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3 A produção de sentido na Revista Textual: Os discursos dos IOT frente aos IOC

3.2 O diálogo possível entre poderes, fazeres, limites e afetos

3.2.2 O olho do poder e sua reprodução nas relações escolares

De acordo com a descrição de Pereira (2003), logo ao ingressar no campo de pesquisa, ele observou o projeto arquitetônico da escola. “Era (...) um enorme corredor central, de onde se podia identificar todo o funcionamento da instituição: seus corredores laterais, escadarias, os vidros nas postas das salas de aula e o tráfego das pessoas que fazem parte do ambiente” (PEREIRA, 2003, p. 06). Segundo o autor, esta construção não foi feita por acaso: “trata-se de um panóptipo de Jeremias Bentham, no qual tudo é possível de controle ao olho do poder (...)” (PEREIRA, 2003, p. 07).

Observamos que a descrição do local, caso fosse ocultado de que ambiente se tratava, poderia sugerir um presídio – instalação que reprime, castiga o indivíduo que, marginal, é privado do convívio social. A sociedade, por sua vez, também, sufoca, reprime, e a escola, por ser sua síntese, em menor proporção, carrega as suas características perversas e suas qualidades, como veremos mais adiante, ao manifestar possibilidades enriquecedoras que este mesmo contexto contraditório possui.

Registra que, neste local, funcionários, professores, visitantes e até os alunos que circulam nos corredores são vigiados. O vidro, nas portas das salas, parece uma escotilha173, sendo possível saber o que acontece no interior destes ambientes, “sem que o intruso seja reconhecido em sua vigia diária, de onde é possível ver sem nunca ser visto” (PEREIRA, 2003, p. 07). Ao referir Foucault, Pereira (2003) alega que a direção, equipe técnica e a disciplinadora da escola, utilizam esse recurso, como um meio de domesticar o fazer pedagógico.

Semelhante aos reflexos que a ideologia dominante nos coloca, através da

hegemonia de quem controla, de quem mantém o poder, a vigilância, na escola acontece

mesmo que os sujeitos deste processo histórico não percebam nitidamente como isto se dá. A

ideologia, o poder, a hegemonia dominante é o intruso que, às vezes, não é reconhecido em

suas condições objetivas e subjetivas. No entanto, pelas atitudes dos professores e alunos, a partir da análise realizada, as artimanhas do poder são reveladas. É como tomar sem pressa uma droga, que, com o passar do tempo, manifesta os seus efeitos. Há, aqui, uma relação de tensão, dialética: ora, não percebemos os danos do poder, da ideologia, da hegemonia

dominante, ora temos clareza das conseqüências desta intervenção, mas isto acontece

quando vivenciamos ou quando refletimos.

No entanto, para ele, essa maneira de tornar os “corpos dóceis” é notada pelos professores que,

preocupados em manter seu emprego, seu espaço de atuação já tão reduzido, estabelecem um outro mecanismo de controle, levando para seu grupo de alunos instrumentos coercitivos, seja através de trabalhos (...) cansativos, provas e notas, muitas vezes, servindo como castigo, seja através de espelhos de classe, colocando cabeça atrás de cabeça, privilegiando o audiovisual como sentido de ligação com o mundo, excluindo, então, o restante do corpo (PEREIRA, 2003, p. 07).

Para Pereira (2003), essa exclusão corpórea se dá porque o professor, pressionado pelo olho do poder, sente-se “encurralado”; por isso, necessita ter o máximo de controle do que acontece em sua aula, “não permitindo brincadeiras, conversas, circulação e o mínimo de troca entre os alunos” (PEREIRA, 2003, p. 07). Até o pátio passa ser um lugar indesejável, por ser um espaço onde a dispersão poderia ser facilitada. O professor, então, por medo, deixa de usá-lo ou, ainda, não utiliza outros recursos que tornariam o fazer pedagógico mais prazeroso. E, por não saber o que fazer em outro ambiente, ele fica cada vez mais preso à sala, limitando a sua vivência didática, afirma o autor.

Este “efeito-dominó” acontece num cenário controlado, rígido, passando de

sujeito para sujeito, numa relação autoritária, permeada por regras, limites e com sanções

arbitrárias para as infrações. O professor abandona seu perfil saudável, assumindo o papel de disciplinador, autocrático e dominante, desconsiderando a auto-estima dos alunos. E, pela necessidade de poder, os laços afetivos ficam comprometidos, conforme constata Pereira (2003).

Mas, para o autor, ao reivindicar Nietzsche, nessa relação de poder, talvez por ingenuidade ou desconhecimento,

o professor nega-se à vontade de domínio existente nas relações humanas, estabelecendo na escola forças contrárias, poderes que se vão opondo. De um lado professores desejam dominar alunos, manter o controle e impor limites; do outro, alunos desejam espaço de liberdade, expressão de idéias, quebra de regras arbitrárias e utilização do corpo que, na adolescência, recusa-se a ficar parado (PEREIRA, 2003, p. 07).

A afirmação do ensaísta se reproduz no depoimento dos alunos que manifestam: “a gente nunca está igual, é como se fosse um teste; cada professor se vê pela reação dele com o comportamento da turma” (PEREIRA, 2003, p. 07). Para o autor, nesta fala, se dá uma relação contaminada pelos conflitos, entre aqueles que, ora se deixam dominar, ora desejam dominar. A transgressão do centralismo regulador e normatizador impede vínculos entre ação educativa e liberdade, rebate Pereira, ao analisar a relação professor-aluno.

A escola, como espaço privilegiado da hegemonia do capital, permite e estimula, de alguma maneira, estas práticas pouco sadias. Um controla o outro. Um tenta estabelecer o seu poder ao outro. E, numa roda viva, os sujeitos se mutilam, se frustram, sofrem. Como buscar, então, a afetividade? Ao mesmo tempo, existem aqueles que se rebelam e manifestam sua insatisfação não aceitando tão-somente o que está dado. Procuram outras formas de relações mais sadias e equilibradas, de reciprocidade, considerando o ser na sua

totalidade e em suas particularidades. O aluno não é só aluno. O professor não é só

professor – eles são sujeitos, eles são cidadãos nesta relação, que se pretende educadora.

Pereira (2003) diz, ainda, que, nesse jogo de poderes, o professor autoritário tem uma excelente fala sobre a questão da afetividade; no entanto, a atitude pouco afetiva na hora de tratar os limites, distancia o aluno. Em outras palavras, por não demonstrar afetividade, ele marca sua presença pelo medo e castigo. Pereira (2003, p. 07) reforça esta colocação, quando resgata o depoimento do professor que afirma: “afeto demais prejudica, os alunos tomam conta, é necessário ser severo, professor muito mole acaba sendo dominado”.

As separações entre os bons e os maus alunos, isto é, os rótulos, também, surgem nos conselhos de classe, como uma forma de classificação dos sujeitos, que, no pensar de Pereira, evidenciam o quanto o grupo de professores está envolvido pelo poder da avaliação – que garante o direito de punir com números aqueles que não se normatizaram. Neste momento, o autor, levanta a dúvida, de que, talvez, o fato deles não se submeterem, signifique um sinal de negação, ou seja, uma postura saudável por parte daqueles que se negam a se adaptar. Em contrapartida, lembra que os alunos, de igual maneira, rotulam professores, estabelecendo formas de dominação, o que dificulta também a prática pedagógica.

A defesa frente ao rígido esquema de controle e de poder, de alguns professores, como vimos, é montada a partir de mais rigor. As rotulações, assim como acontece na vida social, são os passaportes para discrimar os alunos e fortalecer a postura autoritária dos professores. Os alunos, por sua vez, taxam os professores, resistindo à

dominação. Mas a dominação mais resistente está em outro patamar, neste mesmo espaço.

E a escola? E quem dirige? Quem comanda este espetáculo quase desumano, por que não compreensível e inteligente? No artigo, os dois lados da relação professor e alunos são postos à prova, e o outro poder, “invisível”, de quem decide de fato, fica ileso de quaisquer responsabilidades, ao que parece, na análise de nosso pesquisado. Este recorte reproduz o que ocorre, muitas vezes, em outros fóruns.

Assim, os possíveis sujeitos participantes daquilo que poderia se constituir na contra-hegemonia (professores e alunos) “brigam” entre si e aqueles que comandam o espetáculo desta luta apenas observam os resultados de suas manipulações. O sujeito oculto desta prática legitima, ainda mais, o seu poder – a hegemonia dominante. Parece até que os

donos do capital (IOC), por meio de suas direções escolares (os especialistas a que se refere Gramsci), somente contaminam esta relação, se eximindo de qualquer comprometimento.

Pereira registra, no entanto, que alguns professores transgridem o cerco do

poder, fugindo do “olho que tudo vê”, conquistando um outro fazer pedagógico. E alerta que,

em sua investigação, “emergem aqueles em processo de conquista de um espaço maior de liberdade e outros poucos que já conseguiram uma relação mais afetiva sem perderem os limites necessários para a convivência dos seres que compõem uma sala de aula” (2003, p. 08).

De qualquer maneira, neste contexto contraditório de aprendizagem, surgem aqueles que transcendem as relações de poder hegemônicas. Conseguem, como demonstra o IOT, construir relações mais sadias para a transformação educadora. Buscam a reciprocidade entre os participantes deste processo histórico, alicerçada na afetividade e no respeito de cada sujeito. A partir das condições objetivas reconhecem e retomam a

subjetividade existente nestas relações, como veremos mais adiante.

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