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O Operador de Abstrac¸˜ao

No documento Revisitando o Teorema de Frege (páginas 49-58)

1.3 Um Sistema Dedutivo

1.3.3 O Operador de Abstrac¸˜ao

Em grande parte das exposic¸˜oes da prova do Teorema de Frege na literatura, recorre- se a um operador de abstrac¸˜ao ou abstrator [...∶ ] que permite formar um termo de se- gunda ordem [vi1. . . vin ∶B] a partir das vari´aveis vi1, . . . , vin e de uma f´ormula B na qual

elas ocorram livres, de modo que se t,t1, . . . ,tn s˜ao termos individuais, express˜oes da forma

[vi1. . . vin ∶B]t1. . .tn, Vj(#[vi∶B]), #[vi∶B] Ô t s˜ao tratadas como f´ormulas atˆomicas da lin-

guagem da Aritm´etica de Frege. O recurso a esse operador representa um expediente extre- mamente conveniente para denotar as propriedades e relac¸˜oes que o axioma da compreens˜ao afirma existir, pois ele permite express´a-las localmente atrav´es das f´ormulas que as definem, facilitando imensamente a confecc¸˜ao de determinardas demonstrac¸˜oes/derivac¸˜oes em teorias de segunda ordem: a instˆancia ∃F∀u(Fu ↔ u ̸ u) de L10, por exemplo, garante a existˆencia da propriedade (vazia) de todos os objetos distintos de si pr´oprios, a qual ´e expressa por [u ∶ u ̸ u]; e em geral, instˆancias da forma ∃Vjn∀vi1. . . ∀vin(V

n

jvi1. . . vin ↔B) garantem a

existˆencia da relac¸˜ao n-´aria [vi1. . . vin∶B]definida por B11.

No pr´oximo cap´ıtulo, tamb´em utilizaremos o operador de abstrac¸˜ao na exposic¸˜ao da prova do Teorema de Frege como um meio para denotar as propriedades e relac¸˜oes defin´ıveis pelas f´ormulas de ΣF. Contudo, como n˜ao inclu´ımos [...∶ ] entre os s´ımbolos l´ogicos das lin- guagens caracterizadas acima, iremos introduz´ı-lo como um s´ımbolo metalinguisticamente ou contextualmente definido: assim como “f´ormulas” da forma A ∨ B s˜ao consideradas como abreviac¸˜oes de f´ormulas da forma (¬A → B), “f´ormulas” em que [...∶ ]ocorra ser˜ao tratadas

como abreviac¸˜oes de f´ormulas mais complexas nas quais ele n˜ao aparec¸a. Para legitimarmos nossa definic¸˜ao, provaremos ent˜ao alguns teoremas que simulam em D2os axiomas e regras

11Na literatura, n˜ao existe uma notac¸˜ao uniforme para o operador de abstrac¸˜ao: por exemplo, Boolos [2] e

Boolos e Heck [9] (Apˆendice 2) utilizam {...∶ }, Boolos [3, 4, 5, 7] utiliza [...∶ ]e Zalta [43] utiliza [λ... ].

Outro autores, como Dummett, Wright e, em muitas ocasi˜oes, Heck tratam # como um operador que, quando aplicado a uma vari´avel individual x e a uma f´ormula A, resulta um termo de primeira ordem #xA, ou seja, como um variable binding term operator ou VBTO; esse tratamento dispensa o uso operador abstrac¸˜ao na prova do Teorema de Frege, mas imp˜oe algumas dificuldades t´ecnicas na definic¸˜ao das linguagens de segunda ordem apropriadas para formalizar teorias fregeanas.

que s˜ao usualmente empregados na manipulac¸˜ao desse operador e que presumivelmente esta- riam presentes em qualquer sistema dedutivo para uma linguagem em que ele figurasse como um s´ımbolo l´ogico, da mesma forma que, para legitimar a definic¸˜ao de A ∨ B como (¬A → B), provam-se teoremas que correspondem `as regras de introduc¸˜ao e eliminac¸˜ao de ∨12.

Com o intuito de simplificar a discuss˜ao a seguir, consideraremos aqui apenas o caso do operador de abstrac¸˜ao un´ario, que permite formar “termos” da forma [vi∶B], uma vez que

a definic¸˜ao e os teoremas subsequˆentes podem ser facilmente generalizados para operadores de qualquer aridade. No entanto, nos pr´oximos cap´ıtulos tamb´em utilizaremos o operador de abstrac¸˜ao bin´ario [vivj ∶B] para denotar relac¸˜oes bin´arias defin´ıveis pelas f´ormulas das linguagens sob considerac¸˜ao e assumiremos vers˜oes an´alogas dos teoremas e das regras esta- belecidos abaixo para “termos” de segunda ordem formados por esse operador. De agora em diante, reservaremos as vari´aveis u, u1, u2, . . . para ocuparem o lugar de...em [...∶ ].

Sejam Σ uma assinatura de segunda ordem, A, B ∈ F(Σ), vi uma vari´avel individual livre

em B e Vjuma vari´avel relacional un´aria. Introduzimos a notac¸˜ao A[[vi∶B]/Vj]para denotar

o resultado da substituic¸˜ao de todas as ocorrˆencias livres de Vjem A por [vi∶B]. Por exemplo, se A ´e ∀x∀y(Fx → Rxy) e B ´e u ̸ u, ent˜ao

A[[u ∶ B]/F] = ∀x∀y(Fx → Rxy)[[u ∶ u ̸ u]/F] = ∀x∀y([u ∶ u ̸ u]x → Rxy)

Definic¸˜ao 1.22. Formalmente, definimos A[[vi∶B]/Vj]recursivamente como se segue: (i) Se A ´e uma f´ormula atˆomica, ent˜ao

12O m´etodo de definic¸˜ao do operador de abstrac¸˜ao a ser empregado aqui ´e essencialmente o mesmo que o

da definic¸˜ao do operador de descric¸˜ao definida ι originalmente proposto por Russell em On Denoting [33] e formalmente elaborado no Volume I do Principia Mathematica [39]: assim como “termos” (individuais) forma- dos por ι na an´alise russeliana, “termos” (de segunda ordem) formados por [...∶ ]ser˜ao tratados express˜oes incompletas, no sentido de que eles n˜ao se comportam semanticamente como termos e n˜ao possuem significado isoladamente dos contextos em que ocorram; e assim como a definic¸˜ao de Russell, nossa definic¸˜ao consistir´a em fornecer um procedimento geral e sistem´atico para traduzir contextos sentencias que contenham ocorrˆencias do operador de abstrac¸˜ao em contextos em que ele esteja ausente; em outras palavras, consistir´a em uma definic¸˜ao contextual.

A[[vi∶B]/Vj] = ⎧ ⎪ ⎪ ⎪ ⎨ ⎪ ⎪ ⎪ ⎩ A se Vjn˜ao ocorre em A

∃Vk(∀vi(Vkvi↔B) ∧ A[Vk/Vj]) caso contr´ario

(ii) Se A ´e (¬C), ent˜ao A[[vi∶B]/Vj] = (¬C[[vi∶B]/Vj]).

(iii) Se A ´e (C → D), ent˜ao A[[vi∶B]/Vj] = (C[[vi∶B]/Vj] →D[[vi∶B]/Vj]).

(iv) Se A ´e ∀vC, ent˜ao

A[[vi∶B]/Vj] = ⎧ ⎪ ⎪ ⎪ ⎨ ⎪ ⎪ ⎪ ⎩ A se v = Vj ∀vC[[vi∶B]/Vj] caso contr´ario

Em (i), assumimos que Vkn˜ao ocorre em A e n˜ao ´e livre em B13.

De acordo com essa definic¸˜ao, “f´ormulas atˆomicas” em que a express˜ao [vi∶B]ocorra,

como [vi∶B]t e, em se tratando de ΣF, Vl(#[vi∶B]) e #[vi∶B] Ô t, s˜ao consideradas como

abreviac¸˜oes de f´ormulas da forma ∃Vk(∀vi(Vkvi↔B) ∧ A[Vk/Vj]):

[vi∶B]t ∶= ∃Vk(∀vi(Vkvi↔B) ∧Vkt) Vl(#[vi∶B]) ∶= ∃Vk(∀vi(Vkvi↔B) ∧Vl(#Vk)) #[vi∶B] Ô t ∶= ∃Vk(∀vi(Vkvi↔B) ∧#VkÔt)

Nesses contextos, Vk desempenha o papel de um representativo para [vi∶B]: a conjunta ∀vi(Vkvi↔B) a identifica como uma vari´avel que “denota” a propriedade definida por B – cuja existˆencia ´e garantida pela instˆancia ∃Vk∀vi(Vkvi↔B)de L10 – e A[Vk/Vj]expressa, em termos dessa vari´avel, o que inicialmente se enuncia de [vi∶B]atrav´es de A[[vi∶B]/Vj].

As “f´ormulas moleculares”, por sua vez, simplesmente abreviam o resultado da substituic¸˜ao de todas as “subf´ormulas atˆomicas” em que [vi∶B]ocorra pelas f´ormulas expandidas corres-

pondentes de acordo com a cl´ausula (i); no exemplo acima,

∀x∀y([u ∶ u ̸ u]x → Rxy) ∶= ∀x∀y(∃G(∀u(Gu ↔ u ̸ u) ∧ Gx) → Rxy) 13A Definic¸˜ao 1.22 foi formulada a partir das indicac¸˜oes de Boolos e Heck no Apˆendice 2 de [9].

Exemplo.

1. [u ∶ u ̸ u]x ∶= ∃G(∀u(Gu ↔ u ̸ u) ∧ Gx) 2. F(#[u ∶ u ̸ u]) ∶= ∃G(∀u(Gu ↔ u ̸ u) ∧ F(#G)) 3. ∀x¬[u ∶ u ̸ u]x ∶= ∀x¬∃G(∀u(Gu ↔ u ̸ u) ∧ Gx) 4. ∃F #F Ô #[u ∶ u ̸ u] ∶= ∃F∃G(∀u(Gu ↔ u ̸ u) ∧#F Ô #G)

A partir da Definic¸˜ao 1.22, estabelecemos primeiramente duas regras elementares, deno- minadas reduc¸˜ao e abstrac¸˜ao, que governam o comportamento do operador de abstrac¸˜ao em contextos atˆomicos do forma [vi∶B]t e que s˜ao obtidas imediatamente do seguinte teorema: Teorema 1.23. Se A ´e Vjvi, ent˜ao ⊢ ∀vi(A[[vi∶B]/Vj] ↔B); ou seja, ⊢ ∀vi([vi∶B]vi↔B). Prova: Apˆendice A1.

Exemplo.

1. ⊢ ∀u([u ∶ u ̸ u]u ↔ u ̸ u) 2. ⊢ ∀u([u ∶ Fu ∨ Gu]u ↔ Fu ∨ Gu) 3. ⊢ ∀u([u ∶ ∃xRxu]u ↔ ∃xRxu)

Corol´ario 1.24. Seja t um termo individual tal que vi ´e substitu´ıvel por t em B.

(i)REDUC¸ ˜AO(RED). Se Γ ⊢ [vi∶B]t, ent˜ao Γ ⊢ B[t/vi]. (ii)ABSTRAC¸ ˜AO(ABS). Se Γ ⊢ B[t/vi], ent˜ao Γ ⊢ [vi∶B]t.

A regra de reduc¸˜ao permite eliminar o operador de abstrac¸˜ao em [vi∶B]t em favor da

f´ormula B[t/vi] e estabelece que se o objeto denotado por t satisfaz a propriedade [vi∶B], ent˜ao ele satisfaz B. Inversamente, a regra de abstrac¸˜ao permite extrair ou abstrair [vi∶B]a

partir de B[t/vi] e estabelece que se o objeto denotado por t satisfaz B, ent˜ao ele satisfaz a propriedade [vi∶B]. Abaixo, encontram-se dois exemplos da aplicac¸˜ao dessas regras em uma

Exemplo.

1. Como um exemplo de uma demonstrac¸˜ao envolvendo a regra de reduc¸˜ao, mostramos que ⊢ ∀x¬[u ∶ u ̸ u]x:

Demonstrac¸˜ao: Suponha [u ∶ u ̸ u]x. Por RED, obtemos x ̸ x. Absurdo. Logo, ¬[u ∶ u ̸ u]xe, portanto, ∀x¬[u ∶ u ̸ u]x.

2. E como um exemplo de uma demonstrac¸˜ao envolvendo a combinac¸˜ao de ambas as regras, mostramos que ⊢ [u ∶ Rxu]y → [u ∶ ∃x xRxu]y:

Demonstrac¸˜ao: Suponha [u ∶ Rxu]y. Por RED, obtemos Rxy e, portanto, ∃xRxy. Por ABS, inferimos [u ∶ ∃x Rxu]y. Logo, [u ∶ Rxu]y → [u ∶ ∃x xRxu]y.

Um segundo resultado obtido da Definic¸˜ao 1.22 simula no sistema D2 uma regra de

instanciac¸˜ao universal para “termos” de segunda ordem formados pelo operador de abstrac¸˜ao (Corol´ario 1.27), a qual, grosso modo, permite instanciar a vari´avel Vjem uma dada f´ormula

∀VjA para [vi∶B], resultando A[[vi ∶B]/Vj]14. Essa regra ser´a amplamente utilizada nos

pr´oximos cap´ıtulos e, para prov´a-la, recorreremos ao seguinte teorema, que, sob a hip´otese ∀vi(Vjvi↔B), estabelece a intersubstituibilidade da vari´avel Vje de [vi∶B]em A15:

Teorema 1.25. Sejam A, B ∈ F(Σ) tais que vi ´e livre em B. Se nenhuma das vari´aveis livres em B ´e ligada em A, ent˜ao

∀vi(Vjvi↔B) ⊢ A ↔ A[[vi∶B]/Vj]

Prova: A prova do Teorema 1.25 procede por induc¸˜ao sobre as subf´ormulas de A e encontra- se desenvolvida em detalhe no Apˆendice A1.

14A notac¸˜ao A[[v

i∶B]/Vj]foi especificamente escolhida para facilitar a formulac¸˜ao dessa regra, tornando-a similar `a formulac¸˜ao da regra E∀ acima (Teorema 1.17).

Utilizando o Teorema 1.25, provamos ent˜ao uma vers˜ao do axioma L4 para “termos” de segunda ordem formados por [...∶ ], do qual a regra de instanciac¸˜ao universal em quest˜ao ´e uma consequˆencia imediata:

Teorema 1.26. Se nenhuma das vari´aveis livres em B ´e ligada em A e Vj n˜ao ´e livre em B,

ent˜ao ⊢ ∀VjA → A[[vi∶B]/Vj].

Prova: Pelo Teorema 1.25, temos

∀VjA, ∀vi(Vjvi↔B) ⊢ A ↔ A[[vi∶B]/Vj]]

e, por E∀ (aplicada a ∀VjA),

∀VjA, ∀vi(Vjvi↔B) ⊢ A

Logo, (*) ∀VjA, ∀vi(Vjvi↔B) ⊢ A[[vi∶B]/Vj](por MP). Como Vjn˜ao ´e livre em B,

(**) ∀VjA ⊢ ∃Vj∀vi(Vjvi↔B)

(por L10). Aplicando E∃ a (*) e (**), obtemos ∀VjA ⊢ A[[vi∶B]/Vj], que, por TD, implica

⊢ ∀VjA → A[[vi∶B]/Vj]

Exemplo. ⊢ ∀F(∃xFx ∨ ¬∃xFx) → ∃x[u ∶ u ̸ u]x ∨ ¬∃x[u ∶ u ̸ u]x

Corol´ario 1.27. REGRA DE INSTANCIAC¸ ˜AOUNIVERSAL II (E∀†). Se nenhuma das vari´aveis

livres em B ´e ligada em A, Vj n˜ao ´e livre em B e Γ ⊢ ∀VjA, ent˜ao Γ ⊢ A[[vi∶B]/Vj].

No Teorema 1.26 e no Corol´ario 1.27, a restric¸˜ao de que nenhuma das vari´aveis livres em Bsejam ligadas em A serve para prevenir que essas vari´aveis sejam capturadas pelos quantifi- cadores em A ao se substituir Vjpor [vi∶B](da mesma forma que a restric¸˜ao no axioma L4 de

que a vari´avel vτ seja substitu´ıvel por t em A serve para prevenir que as vari´aveis em t sejam

capturadas pelos quantificadores em A). Como um exemplo no qual a inobservˆancia dessa restric¸˜ao resulta ser problem´atica, considere-se o teorema (*) ∀F∃G∀x(Fx ↔ Gx), obtido de

∀x(Fx ↔ Fx) pelas regras I∃ e I∀. Se instanciarmos a vari´avel F para [u ∶ ¬Gu] em (∗) ao aplicarmos (erroneamente) a regra acima, obtemos ∃G∀x([u ∶ ¬Gu]x ↔ Gx), que, pelas regras REDe ABS, implica imediatamente uma contradic¸˜ao.

Como uma consequˆencia adicional do Teorema 1.26, obtemos uma regra de generalizac¸˜ao existencial para “termos” de segunda ordem formados pelo operador de abstrac¸˜ao:

Corol´ario 1.28. REGRA DEGENERALIZAC¸ ˜AOEXISTENCIALII(I∃†). Se nenhuma das vari´aveis livres em B ´e ligada em A, Vj n˜ao ´e livre em B e Γ ⊢ A[[vi∶B]/Vj], ent˜ao Γ ⊢ ∃VjA.

Exemplo. No exemplo 1 para o Corol´ario 1.24, mostramos que ⊢ ∀x¬[u ∶ u ̸ u]x. Aplicando a regra I∃†, obtemos ⊢ ∃F∀x¬Fx, que afirma a existˆencia de uma propriedade vazia. Utili-

zando essa mesma regra, ´e poss´ıvel mostrar tamb´em que existe uma propriedade universal: ⊢ ∃F∀xFx.

Demonstrac¸˜ao: Pelo axioma L7, temos x Ô x, que, por ABS, implica [u ∶ u Ô u]x. Portanto, ∀x[u ∶ u Ô u]x. Pela regra I∃†, inferimos ∃F∀xFx.

Ao simular, no sistema D2, o axioma L4 para “termos” de segunda ordem formados pelo

operador de abstrac¸˜ao, o Teorema 1.26 garante que esses “termos” se comportam dedutiva- mente como os termos de segunda ordem genu´ınos de uma dada linguagem, da mesma forma que os teoremas A → A ∨ B, A → B ∨ A e (A → C) → ((A → C) → ((A ∨ B) → C)) da l´ogica proposicional cl´assica com os conectivos ¬ e → garantem que o s´ımbolo ∨, definido contex- tualmente por A ∨ B ∶= ¬A → B, se comporta dedutivamente como um s´ımbolo de disjunc¸˜ao genu´ıno. ´E poss´ıvel mostrar tamb´em um resultado similar para linguagens que possuem um operador @ que, assim como #, rebaixa a ordem dos termos aos quais se aplica, ou seja, um operador de tipo ⟨⟨0⟩, 0⟩ ou ⟨⟨0, 0⟩, 0⟩ ou ⟨⟨0, 0, 0⟩, 0⟩ etc. Mais especificamente, ´e poss´ıvel provar uma vers˜ao de L4 para “termos” de primeira ordem que resultam da aplicac¸˜ao de @ a “termos” formados por [...∶ ]; no caso de ΣF, “termos” de primeira ordem da forma #[vi∶B]: #[u ∶ u Ô u], #[u ∶ u ̸ u], #[u ∶ ¬Fu], #[u ∶ Fu ∨ Gu], #[u ∶ Fu ∧ u ̸ x].

Para estabelecer esse resultado, utilizaremos a regra E∀†acima e introduziremos a notac¸˜ao A[@[vi∶B]/vj] para denotar a f´ormula A[@Vj/vj][[vi∶B]/Vj], em que @ ´e um constante

funcional de tipo ⟨⟨0⟩, 0⟩ e Vj, uma vari´avel de segunda ordem un´aria arbitr´aria que n˜ao ocorre

em A ou em B. Assim, A[@[vi∶B]/vj] ´e o resultado da substituic¸˜ao de todas as ocorrˆencias

livres da vari´avel individual vj em A por @Vj e da substituic¸˜ao de Vj por [vi∶B]na f´ormula resultante.

Exemplo.

1. Fx[#[u ∶ u ̸ u]/x] = F(#G)[[u ∶ u ̸ u]/G] = F(#[u ∶ u ̸ u]) 2. #F Ô x[#[u ∶ u ̸ u]/x] = #F Ô #G[[u ∶ u ̸ u]/G] = #F Ô #[u ∶ u ̸ u]

Teorema 1.29. Sejam Σ = ⟨R, F ⟩ uma assinatura tal que @ ∈ F⟨⟨0⟩,0⟩ e A, B ∈ F(Σ). Se ne- nhuma das vari´aveis livres em B ´e ligada em A, ent˜ao ⊢ ∀vjA → A[@[vi∶B]/vj].

Prova: Por E∀, temos ∀vjA ⊢ A[@Vj/vj] e, como Vj n˜ao ocorre em A, por I∀, inferimos

∀vjA ⊢ ∀VjA[@Vj/vj]. Por E∀†, obtemos ent˜ao ∀vjA ⊢ A[@Vj/vj][@[vi∶B]/Vj], ou seja,

∀vjA ⊢ A[@[vi∶B]/vj]. Portanto, ⊢ ∀vjA → A[@[vi∶B]/vj](por TD).

Exemplo. ⊢ ∀x x Ô x → #[u ∶ u ̸ u] Ô #[u ∶ u ̸ u]

Assim como as regras E∀† e I∀s˜ao corol´arios imediatos do Teorema 1.26, regras de

instanciac¸˜ao universal e generalizac¸˜ao existencial para “termos” de primeira ordem da forma @[vi∶B]podem ser obtidas imediatamente do Teorema 1.29:

Corol´ario 1.30. REGRA DEINSTANCIAC¸ ˜AOUNIVERSALIII(E∀††). Se nenhuma das vari´aveis

livres em B ´e ligada em A e Γ ⊢ ∀vjA, ent˜ao Γ ⊢ A[@[vi∶B]/vj].

Corol´ario 1.31. REGRA DEGENERALIZAC¸ ˜AOEXISTENCIALIII(I∃††). Se nenhuma das vari´aveis livres em B ´e ligada em A e Γ ⊢ A[@[vi∶B]/vj], ent˜ao Γ ⊢ ∃vjA.

Exemplo. Como um exemplo simples da aplicac¸˜ao de E∀†† e I∃†† em uma demonstrac¸˜ao,

mostramos que ⊢ ∃x x Ô #[u ∶ u ̸ u].

Demonstrac¸˜ao: Pelo axioma L7, temos ∀x x Ô x. Aplicando a regra E∀††, inferimos #[u ∶ u ̸ u] Ô#[u ∶ u ̸ u] e, por I∃††, obtemos ent˜ao ∃x x Ô #[u ∶ u ̸ u].

Por fim, como consequˆencia do Teorema 1.23 e da regra E∀††, temos vers˜oes das regras de abstrac¸˜ao e reduc¸˜ao para “termos” formados por @ e [...∶ ]:

Corol´ario 1.32. Se nenhuma das vari´aveis livres em B ´e ligada em A, ent˜ao: (i)REDUC¸ ˜AOII. (RED†). Se Γ ⊢ [vj∶A](@[vi∶B]), ent˜ao Γ ⊢ A[@[vi∶B]/vj].

(ii)ABSTRAC¸ ˜AOII. (ABS†). Se Γ ⊢ A[@[vi∶B]/vj], ent˜ao Γ ⊢ [vj∶A](@[vi∶B]).

Com as regras RED, ABS, RED†, ABS, E∀, I∃, E∀†† e I∃††, n˜ao ser´a preciso empre-

gar explicitamente o axioma da compreens˜ao L10 em qualquer demonstrac¸˜ao formulada nos cap´ıtulos subsequˆentes, embora ele tenha sido necess´ario para prov´a-las – como evidencia uma inspec¸˜ao cuidadosa das provas dos teoremas 1.23 e 1.26, a partir dos quais as regras foram obtidas. Contudo, juntamente com a prova do Teorema de Frege no Cap´ıtulo 2, a definic˜ao contextual do operador de abstrac¸˜ao em D2 estabelece a sua dispensabilidade no

teorema: como [...∶ ]n˜ao constitui um s´ımbolo l´ogico genu´ıno da linguagem da Aritm´etica

de Frege e, em geral, de quaisquer linguagens de segunda ordem caracterizadas na sec¸˜ao 1.1, e como as regras para o operador s˜ao derivadas a partir dos axiomas em AL(ΣF), o Teorema

de Frege poderia, em princ´ıpio, ser provado sem fazer qualquer uso de [...∶ ], de maneira que L10 seria extensivamente utilizado em praticamente todas as demonstrac¸˜oes envolvidas. Entretanto, uma tal prova seria consideravelmente mais trabalhosa e menos intuitiva do que aquela a ser apresentada a seguir, na qual operador ´e utilizado.

´

E importante enfatizar que as regras RED, ABS, E∀†, I∃†s˜ao v´alidas em quaisquer teorias

cujo sistema dedutivo de base ´e D2; e que RED†, ABS†, E∀†† e I∃††s˜ao v´alidas em quaisquer

teorias que, al´em disso, possuem um operador @ que rebaixa a ordem dos termos aos quais se aplica a 1. Isso significa que essas regras podem ser utilizadas em toda e qualquer teoria fregeana e n˜ao se restringem apenas `a Aritm´etica de Frege.

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