Eucarístico seja um despertador de vocações e de auxílios aos seminários onde estes se apuram e fortalecem. Sem um escol de sacerdotes piedosos, inteligentes e eruditos, nada pode fazer-se” (Novidades (1926), “Congresso Eucarístico de Chicago”, 17 de Junho, p.1).

Mais uma vez, Meireles põe em destaque a necessidade do bispo consolidar um presbitério sólido e bem formado. Na importante igreja do Senhor Santo Cristo, no centro da cidade de Fall River, colónia que albergou grande parte dos emigrantes açorianos da Nova Inglaterra, Castro Meireles foi ovacionado por uma multidão de cerca de 50.000 pessoas, após ter procedido à bênção dos seus novos sinos (O Telégrafo (1926), “Bispo de Angra”, 7 de Junho, p. 1).

No que concerne à esfera pública dos acontecimentos, Castro Meireles não se inibe de referenciar as más condições das ilhas, reclamando plenos direitos para os açorianos. Este é, porventura, o discurso mais elucidativo sob o ponto de vista de intervenção política de Meireles, proclamado aquando dos preparativos para a inauguração do Novidades. Na transcrição poder-se-ão notar, pela primeira vez, interesses de ordem regional, revelando Meireles mágoas inerentes ao facto de no arquipélago dos Açores se viver abandonado:

“De Portugal chegavam quase por todos os paquetes provas desconsoladoras do esquecimento e do desprezo a que o poder central votava a ilha. A prontidão e a generosidade com que o Governo acudiu aos sinistrados valeu por anos de intensa

propaganda patriótica” (D. António Castro Meireles (1926), “A catástrofe do Faial”,

Novidades, 18 de Novembro, p. 1).