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2 A HERANÇA ECONÔMICA E POLÍTICA DOS GOVERNOS FERNANDO

2.1 O pano de fundo internacional do primeiro mandato do presidente Cardoso

As principais ações de política econômica durante o primeiro mandato do presidente Cardoso (1995-1998), tanto de cunho estrutural como de perspectiva conjuntural, estiveram condicionadas a dois importantes aspectos do cenário externo. De um lado, as medidas neoliberais preconizadas pelo Consenso de Washington avançavam por diversos países, destacadamente entre as nações da América Latina, praticamente todas tendo passado por longos e dramáticos anos de crise da dívida em 1980. De outro lado, as constantes crises financeiras que ocorreram ao redor do globo ao longo de seu primeiro mandato presidencial, a primeira delas enfrentada logo no início do governo, e todas trazendo, em maior ou menor grau, níveis de contágio para a economia brasileira, foram fundamentais para compreender o espaço de ação disponível para o governo e sua equipe econômica.

O modo como o governo executou a agenda neoliberal e o impacto dessas crises financeiras na economia brasileira são fatores de enorme importância não só para a compreensão do primeiro mandato do presidente Cardoso, mas também para entender a condução da gestão econômica após sua reeleição. Ainda que o viés neoliberal tenha prevalecido, alterações de suma relevância foram levadas a cabo, notadamente no começo de seu segundo mandato.

2.1.1 O Consenso de Washington

A década de 1980 foi conturbada para praticamente toda a América Latina, período assinalado pelo surgimento da crise da dívida em diversos países. Nessa década, “a América Latina atravessava a pior crise de sua história – uma crise marcada por estagnação econômica e por altas taxas de inflação” (BRESSER-PEREIRA, 1991, p. 3).

Segundo Kuczynski e Williamson (2004), a região apresentava elevada vulnerabilidade externa, mostrando incapacidade frente às tensões induzidas pelo arrocho anti-inflacionário da política monetária dos Estados Unidos. Além disso, os autores acrescentam:

As taxas de juros dispararam; o dólar, em termos do qual era denominada a maioria das dívidas externas, apreciou-se; o preço de exportações de commodities desabou e os mercados de exportação de não-commodities encolheram (KUCZYNSKI; WILLIAMSON, 2004, p. 19).

Batista Júnior (1994) mostra que, ao final da década de 1980 e início dos anos 1990, passou-se a ser abertamente admitida a tese da falência do Estado, o qual já haveria demonstrado suficientes evidências de sua incapacidade em formular corretas políticas econômicas, a exemplo de fiscais e monetárias, de modo a promover estabilidade e alavancar o crescimento econômico dos países. Em outras palavras, iniciou-se um processo de questionamentos a respeito da competência do Estado em gerir um país.

Para solucionar o ambiente de crise da dívida das economias latino- americanas, a adoção das propostas do chamado Consenso de Washington, de acordo com a reinante visão neoliberal nos países centrais, seria condição imprescindível para a estabilização e posterior retomada do crescimento econômico (BRESSER-PEREIRA,1991).

O Consenso de Washington consistia em uma série de recomendações de propostas, de cunho neoliberal, a serem seguidas pelos países da América Latina. A abertura dos mercados financeiros, a abertura para o comércio internacional e a agenda de privatizações estavam no cerne das propostas. Na

verdade, era um receituário que possibilitaria a promoção dos mercados em detrimento da diminuição da participação do Estado na economia.

De acordo com Batista Júnior (1994), as medidas do Consenso de Washington abrangeram dez áreas. No entanto, em uma tentativa de sintetizá- las, destaque para as seguintes ponderações do autor:

Por um lado, a drástica redução do Estado e a corrosão do conceito de Nação; por outro, o máximo de abertura à importação de bens e serviços e à entrada de capitais de risco. Tudo em nome de um grande princípio: o da soberania absoluta do mercado autorregulável nas relações econômicas tanto internas quanto externas (BATISTA JÚNIOR, 1994, p. 18).

Como veremos mais adiante, as decisões dos governos eleitos no Brasil, ao final da década de 1980 e ao longo da década de 1990, tiveram como base as diretrizes relacionadas pelo Consenso de Washington.

2.1.2 As três crises financeiras mundiais do primeiro mandato do presidente Cardoso

Durante os mandatos presidenciais de Cardoso, o contexto internacional se mostrou especialmente desafiador, com uma sucessão de crises financeiras eclodindo em diferentes pontos do globo. Análises historiográficas desse período pontuam ao menos cinco grandes episódios de crises financeiras, ocorridas ao longo da década de 1990 e início dos anos 2000, que trouxeram impactos para a economia do Brasil.

Sobre tais crises, antecipamos que o detalhamento das principais causas e consequências das crises do México (1994-95), da Ásia (1997) e da Rússia (1998), as quais antecederam a crise do Brasil (1998-99), está abordado no texto anexo a esta dissertação.

Porém, de forma resumida, antecipadamente podemos realizar algumas imprenscindíveis considerações para o entendimento da conjuntura global da década de 1990. De um lado, o advento das três crises internacionais ocorridas

ao longo da última década do século 20 teve como principal motivação a adoção de políticas liberalizantes preconizadas pelo Consenso de Washington, especialmente no caso mexicano. Com um olhar retrospectivo, é possível afirmar que essas políticas trouxeram resultados muito mais negativos que positivos para os países que seguiram a cartilha de Washington. Os colapsos financeiros e econômicos verificados desmistificaram a visão convencional de que a disciplina dos mercados precede a estabilidade econômica.

De outro lado, as opções de política econômica disponíveis para o governo de Cardoso invariavelmente estiveram subordinadas ao que ocorria no contexto internacional. Em outras palavras, as crises observadas durante a década de 1990 limitaram o raio de ação dos formuladores de política econômica do governo brasileiro. Além do mais, é de suma importância caracterizar o desenho de política econômica do governo Cardoso como algo em linha com as propostas formuladas pelo Consenso de Washington.

2.2 Superação da inflação e contexto internacional: a formatação do